Atleta campeã sua a camisa para levar Roraima ao mapa do esporte

Com apenas 22 anos, de origem cultural humilde e pobre, Tatiane Cassiano luta contra adversidades desde a infância. Natural de Boa Vista, venceu todas as barreiras e hoje é campeã Mundial de Jiu-Jitsu, líder juvenil do PCdoB e Presidente da Federação Roraimense de Jiu-Jitsu Esportivo. Mas pode perder tudo se não conseguir um apoio financeiro mínimo para dar continuidade à carreira.

Por Christiane Marcondes

Tatiane Cassiano

Aos oito anos de idade, Tatiane Cassiano empacotava farinha em um mercado de Boa Vista, capital de Roraima, onde nasceu. O patrão tinha um filho que praticava jiu-jitsu, esporte muito popular na época, e ele estimulou a menina a aprender. Foi paixão à primeira vista! Naquela pessoa generosa que abriu seu horizonte para inesperadas descobertas, Tatiane encontrou um segundo pai. “Quando eu vi a luta, soube que ali estava meu destino e mesmo sem saber o que era ser melhor do mundo, eu disse que seria a melhor do mundo no jiu-jitsu. O professor que estava ao meu lado sorriu e me chamou pra treinar”.

Assim é a vida de Tatiane, sob a regência eterna da boa sorte. Ela costuma cativar protetores, como esse professor amazonense, e sempre corresponde com muita dedicação à confiança que depositam nela. O primeiro quimono foi presente do ex-patrão, que também conseguiu academia de graça para a menina. A futura atleta nunca teve dinheiro “sobrando” para investir no talento que se revelaria notável, mas esbanja força e determinação para enfrentar todo tipo de problema.

Surge uma estrela

A grande oportunidade de mostrar sua arte foi em um campeonato que se realizaria na capital amazonense, Manaus, “a terceira maior potência do mundo em jiu-jitsu”, segundo Tatiane. A garota correu atrás de patrocínio, conseguiu uma parte do dinheiro com um deputado estadual e outra com o amigo empresário e ex-patrão. Foi mordida por um cão pitbull às vésperas do confronto, mesmo assim, ficou em 3º lugar, prova de que nem mesmo com dor entrega os pontos.

De desafio em desafio, a jovem foi driblando toda maré contra com seu carisma e conseguiu vir para São Paulo participar do campeonato mundial da categoria, no Ginásio do Ibirapuera. Ganhou, mas o povo de Roraima não acreditou: “Quando, finalmente, foi homologado o resultado pela confederação Brasileira de Jiu-Jitsu Esportivo e meu nome estava lá no topo, todo mundo teve que engolir as besteiras que haviam dito a meu respeito. Fui a 1ª roraimense pobre e mulher a ganhar o título”.

Encontro marcado com a política

A vida da atleta na militância começou ainda na escola, quando participava das atividades do grêmio estudantil Camilo Dias. Com seu espírito de liderança, tempos depois foi eleita presidente do grêmio estudantil. Estava com 14 anos.

Conta que foi muito difícil exercer seu papel, todo mundo só reclamava e ela se sentiu sozinha até que amigos começaram a ajudar: “Com esse apoio, tomei a decisão de lutar de forma efetiva pelos direitos dos alunos, comecei a cobrar dos gestores as verbas que vinham pra escola, questionar qual era o destino do dinheiro para a cantina e para a locação de máquinas de xerox, que ninguém via. A pressão cresceu tanto que a diretora destituiu o grêmio da escola e queria me expulsar da escola, foi o maior bafafá…rsrs”.

Nesse momento crítico, a aprendiz de revolucionária decidiu “aprender como funcionava a política” e começou a estudar o comunismo.

“Participei de diversos projetos que fomentavam a política dentro da escola e fiz um projeto, quando eu estava terminando o 3º ano do ensino médio, para o jovem parlamento Brasileiro que foi o único aprovado do estado. Passei cinco dias como jovem parlamentar na Câmara Federal, lá aprendi muito, foi uma experiência fantástica, e cada envolvimento meu, direto, com a política ocorreu de forma natural, sem que eu planejasse”, relata.

