Bancos comunitários no Ceará: Como a idéia se multiplicou

O sucesso da experiência do Banco Palmas, em Fortaleza, despertou o interesse de diversas outras comunidades cearenses. Atualmente, o Estado conta com sete bancos comunitários – a maior concentração no País: Maracanaú, Maranguape, Palmácia, Santana do Aca

A replicação das idéias por trás destas iniciativas se dá através dos chamados consultores comunitários. Ao todo, são 10 os multiplicadores do Banco Palmas que difundem os princípios da socioeconomia solidária Brasil afora – em todo o País existem 12 bancos comunitários em atividade.


 


De acordo com o coordenador do Banco Palmas, Joaquim Melo, durante seis meses, os consultores recebem noções de economia e finanças. Depois, tornam-se aptos a prestar serviços para comunidades interessadas em abrir seus próprios bancos, como também para pequenos produtores que queiram usufruir dos benefícios destas instituições.


 


Dentre as atribuições dos consultores, destacam-se a realização de estudos socioeconômicos, o acompanhamento da implantação das moedas sociais e o mapa de consumo de cada região. São estes artifícios que permitem, por exemplo, detectar as demandas das comunidades e definir linhas de crédito específicas.


 


Joaquim ressalta que o curso é realizado anualmente e duas turmas já foram capacitadas, com o apoio do Banco Popular do Brasil. A última delas contou com o financiamento do Banco do Nordeste. ´Além dos 10 consultores que prestam serviço ao Palmas, outros foram aproveitados pelo comércio local ou mesmo pelos bancos que eles mesmos ajudaram a criar´, afirma. ´Depois de aberto, acompanhamos as atividades do banco de perto por um ano ainda e isso requer pessoal qualificado´.


 


Segundo Joaquim, o alto índice de aproveitamento deve-se à carência de profissionais capacitados nas comunidades. A falta de recursos humanos, lembra, é um dos maiores desafios enfrentados pelos bancos comunitários.


 


 


Palmácia: Funcionalismo pago em banco comunitário


 


Todos os sete bancos possuem sua moeda, sua linha de crédito e especificidades, mas todos têm uma dinâmica semelhante ao Banco Serrano, de Palmácia, que recebeu destaque pelo pioneirismo em absorver o pagamento do funcionalismo público municipal a partir do próximo mês. Em Palmácia, o comércio está cada vez mais aberto a aceitar a moeda social, a palmeira, resultado da credibilidade e organização do banco. Com o iniciativa da Prefeitura de Palmácia, a economia local receberá um incremento considerável, tendo em vista os 395 funcionários que receberão seus salários através do banco comunitário, quer seja em real ou na moeda social. Esta e outras instituições semelhantes, em todo o Brasil, têm recebido orientação dos consultores comunitários do Banco Palmas, de Fortaleza, experiência considerada referência mundial.


 


O Banco Serrano está prestes a entrar para a história dos bancos comunitários no País, como o primeiro a realizar o pagamento do funcionalismo público de uma cidade. A iniciativa partiu do prefeito, Desidério de Oliveira, mas a pressão veio da própria população.


 


Dentre as principais reclamações, segundo ele, a qualidade do atendimento e as altas taxas de manutenção das contas cobradas pelo banco responsável pelo pagamento, o Bradesco, que atendia através de uma agência dos Correios.


 



A autorização para celebração do convênio entre a Prefeitura e o Banco Serrano foi dada pela Câmara Municipal de Palmácia no último dia 8 de janeiro, através da publicação da Lei 217/2007. De acordo com Desidério, o contrato com o Bradesco já foi encerrado.


 


Contando com os funcionários terceirizados, a folha de pagamento de pessoal em Palmácia fica em torno dos R$ 300 mil. Atualmente, a Prefeitura tem 432 funcionários, 395 dos quais utilizam o banco para receber os salários. Os demais servidores são pagos na tesouraria da Prefeitura.


 


A previsão é de que o primeiro pagamento pelo Serrano ocorra já no início do próximo mês. O processo encontra-se na fase de abertura das contas-salário. O banco comunitário já paga benefícios de aposentados e recebe contas, graças a uma parceria com o Banco Popular do Brasil, firmada há cerca de oito meses.


