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Após ataques, islamofobia vira obsessão para candidatos na França

Os recentes atentados de Toulouse e Montauban mudaram o tom do debate sobre o Islã durante a campanha eleitoral francesa. Os temas de predileção da extrema-direita – imigração, insegurança e a ameaça de “islamização” da França – voltaram ao primeiro plano e a comunidade muçulmana se sente na mira, sob o pretexto da segurança nacional. O primeiro turno da eleição acontece em 22 de abril.

Por Kênya Zanatta*

“Antes desses eventos, vivíamos com uma islamofobia de direita, que se organizava em torno da ideia de que o Islã seria, por essência, incompatível com a identidade judaico-cristã da Europa. E à esquerda havia uma islamofobia baseada nos valores da laicidade, da liberdade da mulher e do convívio social. Todos valores que são muito positivos, mas que foram subvertidos para serem utilizados contra os muçulmanos”, explica Marwan Muhammad, do Coletivo Contra a Islamofobia na França (CCIF).

“Agora temos uma islamofobia ligada à segurança, uma suspeita generalizada estabelecida em relação aos muçulmanos, como nos Estados Unidos após o 11 de setembro de 2001”, avalia o representante da associação, que desde 2003 coleta denúncias de agressões e discriminações contra muçulmanos no país.

De olho no eleitorado da Frente Nacional, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, o presidente-candidato Nicolas Sarkozy se apressou em dar demonstrações de firmeza. Além de orquestrar operações policiais com ampla cobertura midiática para identificar e prender possíveis cúmplices do atirador Mohamed Merah, o governo proibiu a viagem de seis imames convidados pelo Congresso Anual da União das Organizações Islâmicas da França (UOIF), uma das três grandes entidades islâmicas do país, próxima à Irmandade Muçulmana. Apesar de criada durante o governo Sarkozy, a organização é independente.

Antes mesmo dos assassinatos que chocaram o país, a referência feita por candidatos de todo o espectro político ao princípio de laicidade já era apontado por muçulmanos como um ataque velado ao Islã. Da polêmica sobre a identificação da carne halal (proveniente de animais abatidos segundo o ritual islâmico), lançada pela extrema-direita, ao projeto de lei proposto pela esquerda radical ampliando a proibição do uso de sinais religiosos — e consequentemente do véu islâmico — às babás que trabalham na própria casa, esse princípio fundamental da república francesa nem sempre mantinha seu significado original.

De acordo com a lei de 1905, "o Estado e o poder público devem estar separados das religiões e manter em relação a elas uma neutralidade imparcial. Esses dois meios estão a serviço de finalidades laicas, que são a liberdade de consciência de cada um e a igualdade de todos diante da lei, sem distinção de religião ou de convicção. Ao impor exigências de neutralidade religiosa aos cidadãos e não ao Estado, se ataca a liberdade de consciência, que é uma liberdade laica fundamental”, afirma Jean Baubérot, historiador especialista no tema e autor do ensaio A laicidade falsificada.

“Desde o final de 2010, é Le Pen quem focaliza um pseudo-debate sobre a laicidade e define seus critérios. Sarkozy corre atrás do eleitorado da Frente Nacional e tende, portanto, a incorporar algumas de suas propostas. A esquerda, por sua vez, fica na defensiva”, conclui.

Para Samy Debah, presidente e fundador do Coletivo Contra a Islamofobia na França (CICF), é preciso que haja outros candidatos determinados a respeitar os valores da República, que digam que os muçulmanos são parte integrante da nação e que por isso devem ser protegidos como qualquer outro cidadão. “Tivemos já um exemplo, com as declarações de Jean-Luc Mélenchon [candidato da Frente de Esquerda]. Ele mostrou o discurso que todos devem ter sobre a islamofobia: o da união e não o da divisão.”

*Kênya Zanatta é correspondente do Opera Mundi em Paris.