Rodrigo Fino e a evolução do jornal

Aos 38 anos, o argentino Rodrigo Fino, formado em Comunicação Social e Publicidade, tem currículo invejável. Atual presidente para a América Latina da Garcia Media, onde começou há 14 anos como assistente do fundador, Mario Garcia, Rodrigo é um apaixon

A expectativa de Rodrigo sobre o futuro do jornal impresso vem a reboque da experiência adquirida na Garcia Media, responsável pelo redesenho gráfico e editorial de 88 jornais de vários partes do mundo, incluindo Europa, América Latina e Estados Unidos. No Brasil, 10 veículos impressos já passaram por suas mãos, entre eles, o Diário de Pernambuco, A Gazeta (de Vitória), O Popular (de Goiânia), O Estado de Minas, Diário da Tarde (de Belo Horizonte) e a Folha de S.Paulo.


 


Nesta entrevista publicada no jornal O POVO, Rodrigo Fino fala sobre mídia, futuro do jornal impresso, texto jornalistico e convergência de mídias. Assunto que ele fala de cátedra, afinal, são anos de pesquisa e acompanhamento das tendências e reformulações ocorridas nos maiores veículos do mundo.


 


Ao contrário do que possa parecer, a conversa não é exclusiva de pessoas que atuam no meio. Mesmo porque ninguém está livre da influência da mídia. Ainda mais, quando a Internet começa a assumir funções que até bem pouco considerávamos apenas no campo das possibilidades.


 


Para os que acham que o fim do jornal está próximo, ele aponta que a tendência agora é desenvolver a interatividade, o pensamento multimídia. Para os jornalistas, uma dica: valorizar o conteúdo que pode ser transportado para a Internet e para outros veículos, especialmente eletrônicos. E, principalmente, aproveitar as outras plataformas para valorizar aquilo que é publicado no jornal. ''Chamar na TV e no rádio a grande matéria do dia seguinte, convidar o leitor a comentá-la na Internet. Esse é grande o segredo a partir de agora''. Quem está preparado para o desafio?


 


Os jornais de 10 anos atrás eram completamente diferentes dos de hoje e daqui a quatro, cinco anos mudarão ainda mais. Quais foram os momentos que marcaram a transformação visual nos jornais impressos?



Rodrigo – A revolução dos jornais começa com o aparecimento do Macintosh, em 1984, e a possibilidade de auto-edição, você poder escrever e reescrever o texto em seguida. Aí mudou totalmente a forma de se fazer jornal. Foi uma grande mudança no mundo das empresas de comunicação. Depois, o segundo momento importante aconteceu entre 1991 e 1992, com a Guerra do Golfo, quando acontece o desenvolvimento da infografia. Isso deu muitas opções aos jornais. Você (o impresso) não tinha imagens da guerra, então tinha que mostrar com desenhos como eram os combates, o que acontecia. Na Argentina, também teve papel importante a Guerra das Malvinas, em 1982, porque a infografia teve que ser explorada a partir deste momento.


 


Era uma forma de o jornal se diferenciar da cobertura da TV e do rádio.



Rodrigo – Exato. Justamente na década de 1990, vira moda a preocupação com a questão visual, muitos jornais resolvem fazer seu redesenho. A TV e o rádio tinham a seu favor a instantaneidade. Cabia ao jornal aprofundar o fato. E nada melhor do que ilustrar como ele aconteceu. Você tinha que ambientar o eleitor. O terceiro momento da revolução do impresso vem com a Internet, a partir da metade da década de 1990, com a aparição da multimídia. As notícias passam a chegar a nós pelo computador, por e-mail, por celular. Foi um choque cultural nos jornais e tudo isso junto fez com que as empresas se obrigassem a mudar. Mas a velocidade de edição dos jornais só foi possível por causa da chegada do computador.


 


A infografia surge como uma possibilidade de oferecer uma informação que somente o jornal impresso podia ter. Com as possibilidades que temos hoje com a Internet, ela é superior ao que era feito antes ou ainda é preciso avançar?



Rodrigo – Quando a infografia atinge seu melhor momento de qualidade, começa uma mania louca de se desenhar qualquer coisa: como é um gravador por dentro, como cai a chuva… Você olhava para os jornais e tudo era infografia. Não havia pertinência. Uma foto era trocada por infografia. Agora, a infografia virou um gêneno jornalístico, usado na medida certa. Além disso, na Internet, ela ganhou possibilidades incríveis com a animação.


 


Entre uma página com infografia ruim e bom texto e uma com boa infografia e texto mediano, qual desperta maior atenção do leitor?



Rodrigo – O leitor ainda tem paciência para ler textos longos. Lógico que um bom desenho conquista a atenção do leitor, mas o mais importante é contar uma boa história, que explore o fator humano. É só ver o exemplo de um título: ''R$ 5 milhões será o prejuízo do Ceará com inundações provocadas pelas chuvas''. Qual de nós já viu um dia R$ 5 milhões? É muito dinheiro! Mas, se você titular ''Cinco mil pessoas afetadas com inundações provocadas pelas chuvas'', a possibilidade de o leitor se interessar pela matéria é bem maior. Para pensar no conteúdo, tem que pensar no fator humano da informação, tem que tocar as pessoas. E, se unir um bom texto a uma boa infografia, com certeza ele vai ler da primeira linha à última.


