Bob Fernandes: ''Navalha deixa quase todos nus''

''Por falta de condições – ou liberdade, ou talento, ou estrutura – há a imposição do rito; não importa que roubem, e muito, e que se saiba quem, o quê, como, onde e para quem. Importa obedecer ao momento estipulado para que aquilo que já é sabido por

 


 


Agripino Maia. Senador. Do DEM, de Democrata, partido nascido do PFL, que nasceu do PDS, que nasceu da Arena. Que nasceu com e para a ditadura. Imperdível ouvir Agripino, plantado por entre os tapetes azul e verde do Senado e da Câmara, defender o trabalho da mesma Polícia Federal vítima de sua desconfiança até outro dia, e combater a idéia de uma CPI diante do microfone da Globo, do Jornal Nacional:
– Não há necessidade de CPI, a Polícia Federal está apurando tudo…


 


A CPI da Gautama. A CPI do Zuleido. A CPI do Brasil, que ninguém, governo, oposição, Senado ou Câmara quer fazer. E que precisaria ser feita. Mas que não sai, e se sair morre. Porque estão todos, quase todos, nus.


 


Porque todos, quase todos, e inclua-se aí a mídia – como conjunto, instituição, não os casos isolados -, assim como o Judiciário – idem – e o que mais houver, sabem como a coisa funciona. Sabem quem são os Zuleidos da vida, seus parceiros, seus sócios.


 


É certo que há um rito a ser seguido: investigar, apurar, ouvir, provar, para só então publicar, ou punir. Mas há também um outro rito, o do esperar acontecer, e este é o rito que prevalece. E isso sabem quase todos os que sabem quase tudo.


 


Onyx Lorenzoni. Deputado. Gaúcho. Também vociferante, notável também – não há como não notar – por uma capilaridade inteiramente peculiar. E Onyx, outro democrata, indaga, com toda aquela veemência, aquela inflamada retórica de CPIs:


 


– CPI da Navalha por quê? Vamos fazer concorrência à PF?


 


Antônio Carlos Magalhães, o ACM. Disse ele a Raphael Prado, desta Terra Magazine, a propósito do envolvimento de seu sobrinho, o deputado Paulo Magalhães, Democrata que teria, supostamente, recebido R$ 20 mil da Gautama:


 


– Acho um preço muito barato. Eu não acho que deveria ser mais. Mas R$ 20 mil suja tanto quem recebe quanto quem dá.


 



PC, ZÉ DIRCEU E OS ANÕES


 


Luiz Sérgio. Deputado, Rio de Janeiro. Líder do PT. O Partido dos Trabalhadores, que um dia, década e meia atrás, teve José Dirceu como símbolo no combate aos Anões do Orçamento, filhotes do governo PC Farias, tatataranetos da relação entre o estado brasileiro e os que dele sempre foram donos. Pois diz Luiz Sérgio, do PT:


 


– Agora tudo é CPI a reboque de ação da PF! CPI virou rabiola de pipa: a PF empina e a CPI vai atrás, em busca de holofotes.


 


José Múcio. Deputado, do PTB de Pernambuco. Líder do governo na Câmara. É contra:


 


– A Casa deve tomar providências…


 


Antonio Carlos Pannunzio. Deputado, paulista. Líder do PSDB. É tucano. Disse que, se a PF divulgar a lista com ''mais de 40'' encontrada na Zuleilândia, aí sim o problema terá dimensão que justifique uma CPI.


 


Enquanto for só aquela esculhambação de Alagoas agora governada por Teotônio Vilela, do partido de Pannunzio, tudo bem. Ou, se ficar só na Bahia e nas relações mais, ou menos, profundas de Zuleido e/ou Zuleidos com os neo ou old tucanos – ou o novo petismo – tudo OK.


 


Toca o barco. Ou a lancha.


 


ESTRONDOSO SILÊNCIO NO REINO


 


PMDB. O partido do presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros. Está em todas as páginas. Em todas as fotos. Nas manchetes. Sem provas, a favor ou contra. Só fotos, frases, referências à ''amizade''. Insinuações. Há que seguir o rito.


 


Investigar, fuçar? Não. Esperar que a Polícia Federal dê o veredito. Ou um Sim, ou um Não.