 


A idéia é oferecer a opção de receber parte do ordenado em moeda social, para fazer com que o dinheiro circule no município e movimente a economia local. ´É uma forma de fazer com que o dinheiro fique na cidade´, afirma Desidério. ´Mas a opção será do funcionário´.


 


O prefeito ainda não sabe precisar o quanto a mudança representará em termos de economia para os cofres públicos, mas acredita que a redução de custos será ´grande´. ´As taxas que a Prefeitura vai pagar ao Serrano são bem menores do que as que pagamos ao Bradesco hoje. Além do mais, serão revertidas em benefício da própria população, já que o banco é da comunidade´, avalia Desidério. ´Isso vai aumentar a receita que o banco disponibiliza para os empréstimos. Acho que só há vantagens na mudança´.


 


Para garantir a qualidade no atendimento do Serrano ao funcionalismo e a segurança dos usuários, a Prefeitura acaba de realizar um concurso público, que dentre outras funções, abriu vagas para a Guarda Municipal. Para o prefeito, os investimentos valerão a pena, já que muitos moradores são obrigados se deslocar até municípios vizinhos para ter acesso a serviços bancários.


 



OPORTUNIDADE – Artesãos não tinham acesso a crédito produtivo


 


A idéia de abrir o Banco Serrano, em dezembro de 2005, nasceu da necessidade de se formar grupos produtivos organizados de artesãos, em Palmácia. A coordenadora do Banco, Nazaré Castro, conta que a maioria precisava ampliar os negócios, mas não tinha acesso a linhas de crédito nos bancos oficiais. ´Eram iniciativas pequenas, de confecção de peças em crochê´, lembra ela.


 


Unidos, os artesãos perceberam que eram mais fortes. O empréstimo inicial conseguido junto ao Banco Popular para os primeiros financiamentos foi de R$ 2.000,00. Os juros eram de 2% ao mês, em média, e o pagamento facilitado. Hoje, o capital do banco já é de R$ 30 mil e a instituição conta com cerca de 50 clientes.


 


A sede do Serrano fica no Centro de Referência de Assistência Social do Município e sua moeda social é a palmeira. A mais recente iniciativa do banco é o crédito de consumo, no valor inicial de 40 palmeiras, o qual pode ser utilizado em estabelecimentos comerciais da cidade. O valor é pago, sem juros, num prazo de 60 dias. A cada débito quitado em dia, o valor dos empréstimos seguintes aumenta progressivamente. O índice de inadimplência até o momento tem sido zero.


 


Um mapa dos hábitos de consumo na cidade acaba de ser concluído por consultores comunitários do Banco Palmas. Em breve, novos serviços passarão a ser ofertados, de acordo com a demanda da população e os anseios dos grupos produtivos.


 


De acordo com Nazaré, o objetivo é fazer com que as palmeiras voltem a circular na cidade. Elas precisaram ser recolhidas no início do ano e reimpressas num papel diferenciado e com maior quantidade de dispositivos de segurança, como o selo holográfico. ´O modelo anterior era muito fácil de ser falsificado e gerava uma certa desconfiança nas pessoas´, revela.


 


A quantidade de estabelecimentos que aceita a moeda social ainda é reduzida, mas, aos poucos, os comerciantes aderem à proposta. Um deles é Lúcia de Oliveira, dona de uma loja de cosméticos, roupas e calçados. Ela, que já está no terceiro empréstimo junto ao Banco Serrano, dá desconto de 5% nas compras feitas com palmeiras. ´Eu acredito muito nessa idéia. Sem o banco, não teria conseguido ampliar meu negócio´, ressalta. ´Aceitar as palmeiras é uma maneira de contribuir. Todos saem ganhando com a geração de riquezas no município´.


 


Fátima Macambira, , proprietária de uma sorveteria,  ainda não tanta certeza no sucesso do projeto. Apesar de aceitar as palmeiras, ela acredita que falta divulgação da proposta e há desconhecimento sobre a segurança. ´A idéia é até boa, mas o povo anda meio desconfiado de tudo´, diz.


