Em Israel palestinos são "culpados até que se prove o contrário" 

A Suprema Corte de Justiça israelense debaterá nesta quinta-feira (21) uma petição que lida com o caso de Ayman Sharawna, um dos prisioneiros palestinos liberados na troca pelo soldado israelense Gilad Shalit (preso em Gaza, pelo Hamas) e o primeiro a ser detido novamente, em janeiro de 2012.

Por Amira Hass* 

Soldado israelense Gilad Shalit liberado pelo Hamas - The Guardian

Na realidade, a Corte Suprema recebeu o pedido para agir de forma a neutralizar ainda outro ato de sabotagem e erosão dos princípios de processo jurídico justo pelo direito militar. 

Desta vez, é um prisioneiro de segurança, facilmente feito desprezar e de direitos facilmente ignorados, um ativista do Hamas condenado por conexão a um ataque em Be’er Sheva, vila israelense. Ele foi sentenciado a 38 anos de prisão, 10 dos quais serviu antes de ser liberado, como parte do acordo político pelo soldado israelense Shalit.

Três meses depois, o palestino foi preso novamente. As Forças de Defesa de Israel (FDI) e a central de inteligência israelense Shin Bet dizem que ele retornou à prisão por tomar parte em “atividade proibida relacionada à segurança”, com base em evidência “confidencial”.

Nem as suspeitas nem a evidência foram apresentadas aos advogados Ahlam Hadad e Nery Ramati, que entraram com a petição. Graças à fermentação legal, Sharawna é obrigado a completar sua sentença, e em uma forma de detenção administrativa (sob direito militar, sem julgamento), para passar os próximos 28 anos na prisão.

Os juristas militares pegaram uma página do direito civil e emprestaram cláusulas prejudiciais com relação à libertação de prisioneiros com sentenças suspensas. Ao mesmo tempo, ignoraram os contrapesos da legislação civil. Copiaram da tradição de detenção administrativa e, acima de tudo, se inspiraram na raiva de oficiais de defesa e políticos, que acreditaram que o Hamas tinha conseguido superá-los. Por isso, em 2009, duas mudanças foram feitas nas cláusulas 184 e 186 do decreto de segurança, e no decreto 1651, que lida com suspensão de sentenças.

E assim foi como tivemos um comitê militar de liberação, consistindo exclusivamente de oficiais do mesmo aparato que condenou o prisioneiro anteriormente (e que não inclui assistentes sociais ou oficiais da educação, como o aparato civil inclui). Na verdade, o direito militar permite a prisão de uma pessoa até que um comitê militar decida se uma ofensa foi cometida (um comitê civil não tem autoridade para prender as pessoas), com punição automática e sem uma condena, a detenção administrativa.

As FDI e o Shin Bet podem se esconder atrás das “evidências confidenciais”, assim como em detenções administrativas, sem revisão do julgamento. Também temos a falta do poder de autonomia do comitê que, de acordo com as novas mudanças e em contraste com o comitê civil, precisa retornar o prisioneiro liberado à cadeia pela sentença completa.

Palestinos: culpados até que se prove o contrário

Mesmo que um novo indiciamento seja submetido, baseado nas novas evidências; mesmo que a ofensa não seja considerada séria pelas leis da potência ocupante, que tende a ver todos os palestinos como culpados a menos que se prove o contrário, que cria ofensas a partir de, aparentemente, ações diárias, como conversar com alguém num mercado ou participar numa manifestação; mesmo assim, se condenado, o prisioneiro antes liberado será enviado de volta à prisão, possivelmente por décadas.

Seria ingênuo acreditar que essa arbitrariedade insensível, contrária aos princípios de processo justo, não polui também o direito civil. O fato de que essas mudanças foram concebidas e introduzidas enquanto as negociações para libertação de Shalit estavam se realizando prova que as FDI e o Shin Bet estavam já preparando uma armadilha, uma forma de colocar os prisioneiros palestinos de volta na prisão, especialmente aqueles que haviam sido sentenciados a períodos mais longos mas que não tinham sido deportados para o exterior ou para a Faixa de Gaza.

Isso vai muito além de uma questão legal. Na verdade, entre as linhas, a Corte Suprema debaterá a cultura israelense beligerante de vingança e sua influência destrutiva nas relações entre dois povos vivendo nessa terra.

Os palestinos, por sua vez, podem levar para casa a mensagem de que se isso chegar aos seus direitos nacionais ou à libertação de prisioneiros, Israel achará uma forma de esquivar-se dos acordos. E a mensagem apenas impulsiona a teoria de que não vale a pena perder tempo com negociações de paz com os israelenses, ou procurando um compromisso histórico com eles.

Amira Hass é correspondente do jornal israelense Haaretz para a Cisjordânia

Fonte: Haartez
Tradução: Moara Crivelente, da Redação do Vermelho