 


Sarney. Senador. Do Maranhão, mas no Amapá. Do PMDB. Como Roseana. Senadora, líder do governo. Ele, patrono de Silas Rondeau, ministro das Minas e Energia. Ela governou o Maranhão quando Zuleido já Reinaldo… perdão, já reinava. Mas justiça lhe seja feita. Zuleido já reinava antes, bem antes, e seguiu Reinaldo… sorry, reinando, depois.


 


Está nas linhas, nas entrelinhas. E segue o silêncio. Estrondoso silêncio no reino.


 


A Cortina de Silêncio. Esse é o rito. E nele a imprensa, a mídia, tem papel central.


 


Sabem quase todos; em especial costumam saber os que estão nos Poderes, no topo da movimentação econômica, nos centros nevrálgicos das redações e reportariados. Sabem que há um rito. Há, haverá uma hora, para publicar, contar para os que pouco ou nada sabem o que já sabem quase todos que sabem das coisas.


 


Por falta de condições – ou liberdade, ou talento, ou estrutura – há a imposição do rito; não importa que roubem, e muito, e que se saiba quem, o quê, como, onde e para quem. Importa obedecer ao momento estipulado para que aquilo que já é sabido por tantos seja comunicado aos que nunca sabem, ou não precisam saber nada nunca.


 


A HORA DO ESPANTO


 


Governo PC Farias. Desde o dia 20 de Outubro de 1990 – seis meses depois da posse -, desde a semana seguinte e outras que vieram, sabia-se, em detalhes, quem eram elles. O que era o governo PC Farias. A revista IstoÉ/Senhor, publicou. Uma, duas, três, cinco, seis, oito capas… quem roubava, onde, como, com quem e para quem.


 


Silêncio.


 


Estrondoso silêncio por 18 meses, até Pedro Collor decidir-se por contar aquilo que todos, quase todos, já sabiam. E foi assim que quem nunca sabe de nada ficou sabendo o que já sabiam os que quase sempre sabem quase tudo.


 


Deu-se aquele espanto: Oooooohhhh!


 


Espanto nas ruas? Compreensível, inevitável. Estardalhaço nas redações? Triste, lamentável. E risível, porque inescapável a conclusão: ou faltou liberdade de ação, ou talento para descobrir e agir. Ou sobraram cinismo e hipocrisia. Ou, pior, de tudo um pouco.


 


José Reinaldo Tavares. Governo Sarney. Ferrovia Norte-Sul. À parte discussões técnicas sobre a necessidade ou não dos trilhos, a concorrência estava fora dos trilhos. Jânio de Freitas, na Folha, contou antes. E agora comemora aniversário, 20 anos.


 


Ali não se fez o silêncio pós. O rito da Cortina de Silêncio tem seu rito interno: segurar só quando e até onde for possível. Quando não der mais, gritar bem alto, se esgoelar, fazer de conta que gritou antes de todos.


 


Anões do Orçamento. Não havia um tapete do Congresso que não soubesse quem era João Alves, o das loterias, e o que era o Orçamento. Como não havia agora, dentre os que sabem quase tudo, quem não soubesse quem era Zuleido, quem sãos os Zuleidos e os seus, e o que segue a ser o ''Orçamento''.


 



AS GRANDES IRMÃS E A MAMADEIRA


 


Zuleido caiu? Exumem-se reportagens, uma de Gerson Camarotti, na Época, outra, salvo engano, na IstoÉ. (Exumação, quase sempre, sem o devido crédito, como é de praxe). Cinco, seis anos atrás, a Gautama e Zuleido já existiam. Mas o rito da Cortina de Silêncio também. Ainda não era a hora.


 


Zuleido existia desde bem antes. Para tratar apenas de grandezas, fiquemos no início dos 90. Na OAS, a empresa-mãe, mas não a única. Quase todas as Grandes Irmãs, então, mamavam e davam de mamar.


 


Zuleido foi flagrado no governo PC Farias. Justiça seja feita, aquele um tempo difícil para boa parte do grande empresariado, com novos patamares, com a chantagem por parte dos que operavam o Estado, esquema que rompeu inclusive regras já centenárias em bueiros e esgotos do poder à brasileira.


 


Inicio dos 90. Quem não pagava, morria, sem espaço para o brado. Mídia, com exceções, sob silêncio obsequioso, a cuidar das feridas econômicas provocadas por quem havia prazerosamente ajudado a eleger.


 


Em tempo. A taxa no governo PC Farias não era, nunca foi, de 30% – lenda que se tornou verdade histórica. PC e seu governo caíram por muito menos. Quando o tesoureiro chegou aos dois dígitos – 13% para ser mais exato – corações e bocas começaram a se abrir.