 


Opinião do especialista: Jeová Torres([email protected])


(Professor da UFC/Campus Cariri)


 


Os bancos comunitários representam um conceito e uma forma de operação novos no âmbito das finanças solidárias. O projeto do Banco Palmas surgiu em 1998 e tem criado e aprimorado uma série de ferramentas para gerar e ampliar a renda no Conjunto Palmeira.


 


Com este modelo, a instituição vem obtendo o reconhecimento de organizações governamentais, não-governamentais e multilaterais, que têm conseguido ampliar as oportunidades de geração de renda e reduzir a exclusão local com uma metodologia completamente original, coerente, exeqüível e replicável.


 


Diante disso, o Banco Palmas tem buscado reproduzir esta metodologia em parceria com diversas instituições no Brasil. Isso ocorreu, principalmente, a partir de 2003, com a fundação do Instituto Banco Palmas de Desenvolvimento e Socioeconomia Solidária, cuja função é difundir as metodologias e tecnologias sociais desenvolvidas pelo Banco Palmas. Em 2005, os bancos comunitários começaram a se consolidar e vários parceiros procuraram a entidade. Mais recentemente têm avançado as relações com o governo venezuelano.


 


A implementação de um banco comunitário em uma localidade necessita, entretanto, de alguns fatores serem atendidos: existência de capital financeiro para o fundo de crédito, recurso para pagamento das despesas operacionais do banco, uma organização comunitária que possa assumir a gestão do banco, pessoas capacitadas para as funções de agente de crédito e gerente de crédito e assessoramento de pelo menos seis meses do Instituto Banco Palmas para assimilação da tecnologia pela comunidade e solidificação dos conhecimentos transmitidos. Assim, vêm sendo buscados parceiros que possam financiar parte destas necessidades.


 


Desde 2005, o Instituto articula um projeto com a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, que passou a assumir os custos operacionais e de capacitação de agentes e gerentes de crédito possibilitando que novas parcerias fossem viabilizadas.


 


Além disso, em julho daquele ano, o Instituto firmou um convênio com o Banco Popular do Brasil para garantir o fundo de crédito do Banco Palmas e de outros bancos comunitários para que estes pudessem conceder microcréditos através de uma nova linha de crédito. Aqui, se alcançou a solução para a falta de fundos que alimentem as linhas de crédito do banco comunitário e o mais importante: o recurso concedido pelo Banco Popular ao Banco Palmas representa a utilização de dinheiro público para viabilizar projetos econômicos locais.


 


No momento em que contratos como este passem a ser executados com os demais bancos comunitários, será um enorme passo na consolidação da metodologia destas instituições como política pública.


 


 


ENQUETE – Expectavivas sobre nova forma de pagamento


Vai ser melhor. Esses bancos grandes têm muita burocracia. O sistema vive fora do ar. Ainda por cima, perco de 15 a 20 reais todo mês pagando taxa. É um dinheiro que faz falta para quem ganha pouco. – Socorro Rodrigues, Recepcionista



Vai ser vantajoso para todo mundo. Eu era uma das que mais pressionava o prefeito para mudar de banco. Os juros são bem mais baixos para empréstimos pessoais. – Maria das Graças Vieira de Souza, Jardineira



Acho ótimo que mude mesmo. Nesse banco, a gente vai pagar bem menos taxas. E o que a gente paga volta de novo. Como o banco é da comunidade, qualquer dinheiro que entre beneficia o povo. – Francisco dos Santos Ferreira, Auxiliar de serviços gerais


 


Ficha técnica


MUNICÍPIO: Palmácia
POPULAÇÃO: 9.859 de habitantes, de acordo com o Censo 2000/ IBGE.
ÁREA TERRITORIAL: 118 km² representando 0.0792 % do Estado, 0.0076 % da Região e 0.0014 % de todo o território brasileiro.
FUNDAÇÃO: 1957
MICRORREGIÃO: Norte
DISTÂNCIA DA CAPITAL: 76 Km
Fonte: Confederação Nacional de Municípios