Mangabeira Unger: nossa obsessão será consolidar o ensino público

Depois de três agendamentos e sob grande expectativa, aconteceu na tarde de hoje (19) a cerimônia de posse do filósofo Roberto Mangabeira Unger, novo ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo. Em um discurso quase poético, ele defendeu o engaj

Para Mangabeira, “o Brasil reinventará o desenvolvimento no ato de retomá-lo. Oportunidade será a fórmula do nosso crescimento e o método para a criação das oportunidades será a reconstrução das instituições da economia de mercado para torná-las efetivas e includentes em meio a nossa desigualdade. E para resgatar os 2/3 de nossos trabalhadores que lutam para sobreviver na economia informal. Dar braço e asas ao dinamismo reprimido da nação. Será a nossa maneira de soerguer incluindo”.


 


“Nossa obsessão nacional será consolidar o ensino público que capacite os brasileiros e aproveite os seus talentos. E que prepare uma sociedade organizada em benefício dos que não tem padrinhos ou heranças. Se nossas crianças, sobretudo pobres e negras, surgirão gênios que acordarão a humanidade do torpor do desencanto”, disse em seu discurso de posse.


 


Mangabeira assumiu a recém criada Secretaria, que é responsável pelo planejamento do Brasil para os próximos anos, em especial por traçar os passos para o bicentenário da independência em 2022. Sua indicação foi feita em abril pelo vice-presidente José Alencar – ambos são do Partido Republicano Brasileiro (PRB). A demora para a concretização de sua posse causou muitos rumores.


 


Apoio presidencial


 


Para o presidente Lula, o clima para a construção é o mais propício. “O clima para a gente pensar, elaborar, colocar no papel e começar a pensar em executar, penso que é um dos melhores momentos da história do nosso país. Portanto, meu caro companheiro Mangabeira, eu quero que você saiba que você terá todo o meu apoio para que a gente possa concretizar esse desejo, que é meu, mas é mais ainda, um desejo do país”.


 


Em sua fala, o presidente Lula destacou o papel da nova Secretaria – “Se a gente não pensar a longo prazo, a gente não constrói esse futuro” – e provocou Mangabeira: “A tua função é despertar um pouco uma parcela da sociedade que está adormecida nas universidades, na academia. Mas também fazer a boa provocação àqueles que nós chamamos de deserdados que ainda não tiveram a oportunidade de conquistar a sua cidadania. Fazer uma boa provocação aos sindicatos brasileiros, às igrejas, tanto as evangélicas quanto à Católica, de colocarem as sabedorias acumuladas ao longo de milênios para que a gente possa tentar extrair um país possível, que não seja o país do mandato do presidente Lula, mas que seja um país que todos nós iremos trabalhar para concretizar”.


 


Constrangimento


 


Em novembro de 2005, Mangabeira escreveu um artigo publicado no jornal Folha da S. Paulo no qual pediu o impeachment do presidente Lula. Mas além deste episódio fatual, do qual já foi absolvido pelo próprio presidente, o filósofo representa a empresa de telefonia Brasil Telecom nos Estados Unidos. A empresa de telefonia que tem como principais sócios fundos de pensão de estatais, a Telecom Italia e o Citibank administrados pelo banco Opportunity, de Daniel Dantas, indiciado por formação de quadrilha, corrupção ativa e divulgação de segredo pela Polícia Federal em 2005.


 


No último dia 30, antes de deixar os Estados Unidos, Mangabeira ingressou com uma ação indenizatória contra a Brasil Telecom. Indicado por Daniel Dantas, seu cargo foi ameaçado quando os fundos de pensão retomaram o controle da empresa. Mas depois fez um acordo para permanecer no posto. Na semana retrasada, o filósofo fez uma consulta à Comissão de Ética Pública, questionando se poderia acumular as funções de ministro e consultor da Brasil Telecom. Claro, a Comissão disse que se configuraria o conflito de interesses. Foram sucessivos constrangimentos.


 


Na manhã de hoje (19), o chefe interino do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência (NAE), que será incorporado à Secretaria de Mangabeira, coronel Oswaldo Oliva Neto, entregou o cargo por achar que perdia sentido sua permanência. Ele estava à frente do NAE desde novembro de 2006. De acordo com a Secretaria de Imprensa da Presidência, ele permanecerá no governo e irá trabalhar em projeto de inclusão digital, ligado à Casa Civil.


