Deputado diz que imprensa faz terrorismo com questão boliviana

Em dois discursos proferidos nesta quarta-feira (2) na tribuna da Câmara Federal, o deputado Luciano Zica (PT-SP) condenou o “terrorismo” da imprensa brasileira, bem como a “cara-de-pau” de setores da oposiç&atil

Em dois discursos proferidos nesta quarta-feira (2) na tribuna da Câmara Federal, o deputado Luciano Zica (PT-SP) condenou o “terrorismo” da imprensa brasileira, bem como a “cara-de-pau” de setores da oposição, no tratamento da questão envolvendo a nacionalização das reservas naturais da Bolívia.

 

Zica, que é petroleiro de origem e conhece a fundo o assunto, defendeu a legitimidade do ato boliviano e a posição do governo brasileiro, que busca saídas negociadas para atender aos interesses da Petrobras na Bolívia. O deputado também fez um histórico dos acordos feitos por governos passados na questão do gás, os quais considerou irresponsáveis.

 

Leia abaixo as íntegras dos discursos:

 

Discurso feito pela manhã


Sr. Presidente, sras. e srs. deputados, fico assustado ao ver a cara de pau de alguns colegas, nesta Casa, no debate sobre a crise com a Bolívia. Parece até que todos apagaram da memória a responsabilidade daqueles que construíram um acordo inconveniente com a Bolívia para o Brasil.

Ao longo dos últimos 12 anos, tenho denunciado desta tribuna a inconveniência da forma como se constituiu o acordo para a construção do gasoduto Brasil-Bolívia.

Tivemos, no início da ditadura militar, um projeto idealizado pelo então Ministro do Planejamento, que foi nosso colega, Deputado Roberto Campos. Esse projeto ficou engavetado durante anos. No governo do presidente Fernando Collor de Melo, em 1991, foi assinado um primeiro protocolo de intenções. O governo Fernando Henrique Cardoso, em 1996, assinou o primeiro contrato.

Em 1999, em função da incompetência das autoridades do governo Fernando Henrique Cardoso na gestão do setor energético brasileiro, foi lançado um programa prioritário de térmicas sem que tivéssemos o gás. E, de forma irresponsável, lançou-se mão do Gasoduto Bolívia-Brasil para suprir as necessidades de gás das térmicas que foram construídas e estão até hoje sem gás em várias regiões do Brasil.

No entanto, o contrato renovado, em 1999, que vale por 20 anos, assinado com a Bolívia — é bom que o povo brasileiro saiba — , previa o fornecimento de 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia com a seguinte condição: o Brasil pagaria pelo gás, retirando ou não da Bolívia o gás. E o povo brasileiro pagou a conta da irresponsabilidade do governo Fernando Henrique Cardoso, de 1999 a 2002. Foram pagos 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia e retirando menos da metade.

Evidentemente, o que o governo do presidente Lula fez foi estimular — posso até ter divergência do método — a utilização do gás pelo povo brasileiro. Particularmente, sou contra o estímulo do uso do gás no transporte individual.

Nós temos outras alternativas de combustíveis para substituir a gasolina ou complementá-la sem usar um combustível nobre que não temos, como o gás, no transporte individual. Ele deveria ser usado na indústria, na substituição ao GLP domiciliar, em que pode cumprir um papel mais estratégico.

Sobre a crise atual que estamos vivendo com a Bolívia, eu disse aqui da tribuna, num discurso de Grande Expediente, na primeira terça-feira do mês de abril, que nós temos um contrato eivado de problemas, feito e sonhado entre 2 ditaduras, constituído, no seu primeiro protocolo de intenção, num Governo podre, o de Collor de Mello, e consolidado, como contrato, por um Governo absolutamente irresponsável, o de Fernando Henrique Cardoso, que impôs ao Brasil um contrato que subordinaria a infra-estrutura brasileira ao humor de algum ditador da Bolívia.

Eu pensava, naquela ocasião, nos generais, 10 a 12 anos atrás. Mas agora estamos diante de uma exigência popular na Bolívia, que quer ver, em pratos limpos, em que termos foi assinado esse contrato.

Então, a tese que defendo é a de que nós temos de respeitar a Bolívia. Não precisamos fazer filantropia com a Bolívia. A Bolívia não a quer. Nós temos de estabelecer relações transparentes e criar as condições para que o Brasil, pelo fato de ser o único mercado possível, em condições equilibradas, de gerar a receita que a Bolívia precisa com a venda do seu gás, possamos ter relações civilizadas, democráticas e transparentes.

E é isso o que o governo do presidente Lula está fazendo, ao estabelecer uma negociação, sem o barulho que talvez quisesse o deputado José Thomaz Nonô, que fez um discurso sarcástico, tentando impor ao povo brasileiro a opinião de que a responsabilidade é do governo Lula.

