Farmacêuticos debatem decisão de Lula sobre patentes

Por Renata Mielli


Em entevista, a presidente da Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos), Célia Chaves, analisa os impactos da decisão do governo de autorizar a produção do Efavirenz, medicamento utilizado para o combate ao HIV, no d

A luta para que o Brasil possua uma política para a produção nacional de medicamentos não é só da Fenafar e da categoria dos farmacêuticos, mas de toda a população brasileira, considera Célia Chaves.  Apesar da decisão de liberar a produção do Efavirenz, Célia observa uma contradição nas ações mais globais do governo, a começar pela não inclusão de investimentos na área no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Leia entrevista concedida ao portal da Fenafar.


 


A decisão do governo de liberar o licenciamento compulsório do Efaverinz tem que impactos para a retomada do debate acerca da produção nacional de medicamentos?
O licenciamento compulsório do Efavirenz assinado por Lula na última sexta-feira abre uma boa possibilidade para retomarmos com mais força e visibilidade a luta pelo desenvolvimento da indústria nacional de medicamentos. Em 2006, o governo federal definiu 5 eixos de ações estratégicas entre os quais incluiu o apoio e incentivo à produção de medicamentos. No entanto, a nova gestão apresentou à sociedade um Programa de Aceleração do Crescimento – PAC que não toca nesse tema, o que revela uma contradição do governo: aprovou num determinado momento a questão do medicamento como estratégica, mas não a coloca no seu programa de crescimento, e, ao mesmo tempo, toma essa decisão (do Efavirenz). Nós já tínhamos identificado essa lacuna no PAC e, agora, com a medida adotada pelo governo na última sexta-feira, temos ainda melhores condições para cobrar uma revisão do PAC, com o objetivo de incluir a previsão de investimentos em Ciência e Tecnologia e para a produção de fármacos e matérias-primas que já tinham sido declaradas prioritárias.


 


O governo afirmou que o licenciamento compulsório poderá ser utilizado para outros medicamentos, como você avalia essa nova postura?
A decisão mostra que o país não quer continuar nessa situação de dependência, queremos passar para outro patamar, que é o de produzir efetivamente, senão a totalidade, a maioria dos medicamentos que são estratégicos para garantir que a população tenha garantido o seu direito de Assistência Integral à Saúde. Mas, para que o país saia da situação de dependência em que se encontra, é preciso investimento em produção e pesquisa. Caso contrário, vamos ficar somando esse tipo de medidas para o resto da vida, já que sempre vai haver um medicamento que está sobre patente e que o país vai precisar para atender a população. O licenciamento compulsório, apesar de legal e obedecer as diretrizes da OMC, não pode se tornar rotina, é uma medida emergencial. Quero dizer que não pode ser a política do governo quebrar as patentes de todos os medicamentos, me parece que isso seria inviável. As empresas todas vão se rebelar. Sabemos que há processos de indústrias farmacêuticas contra países que estão adotando essa postura. Nós temos que resolver o problema na raiz, ou seja, produzir no Brasil, com as nossas indústrias nacionais (estatais ou privadas), os medicamentos e, principalmente, as matérias-primas necessárias para a produção desses medicamentos estratégicos.


 


Abre-se uma oportunidade para retomar o debate sobre a Lei de Patentes?
Ao dizer que a medida adotada para o Efavirenz pode ser utilizada para outros medicamentos, o presidente mostra que há de fato uma nova postura política e, sem dúvida, que isso abre a discussão muito necessária sobre a Lei das Patentes. Na década de 90, quando se discutia a adoção das patentes no Brasil, a Fenafar e outras entidades denunciavam que aquela lei, naquele momento, resultaria numa total dependência. Nenhum país fez o que nós fizemos. Os países que adotaram a lei de patentes o fizeram depois de ter uma situação na qual essa lei não os prejudicaria, pelo menos não tanto quanto a gente dizia que o Brasil seria prejudicado se adotasse uma lei de patentes daquela forma e naquele momento. Por isso, sem dúvida que essa decisão nos dá melhores condições de fazer esses questionamentos, de mostrar que efetivamente nós tínhamos razão ao defender um outro tipo de política nessa área, uma política que desse mais condições de financiamento para a pesquisa e produção nacional de medicamentos e matérias-primas. Naquele momento, nossa luta era contra o governo, que defendia a Lei de Patentes. Hoje, nós temos outra conjuntura, pelas palavras que nós temos ouvido do Ministro da Saúde e do próprio presidente. Portanto, é o momento da sociedade voltar a discutir e pressionar na defesa da nossa independência, da nossa soberania nessa questão de fármacos e medicamentos, retomando a luta pela liberdade do uso do conhecimento.


 


O país já tem uma lista de quais seriam esses medicamentos e insumos estratégicos?
Sim. Temos os dados do que é essencial, por exemplo, na relação nacional de medicamentos essenciais que são os necessários para a grande maioria das doenças prevalentes no país.


