O riso do advogado

Por Mariana Bercht Ruy

Paul Klee

Era um advogado e, como tantos outros, destacava-se entre os seus. Mas o motivo do seu destaque era diferente. Esses tantos outros nunca haviam perdido um caso. Este, nunca havia ganhado um.

Isso em parte por sua predileção, um tanto quanto obsessiva e megalomaníaca, por causas impossíveis. Em parte por sua quase admirável falta de sorte.

O fato é que, mesmo sendo um bom advogado, nunca ganhara um caso. E por isso destacava-se.

Como tantos outros da sua classe, orgulhava-se e admirava-se do seu motivo de destaque, ostentando-o como a um troféu. Mas lastimava-se, de forma quase orgulhosa, do seu principal atrativo, afinal não tão atraente.

Sentia-se ferido em seu ego, ainda que esse inflasse ainda mais a cada caso perdido. A olhos vistos, dizia-se.

Chegou a montar em sua mente todo um esquema podre e conspirativo, que envolvia juízes, réus e a polícia, todos voltados contra ele, impedindo-o de ganhar qualquer caso.

De todo, não acreditava nesse esquema. Não por que não pudesse – ou não quisesse – mas porque preferia acreditar que o fim comum a todos os casos em que se envolvera fosse mérito exclusivamente seu. Mas era uma boa história, de qualquer forma.

Aconteceu então de lhe entregarem um caso ridiculamente simples, de vitória garantida – na óbvia esperança de que ele fosse perdido.

Mas contrariando todas as apostas, fofocas e expectativas – ainda que isso significasse ir de acordo com a lógica mais primária – este nosso advogado ganhou seu primeiro caso.
Enquanto tantos outros advogados – que se destacavam por nunca ter perdido um caso – ficariam muito frustrados, talvez furiosos, com uma conclusão diferente da habitual, este estacou, os olhos piscando lentamente para o juiz.

Foi quando então ele riu, não um riso alegre, ou talvez perplexo, mas o riso de quem finalmente compreende.

Ele compreendeu que aquela história, aquela boa história de conspiração que ele criara para justificar seus sucessivos fracassos, era real e que aquilo, aquele primeiro caso vencido, nada mais era que um último golpe, para enlouquecê-lo.

E assim, rindo para sempre, convicto da sua história e ainda estacado imóvel, foi levado ao Hospital de Loucos Santa Helena, que ficava na rua de baixo.

Abril de 2012
 

Mariana Bercht Ruy, de Itu (SP), é estudante secundarista e autora do blog
http://aeliocoptero.blogspot.com.br/