Como bem sabe o deputado Nilson Mourão, o governo está fazendo as negociações. E não será com bravatas, colocando tanques na fronteira com a Bolívia, não será imitando o guru de alguns que aqui discursaram, George Bush, ou ameaçando com guerra, que resolveremos a situação com aquele país. Temos de resolver com inteligência, solidariedade e respeito ao interesse de 53% do povo boliviano que respaldou a proposta apresentada nos programas de governo.

É evidente que o presidente Lula sabia que corríamos esse risco. Não anteciparia qualquer resultado o governo fazer bravata ou barulho. Os passos corretos são os que estão sendo dados pelo governo, respeitando a soberania do povo boliviano, sem querer fazer na Bolívia o que não queremos que as multinacionais do setor do petróleo façam no Brasil.

Temos de construir uma relação solidária, soberana e autônoma, que respeite o governo democrático da Bolívia e a opção política de seu povo, com a garantia do interesse do desenvolvimento nacional.

 

Discurso feito à tarde


Sr. Presidente, infelizmente vou usar da tribuna novamente, à tarde, depois de tê-la ocupado pela manhã para falar sobre a polêmica em torno do gás da Bolívia. Estranho porque percebo a memória fraca de alguns que esquecem a responsabilidade na formulação de um contrato mal feito, irresponsável, que impôs ao Brasil o pagamento, durante pelo menos 4 anos, de 15 milhões de metros cúbicos de gás, em média, por dia, sem trazer o gás para consumo. Foi um contrato absurdo, em um take or pay inaceitável.

Segundo, também estranho a forma como a imprensa trata hoje o debate em torno da decisão tomada pela Bolívia. Temos de analisar este assunto. Não vi o fac-símile do decreto do Supremo Tribunal Federal do Presidente Evo Morales publicado em nenhum jornal, que, aliás, tem dito que S.Exa. teria expropriado as empresas estrangeiras que operam na Bolívia. No entanto, ao observar o decreto do Supremo Tribunal Federal, percebemos que foi feito na Bolívia o mesmo que é realizado na maioria dos países do mundo, inclusive na meca dos liberais nos Estados Unidos: a nacionalização do controle do subsolo das reservas de gás. Vai alguém explorar petróleo ou gás nos Estados Unidos e tentar levar para algum outro país para ver se consegue!

Nos Estados Unidos, não fazem o que é permitido no Brasil, na Bolívia ou na Argentina, a saber, sangrar as reservas estratégicas, exaurindo-as, deixando um país como a Argentina, que até a bem pouco tempo era um grande exportador de petróleo e gás, transformando-se, em um curto espaço de tempo, em importador.

 

Temos visto a imprensa brasileira fazer terrorismo, anunciando ao povo que teremos a falta do gás canalizado para o abastecimento da indústria, e de que a mesma não tem segurança para investir, dando um tratamento absolutamente irresponsável de uma questão estratégica, importante, que exige do governo brasileiro atitudes como a que teve ontem o presidente Lula, que, contrariando a muitos daqueles que, seguindo o ídolo do presidente americano, que por conta do petróleo colocou as tropas sobre o povo do Iraque, agora ameaça o Irã e a Venezuela, gostariam que o Brasil colocasse tanques na fronteira com a Bolívia, como se fôssemos resolver esse impasse com armas.

 

Esse é um impasse meramente político, que temos de ter a capacidade de fazer o encontro da solução, buscando o diálogo e o reconhecimento da soberania do povo boliviano, que tem na indústria do gás principalmente a expectativa de inclusão social daquele povo historicamente excluído.

É importante reconhecer que as reservas de gás da Bolívia não têm outro destino lógico, equilibrado, que não seja os consumidores brasileiros. Evo Morales deixou muito claro que quer continuar vendendo o produto para o Brasil, inclusive estabeleceu 6 meses de prazo para que a Petrobras se ajuste às regras estabelecidas.

Não se justifica o terrorismo contra o povo brasileiro, que já pagou a conta da irresponsabilidade do governo anterior com suor: a construção de um gasoduto de 2 bilhões de dólares e a vazão de gás que não fluiu por ele, porque o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999, assinou contrato de 20 anos de take-or-pay pelo qual o Brasil é obrigado a pagar a retirada de 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia, produzindo-o ou não. Lançou mão de um programa prioritário de termelétricas para suprir sua irresponsabilidade de planejamento, a exemplo da TermoLuma, no Ceará, e outras térmicas construídas que não têm gás.

Estamos diante de uma situação que pode gerar, sim, segurança para que o investidor e o consumidor brasileiro avancem no desenvolvimento da indústria do gás, numa negociação feita de forma transparente, e não suja, como foi o contrato da década de 60, na ditadura militar, quando foi assinado o primeiro protocolo.

Infelizmente, como o tempo já se esgotou, deixo a esperança de que o presidente Lula continue no caminho certo, respeitando o povo da Bolívia, e nos traga solução para esse problema. 

Fonte: www.pt.org.br