 


Sobre isso, Mangabeira comentou: “Senhor presidente, ao convocar-me para esta tarefa o senhor demonstrou magnanimidade. Critiquei com veemência e combati com ardor o seu primeiro governo. A magnanimidade tem duas raízes: grandeza interior e preocupação com o futuro. Orientar-se ao futuro é antever e antecipar uma vitória sobre os constrangimentos do presente”.


 


A Secretaria que já foi de Ações de Longo Prazo, depois Secretaria de Planejamento Estratégico, passou a se chamar Secretaria de Planejamento de Longo Prazo. Ela deve unificar outros dois órgãos do governo: o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) e o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Os dois devem passam a ficar sob o guarda-chuva do novo ministério. Lula quer que a pasta produza cenários e diagnósticos que permitam o desenvolvimento mais acelerado do Brasil.


 


Discurso de posse


 


Em sua fala, marcada por um forte sotaque estrangeiro – Unger viveu por mais de vinte anos nos Estados Unidos atuando como professor na Universidade de Harvard –, o ministro exaltou a necessidade de se elaborar um projeto estratégico de desenvolvimento para o país, aproveitando a produção intelectual e as pesquisas nacionais. “O Brasil rejeitará a escolha entre um Estado que pouco faz pela produção e o Estado que, em nome da produção, distribui favores entre apaniguados. Dar braço e assas ao dinamismo reprimido da nação. Será a nossa maneira de soerguer incluindo”.


 


E mais adiante apontou o rumo: “Nossa obsessão nacional será consolidar o ensino público que capacite os brasileiros e aproveite seus talentos. E que prepare uma sociedade organizada em benefício dos que não tem padrinhos ou heranças. De nossas crianças, sobretudo pobres e negras, surgirão gênios que acordarão a humanidade do torpor do desencanto”.


 


Projeto de país


 


Mangabeira, que não falou com a imprensa depois da cerimônia, disse há um outro grande país em desenvolvimento mas que lhe falta, além da idéia clara a respeito do futuro, democracia, unidade nacional e “confiança na nossa própria originalidade coletiva”. Mas reafirmou: “os olhos da humanidade começam a se voltar para nós”.


 


“A tarefa para a qual o senhor me convocou é de ajudar a engajar todos os setores do governo e da sociedade na definição do rumo nacional. E apontar as implicações deste rumo para as ações presentes do governo e da sociedade. Não se aprende esta estratégia nacional em livros. Não se deduz de doutrinas. Tem que pautar-se por um Brasil que já deu certo.  Por centenas de milhares de inovações, empreendedoras e sociais que se multiplicam desconhecidas no país”.


 


O ministro fez comparação com Getúlio Vargas, que “fez uma revolução aliando o Estado aos setores organizados da sociedade”. “Hoje a revolução indispensável para a qual trabalha o seu governo, sr. presidente, é usar os poderes e os recursos do Estado para ajudar a maioria ainda desorganizada a seguir os passos da nova vanguarda. O mundo inquieta-se sob a ditadura de falta de alternativas. O que quer o mundo é uma ordem econômica e política que assegure a primazia dos interesses do trabalho e da produção, que ofereça oportunidades de iniciativa e de aprofundamento às mulheres e homens comuns, democratizar o mercado, aprofundar a democracia, resguardar o pluralismo de trajetórias e desenvolvimento, e de experiências de civilização. É isso o que quer o mundo. Nesse mundo vejo o Brasil com simpatia singular”, disse.


 


Apesar das controvérsias, Mangabeira deu demonstrações de estar disposto à missão estratégica pública. E foi visionário: “O Brasil se levantará, será um milagre de iniciativas singelas por falta das quais uma vitalidade desmedida não conseguia até então ser fecunda. A ascensão do Brasil ao contrário a de outros países, não passará por ódios e guerras. E a chegada do Brasil ao conserto das grandes nações ajudará a forçar a substituição de um consenso autoritário por uma diversidade libertadora, juntando homens e mulheres que não confundem o realismo com a rendição”.