 


Até pouco tempo atrás a mídia, de um modo geral, possuía o monopólio da informação. Hoje, os receptores já não são mais passivos, querem participar, por exemplo, comentando as matérias, sugerindo pautas. A mídia esqueceu que o receptor é o grande interessado no produto?



Rodrigo – A mídia sempre foi o fiscal do poder, tendo a última palavra. Mas hoje, no caso do leitor de jornal, ele recebe muito mais informação do que antes, pela Internet, TV, celular e rádio. Agora, ele passou a se tornar fiscal da mídia, pois tem capacidade de distinguir qualidade, enfoques diferentes. O controle da informação está no cidadão. Isso mudou a relação da mídia com o leitor. Ao invés de ''leitor'', fica mais correto chamá-lo de ''audiência''. Pois o cidadão tem o poder de escolher, não só os veículos, mas agora também a plataforma: hoje é o jornal, amanhã ele muda para a Internet e, depois, para a TV.


 


O leitor do jornal que tem 70 anos, por exemplo, enquadra-se no perfil mais fiel ao jornal de papel ou ele já é aberto a essas novas mídias?



Rodrigo – O leitor mais velho, tudo bem, ainda está mais inclinado ao formato antigo do jornal de papel, uma via de uma só mão. Mas o leitor mais jovem, que já cresceu nessa era da Internet, está acostumado a participar, comentando no blog, mandando e-mail para o jornal. Cada vez mais avançamos nesse mundo multimídia, as pessoas vão se acostumando às novidades, de forma que, no futuro, a audiência estará totalmente adaptada à via dupla desde novo sistema midiático. O importante hoje é ter a informação de qualidade – e não o suporte onde ela será veiculada. Quanto mais plataformas você tiver, melhor, pois maior será a audiência.


 


Um jornal pode sobreviver sem interagir com outras mídias?



Rodrigo – Dentro de cinco anos acho que isso vai se tornar muito difícil. O futuro dos jornais está na interatividade, na troca de informação com outras plataformas. Isso é uma grande possibilidade para os jornais, não uma ameaça. Gosto muito do exemplo do fenômeno Harry Potter. Crianças de nove anos estão lendo livros de 700 páginas em poucos dias. Mas o livro recebeu colaboração do cinema, que ajudou a popularizá-lo, da mesma forma que incentivou várias crianças a assistir ao filme. Foi um fenômeno muito interessante para quem diz que as pessoas têm preguiça de ler textos pesados. Neste caso, a literatura está para o cinema assim como a Internet está para a mídia impressa. Um pode ser aliado do outro.


 


O futuro do jornal será então ter notícias rápidas, copiando a Internet, ou se voltar a grandes reportagens?



Rodrigo – A tendência mundial é ter, após um fato como o acidente do avião da Gol, notícias curtas na Internet e, no dia seguinte, aprofundar o assunto no jornal impresso. Mostrando quantas pessoas morreram, como foi o acidente, o que aconteceu com o outro avião, qual foi o problema do radar. Uma boa história no jornal, que vá além daquilo que já foi visto nas mídias eletrônicas, sempre vai conquistar o leitor. Acho que os jornais não devem se voltar apenas à informação quente, mas ter também coberturas profundas, que a gente costuma encontrar em revistas, por exemplo.


 


Esse jovem que gosta de Harry Potter, que lê 700 páginas em poucos dias, vai ter paciência para ler jornal impresso no futuro?



Rodrigo – Com certeza, o leitor de dez anos que lê hoje o Harry Potter, quando tiver 18 anos, vai ler os jornais, em busca de boas histórias. O problema é que ele também vai ler na Internet, no blog, no celular. O desafio será contar boas histórias no jornal impresso.


 


Dentro dessa busca pela boa história, o formato do lide, importado dos Estados Unidos, contribuiu para afastar o leitor do jornal impresso?



Rodrigo – A pirâmide invertida não tem sentido há muito tempo. O leitor quer hoje outra estrutura de texto, a informação com conteúdo humano, sem estar normatizada. Além de redesenhar as páginas, é necessário redesenhar o texto, utilizando outra forma de escrever a matéria. A pirâmide invertida, na minha opinião, não pode ser uma regra.


 


O leitor tradicional de jornal normalmente tem um perfil conservador. Quando há alguma mudança na disposição das editorias, por exemplo, ele costuma achar estranho. No momento em que se pensa uma reforma gráfica e editorial, o que é feito para não incomodar esse tipo de leitor?


 


Rodrigo – O objetivo deve ser sempre conservar o leitor que é fiel ao jornal, mas principalmente buscar novos leitores. E a mudança no projeto gráfico ajuda a isso, a conquistar quem ainda não lê o jornal. Porque se o jornal não conquistar novos leitores, ele não renovará seu público. O que mais agrada a qualquer leitor – novo, velho, moderno ou conservador – é a pertinência da informação. Se você tem uma matéria que não faz diferença se será publicada hoje ou amanhã, isso mostra que o leitor será sempre conquistado.


