Quando a mídia ignorou o filho de FHC com uma jornalista

Por André Cintra
A grande mídia anda indignada com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado de quebrar o decoro parlamentar. Renan teria recebido dinheiro de um lobista para pagar pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com

Tomás Dutra Schmidt, o tal filho, nasceu em nasceu no dia 26 de setembro de 1991, quando FHC era senador pelo PSDB-SP, e Miriam atuava como correspondente do Jornal Nacional em Brasília. Anos depois, para abafar o escândalo, a repórter foi “exilada” na Europa à custa da TV Globo. Viveu confortavelmente com o filho e uma irmã, sobretudo em Barcelona, onde moraram num dos mais luxuosos bairros espanhóis. No último dia 6, Miriam voltou ao Brasil.


 


A mídia é que, até agora, não se voltou à pergunta-chave: por que sempre tratou o filho caçula de FHC como um assunto pessoal, sem relevância jornalística? “A imprensa brasileira está moralmente obrigada a fazer um 'mea culpa' no caso do filho adulterino do ex-presidente FHC”, declarou Eliakim Araújo, em 2002, no site Direto da Redação.


 


“São muitos os pontos obscuros desse mistério. Que a Globo mantivesse o silêncio é até certo ponto compreensível, pelo seu passado e pelas implicações que a revelação acarretaria. Mas, e o restante da mídia? Por que as grandes revistas semanais e os grandes jornais não registraram a história que a imprensa inteira sabia?”, indaga Eliakim, para depois concluir: “Sem um esclarecimento convincente, vai ficar sempre a impressão de que imprensa e poder têm uma relação promíscua”.


 


O fato e a notícia


 


Numa reportagem excepcional, a revista Caros Amigos foi além de revelar o filho de FHC fora do casamento. O texto “Um fato jornalístico”, de abril de 2000, esmiuçou a complacência entre os barões da comunicação e o ex-político tucano. De tão complexa, a matéria – que seria inicialmente assinada por Palmério Dória – teve co-participação de João Rocha, Marina Amaral, Mylton Severiano, José Arbex Jr. e Sérgio de Souza.


 


Em entrevista concedida anos depois, alguns autores comentaram o texto e rebateram as acusações de sensacionalismo. “A matéria não foi sobre o filho do FHC, mas sobre os bastidores da notícia”, explicou Arbex. Ao que Marina enfatizou: “O problema não é o presidente ter um filho, mas saber até que ponto a Globo tem ligação com o Planalto. Saber o porquê de eles terem mandado a jornalista para a Europa. Quando apareceu a filha do Lula, O Globo fez um editorial intitulado 'O direito de saber', defendendo que o caso dele com a Míriam devia ser público. Já o do FHC, alegam que é privado”.


 


A história do filho adulterino de FHC revela que, invariavelmente, a mídia brasileira está mais preocupada com seus interesses – e menos com os princípios jornalísticos. O moralismo que faltou contra o tucano sobra para Renan. É mais um ingrediente daquilo que Paulo Henrique Amorim enxerga como mais um golpe contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


 


Leia abaixo a primeira parte da matéria da Caros Amigos


 



Um fato jornalístico


 


Por Palmério Dória, João Rocha (de Barcelona),
Marina Amaral, Mylton Severiano, José Arbex Jr., Sérgio de Souza


 


Esta reportagem começou assim: o jornalista Palmério Dória ofereceu para Caros Amigos um artigo cujo título era “Presidente, Assuma!”, referindo-se ao filho gerado do romance entre Fernando Henrique Cardoso e a jornalista Miriam Dutra quando o atual presidente da República era senador. A jornalista trabalhava, e trabalha ainda, para a Rede Globo, na ocasião como repórter em Brasília, hoje como correspondente em Barcelona, Espanha.


 


O artigo, depois de dizer que o casal era visto nas noites de Brasília a partir do final de 1988, contava em detalhes, revelados por testemunhas, a reação irada do então senador, com xingos à jornalista, expulsão da sala e um pontapé no circulador de ar, que foi parar longe, no dia em que ela foi ao seu gabinete participar-lhe a gravidez. Abordava em seguida a situação criada após o nascimento da criança, em 1991, quando a estrela do senador começava a brilhar na política, projetando contornos para uma candidatura à presidência da República.


 


Citava a participação dos amigos Sérgio Motta e José Serra, “cabeças do projeto presidencial”, no episódio, primeiro conseguindo para a mãe e a criança um apartamento mais confortável na Asa Sul, onde ela já morava mais modestamente, e, depois, fazendo gestões junto ao diretor de jornalismo da Rede Globo, Alberico Souza Cruz, que é o padrinho do menino, no sentido de transferir a jornalista para Lisboa, o que se efetivou.


 


Dizia ainda o artigo que, a certa altura, esses três personagens foram substituídos, no que o autor chama de “corpo de bombeiros”, por um conhecido lobista de Brasília, aparentado de Miriam Dutra que em determinadas rodas é chamado de “o homem que sustenta o filho do presidente”. Antes de encerrar o artigo, o autor pergunta por que tanto segredo, por que a “conspiração de silêncio” da imprensa em torno da história, listando uma série de políticos e personagens públicos que em casos semelhantes viram noticiados os fatos que haviam protagonizado.


 


Ao entregar o texto, o jornalista sugeriu que o ilustrássemos com uma foto de Miriam Dutra. E foi aí que as coisas passaram a tomar outro rumo.


 


Quando procuramos, por telefone, o Departamento de Documentação (Dedoc) da Editora Abril, que vende esse tipo de material, como todas as empresas jornalísticas, ficamos sabendo que lá havia uma única foto da jornalista da Globo, tirada da tela de uma televisão por um fotógrafo da revista Veja, que em 1994 preparava uma reportagem sobre o caso Miriam Dutra/FHC, candidato à presidência da República. Para isso a revista tinha enviado a repórter Mônica Bergamo a Lisboa. O funcionário do Dedoc tratou do assunto com naturalidade, pedindo que aguardássemos um minuto na linha enquanto ultimava os trâmites rotineiros para o envio da foto.


 


Quando voltou ao telefone, desapontado disse que a foto não podia ser liberada, não sabia por quê. Pedimos que transferisse a ligação para a direção do Dedoc, que atendeu, se disse surpresa com o fato, que iria verificar o que estava acontecendo e nos ligaria em seguida. Depois de uma hora, ligou dizendo que realmente a foto não podia ser liberada porque era de autoria desconhecida, envolvia o nome da Globo e, assim, estava bloqueada.


 


Clique aqui para ler, na íntegra, a matéria “Um fato jornalístico”


 


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