 


Ele, o PC, se foi, mas muitos dos que pagaram, tantos que até se viram obrigados a pagar, estão aí, vivos – alguns vivíssimos -, para testemunhar.


 


O INQUÉRITO MÃE E A ERA FHC


 


Anos 90. Polícia Federal? Sem oxigênio para atuar, a fazer de conta que era um grande avanço o esquemão sindicalês de resultados e o chellotismo da direção, que vigoraria na Era FHC em parceria com esmolas doadas por DEA, CIA e FBI.


 


No rastro daqueles anos a Polícia Federal -o embrião dessa de hoje-, com um grupo de delegados e delegadas chefiado por esse mesmo Paulo Lacerda, produziu um documento impressionante. Mais de 100 mil páginas. O inquérito-mãe.


 


A autopsia das relações carnais entre o Estado e o topo da sociedade indicou, e indiciou, mais de 400 empresas e mais de 100 dirigentes do grand monde empresarial. Prato interminável para quem desejasse investigar, provar, punir.


 


O inquérito dormita até hoje nas gavetas e escaninhos da Justiça. Sob silêncio, profundo silêncio. Todos os crimes, ou quase todos, prescreveram.


 


Rios de tinta, horas e horas de telejornais e programas de rádio e auditório a discutir Quem Matou PC Farias. Quem Queimou o Arquivo? Tarefa e debates pertinentes, mas, enquanto este era o foco único, sumia, esmaecia nas prateleiras, nas manhas e artimanhas advocatícias, o verdadeiro arquivo: o inquérito-mãe.


 


A autópsia dos anos PC Farias morreu, de inanição, no caminho entre as delegacias e os tribunais. Mesmo co-responsável, por omissão de socorro, a mídia autocongratulou-se e seguiu firme. De CPI em CPI. Com momentos indeléveis.


 


A cada CPI a desconstrução, o desnudamento, de ídolos erigidos nas CPIs anteriores. O acusador, o julgador de ontem, é o acusado, o réu de hoje.


 



SIGILO FISCAL E BANCÁRIO


 


Ocioso recordar exemplos. Triste recortar exemplos num instante em que o Delcídio da CPI de ontem se enrola num vôo pago pelo Zuleido – ainda que, ou até por que, sem o saber.


 


Zuleido, da Gautama, está preso. Oooohhhh!


 


Rios de tinta. Manchetes e manchetes. Espanto. Indignação. Como naqueles dias em que o Pallocci viu-se acusado de desventrar os segredos bancários do caseiro. (Nildo?).


 


Inesquecíveis as edições. Dezoito, dezessete, dezenove páginas. Justa a ira, a indignação nos títulos. Um ministro de Estado a vazar sigilo!!! Escândaloso, não há dúvidas. Indefensável. Onde já se viu?


 


Mas, talvez, quiçá, tenha faltado uma informação, mesmo uma mera reflexão, em meio àquelas dezenas e dezenas de páginas e manchetes sobre a quebra do sigilo do caseiro. Do quê, precisamente, e há quanto tempo desde os anos PC/Anões/Orçamento se alimenta diariamente, a cada CPI, a imprensa, a tal mídia?


 


Caros e caras internautas, estimados leitores, é forçoso reconhecer: não toda, mas grande parte das coberturas nas CPIs se faz através do… vazamento de sigilos. Sigilo fiscal, bancário, o escambau.


 


CPI dos Precatórios. Memorável a cena. A Cortina de Silêncio havia se rompido. Descobriu-se – salvo engano da memória o Estadão – parece, o Celso Pitta e uns outros tinham lá uns probleminhas. Alvoroço no Congresso e na CPI. Frenesi na cobertura.


 


Mônica Bergamo, hoje na Folha, então na Band, entre incrédula e divertida testemunhou, assim como este escriba. Gabinete do senador Vilson Kleinubinng – que já não está entre nós. Subsolo. A máquina xerox vomita folhas e folhas de papel. Seis da tarde, hora do fechamento nas redações. O funcionário, bem-humorado, vira-se para meia dúzia de jornalistas ansiosos e apregoa:


 


– Saltando sigilo fiscal e bancário, sigilo fiscal e bancário quentinhos!!!


 


Que venha a CPI dos desnudos. A CPI da Navalha.


 



Fonte: Terra Magazine