Doutora em todas as artes

Com a repetida experiência de escancarar portas comumente fechadas a meninas pobres e de redutos provincianos, Tatiane partiu para novo atrevimento: prestou vestibular no Instituto Federal de Roraima (antigo Cefet) que, no estado, é considerada a melhor escola de ensino superior no curso de Educação Física: “Tem conceito 4 no MEC e o nível técnico é altíssimo”, descreve a então vestibulanda. Alguém duvida que ela passou no exame? Saiu do ensino médio direto para a faculdade.

Na faculdade como em todos os locais onde atua, Tatiane exerce a crítica e o espírito de equipe, buscando sempre melhorar a vida de todos com os quais convive.

Há um ano e meio se filiou ao PCdoB. Nesse período, foi eleita presidenta da Federação Roraimense de Jiu-Jitsu Esportivo e, em seguida, assumiu o cargo de diretora de esportes da UJS. Finalmente tornou-se secretária de juventude do PC do B no comitê municipal de Boa Vista (capital de Roraima) e depois foi eleita secretária de juventude do comitê estadual de Roraima.

Sem tatame não há treino

São muitas vitórias, todas árduas e o caminho não está aberto, ao contrário, às vésperas de novas eleições na Federação Roraimense de Jiu-jitsu, Tatiane luta bravamente (e o adjetivo, aqui, não é figurado) para não perder: “O meu concorrente é da oposição, comprovadamente já se envolveu em corrupção, tem de onde tirar verba para ganhar. Eu não consegui realizar quase nada nesse período de gestão, simplesmente porque não tenho dinheiro. Meu contato com o único vereador e o único deputado estadual do PCdoB aqui no estado é ótimo, mas não me levam até a base central, o Ministério do Esporte. Não quero muito, alguns tatames para substituir os que existem por aqui, todos muito estragados, já demonstraria força política. O descaso administrativo com o esporte que já foi o mais popular da cidade é tanto que ele está sendo legado ao abandono”.

Sonhos de olhos abertos

Tatiane não conseguiu renovar seu convênio com o Ministério do Esporte porque as modalidades olímpicas estão sendo prestigiadas. Ela compreende que as prioridades precisam ser estabelecidas, mas alerta para o risco de perder espaço político em uma capital que pode alavancar mais crescimento para o PCdoB. Distante dos grandes centros, Tatiane não se intimida: assim como coloca toda sua energia no tatame, coloca mais carga ainda nas denúncias de carências materiais nas campanhas. Conta com o apoio dos parlamentares, que também se beneficiariam com o suporte financeiro e poderiam se reeleger.

Inteligente acima de tudo, a atleta campeã sabe que talentos, da mesma forma meteórica como surgem, podem desaparecer, se não há trilharem o rumo da superação. O atleta nasce da paixão, cresce com a dedicação, amadurece com o investimento financeiro e técnico, para finalmente triunfar com a determinação. Tatiane tem esse perfil e segue essas etapas em todos os desafios que encontra pela frente. Agora quer se reeleger presidente da Federação Romairense de jiu-jitsu e abrir caminhos para colegas que possam como ela levar seus nomes aos rankings mundiais. Depois, quem sabe? Com certeza a jovem de apenas 22 anos, tantas experiências e medalhas, nunca desistirá dos sonhos.

O gosto pelos estudos

“Tenho diversos sonhos, quero continuar competindo sim, tenho outro sonho de ganhar um mundial na faixa preta, mas também sonho fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado, desde criança”, conta.

Enquanto o futuro não chega, a campeã mundial segue dando aulas gratuitas para crianças pobres, com o objetivo de fazer do esporte um instrumento de inclusão social, e se vira para sobreviver: “Já trabalhei no INSS como professora de ginástica laboral, no SESC com os alongamentos de dança de salão, balé clássico e balé moderno, em academia ministrando aulas de jiu-jitsu”.

A torcida, para quem já a viu no tatame ou na batalha vida, é muito grande, porque já está bem claro que tudo o que Tatiane conquistar vai devolver em dobro à sociedade: sua cidade, seus conterrâneos, seu país e seu partido.