 


Os medicamentos mais estratégicos são para os tipos de doenças infecciosas chamadas doenças negligenciadas, que só existem em países de terceiro mundo e, portanto, não há investimento de pesquisa por parte das indústrias multinacionais, porque elas não têm interesse econômico de produzir. Agora, nós sempre vamos ter o problema dos novos medicamentos que são lançados pelas indústrias multinacionais e que são patenteados. De certa forma, sempre vamos estar correndo atrás da máquina, sempre vai ter um medicamento novo, que está patenteado e que a gente não tem como copiar e vamos continuar na dependência de que vença a patente ou de que o governo quebre a patente.


 


Com relação aos medicamentos que já são conhecidos ou cujas patentes já expiraram, o Brasil teria condições de produzi-los?
È claro que nós não vamos poder, de uma hora para outra, produzir tudo. É impossível. Nós teríamos que escolher aqueles que nós temos condições e os que são economicamente viáveis. Por exemplo, talvez não valha a pena produzir um medicamento que vai requerer a construção de uma planta que consumirá um recurso muito maior do que se ele for importado a preço razoável, principalmente se há opções de fornecedores. Temos que escolher produzir aqueles que possuem um só fornecedor, ou que pratica um preço que não podemos pagar, ou que não tem condição de fornecer na quantidade que necessitamos.


 


Esses são os prioritários e precisam ser incentivados. Temos conseguido de uma certa forma fazer isso com o coquetel anti-viral, produzindo parte dos medicamentos aqui no Brasil, em Farmanguinhos, que é uma empresa estatal. Mas, de repente, estamos na dependência de um que é o mais caro, que é o que necessitamos para um número maior de pacientes, e ele sozinho representa o mesmo ou até mais em termos de custo. Outro aspecto que conta favoravelmente para a retomada de uma produção nacional é o fato de termos massa crítica, que são os profissionais, os cientistas.


 


Nós exportamos muita mão-de-obra que poderia estar empregada na empresa nacional ou na estatal, mas que está no exterior. Ou seja, condições nós teríamos, a questão é uma tomada de decisão de iniciar esse processo, de multiplicar essas ações e os investimentos que deveriam ser feitos na produção nacional estatal e privada.


 


Como a Lei dos Genéricos age nesse contexto da política de medicamentos? Alguns argumentam que a qualidade desses medicamentos pode ser inferior, isso é procedente?
O genérico é uma cópia do medicamento referência assim como o similar também. Ambos só podem ser produzidos na medida que expirou a patente. A diferença do genérico para o similar é que o genérico tem bioequivalência, ou seja, é muito semelhante ao medicamento de referência a ponto de poder haver a substituição de um por outro com a garantia de que o tratamento vai dar o mesmo resultado para o paciente. Essa é a diferença do genérico para o similar. O primeiro passou por um teste para mostrar que é bioequivalente e o segundo não, embora os testes para os similares estejam cada vez mais complexos. A matéria-prima para produzir o similar é a mesma utilizada para produzir o genérico. Agora a questão dos insumos de baixa qualidade é outro problema que tem relação com as compras públicas que precisam ser feitas por licitação, nas quais ganha o menor preço. É preciso fazer um trabalho para qualificar a compra para ser possível refutar uma matéria-prima que não tenha qualidade, não importa o preço.


 


Está em curso o processo de mobilização da 13ª Conferência Nacional de Saúde. A decisão tomada pelo governo contribui para aprofundar a discussão sobre a questão da política nacional de medicamentos?
Tudo o que acontece num ano de conferência acaba ganhando muito mais destaque, já que temos a oportunidade de fazer os debates nas etapas municipais, estaduais e nacional, das quais participam os trabalhadores da área de saúde e os usuários, que são os maiores interessados nesse processo. Tudo isso possibilita uma efervescência maior da discussão desses temas. Não que em outras conferências a questão, por exemplo, da patente não tenha sido alvo de discussão, ela sempre entra como um ponto fundamental, sempre é discutido e se tira uma proposta, mas às vezes sem um debate mais aprofundado. Mas a grande repercussão que tem uma medida como a do governo contribui para favorecer o aprofundamento do debate, as pessoas ficam mais conscientes do problema e pode-se aprovar uma proposta mais fundamentada e que vai ter mais impacto porque ela pode ter mais visibilidade. Muitas vezes se tiram excelentes propostas que não ganham visibilidade.


 


A visibilidade que ganhou a decisão do governo sobre o Efavirenz contribui para a discussão de uma Política Nacional de Medicamentos?
Esse fato para nós, farmacêuticos, contribui para dar visibilidade a outras bandeiras, não só a da independência da produção de fármacos e medicamentos, mas a bandeira de uma Assistência Farmacêutica para a população, que envolve todo um atendimento e orientações adequadas que o profissional precisa dar junto com o fornecimento do medicamento. Também dá destaque para outras lutas como a que defende que o medicamento seja um bem essencial à saúde e não um mero objeto de comércio. Essa questão está colocada na medida em que nós estamos contrapondo o interesse econômico da multinacional, ao interesse social, sanitário, da necessidade do medicamento. Então, isso ajuda várias outras de nossas bandeiras.