 


Nas suas pesquisas, qual foi o perfil que vocês encontraram para o leitor de jornal no Ceará?
Rodrigo – Em comparação ao leitor de São Paulo, por exemplo, há aqui de forma mais clara uma mistura do leitor conservador com o mais aberto a novidades. Em São Paulo, a grande maioria é conservadora. Talvez por isso o leitor de jornal no Ceará esteja mais acostumado e tolerante a mudanças. E isso é muito bom, porque permite ao jornal ousar, inovar, sem medo de uma resposta negativa.


 


Ao mesmo tempo em que o fenômeno da globalização fez com que o leitor pudesse saber de forma instantânea aquilo que acontece do outro lado do mundo, isso despertou nele cada vez mais interesse em saber tudo sobre o que acontece na sua localidade. Diante disso, como o senhor analisa a situação dos jornais regionais no contexto atual vivido pelo meio impresso?



Rodrigo – A década de 1990 foi a época da informação global. Hoje, temos o jornalismo hiperlocal, não apenas local. Não é só o que acontece no Ceará. Interessa o que acontece no seu bairro, em sua casa. Quem trabalhar a informação hiperlocal terá mais tempo de vida. E ninguém melhor do que um jornal regional para conseguir isso. Fazer um grande jornal de São Paulo trabalhar a hiperlocalidade é difícil, porque ele tem que interessar a várias partes do País.


 


Os jornais do Brasil conseguem trabalhar o jornalismo hiperlocal?



Rodrigo – Todos eles ainda precisam dar esse salto. Um grande problema é a falta de recursos humanos para estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo. Fala-se em jornalismo cidadão, na colaboração do leitor em matérias nos jornais. Essa pode ser a alternativa. A filtragem da informação passada pelo leitor ajudará a chegar a uma boa matéria hiperlocal.


 


Um jornal de cidade pequena que só trabalhe com agências de notícias não vai ter vida longa?



Rodrigo – Se trabalhar só com material de agência, com o que acontece nas cidades mais importantes, o jornal não terá sobrevida. O problema é que trabalhar a hiperlocalidade custa muito dinheiro, tem que investir em formação do jornalista, em tempo para ele buscar a informação hiperlocal, para ir até o local do fato, para traduzir da forma correta o que aconteceu. Mas é um investimento que gera mais dinheiro e, principalmente, tempo de vida.


 


No que os jornais impressos erraram para não ver crescer o número de leitores?



Rodrigo – Em não ter investido na parte visual, mas principalmente em não abrir canais de comunicação com o leitor, manter o leitor como um sujeito passivo. A mídia estava muito fechada. Muitos jornais só começaram agora, em 2006, 2007, a dar atenção aos seus sites. Quando olhamos para trás, em 2003, muitos jornais mal davam um e-mail para contato.


 


Com essa migração do leitor para a Internet, é melhor aos jornais passar a cobrar pelo conteúdo online para recuperar dinheiro ou manter livre o acesso ao site para não correr o risco de diminuir sua visitação?



Rodrigo – Tudo depende da forma como se encarou a Internet desde o primeiro momento. Se o jornal cobrou pelo conteúdo desde o início, o leitor está acostumado a esta situação. Se o jornal ofereceu conteúdo aberto, terá que continuar assim, porque a queda de tráfego será grande. Isso aconteceu com todos os jornais que resolveram passar a cobrar pelo acesso. Mas, se o jornal começar a oferecer conteúdo especial no site, material que não está na versão impressa, o leitor se interessará em pagar por uma assinatura do conteúdo online.


 


Os jornais como um todo têm um problema de logística muito grande para colocar o produto na rua. Esse produto, todavia, após 24 horas, não tem mais validade. Com o avanço da mídia eletrônica de forma a possibilitar que o leitor receba notícias por diversos meios, o jornal impresso estaria próximo do seu fim?



Rodrigo – Acho que, em 15, 20 anos, vai se tornar comum encontrar jornais em papel eletrônico ou uma espécie de tela de televisão, em que as notícias virão por meio de ondas eletromagnéticas. Possivelmente o jornal não será mais feito em papel, mas em suporte de plástico, eletrônico. Mas tudo vai depender de que se consiga um aparelho de leitura acessível a todos e de fácil transporte. Essa deverá ser a próxima revolução dos jornais. E não só resolverá um problema funcional, de logística da impressão e distribuição, mas principalmente ambiental, porque deixará de descartar papel após 24 horas. Mas logo os jornais irão perceber – pelo menos quem ainda não percebeu – que a informação é mais importante do que a plataforma. O jornal impresso vai desaparecer, mas o jornal como instituição, não. Ele trabalhará com outras mídias.


 


 


Leia mais sobre o tema jornalismo nos sites:
www.anj.com.br
www.sipiapa.com
www.comunique-se.com.br
www.observatoriodaimprensa.com.br
www.seguncomosemire.blogspot.com (em espanhol)
www.pointer.org (em inglês)
www.garcia-media.com (em inglês, espanhol e alemão)


 


Fonte: Jornal OPovo