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Justiça social é a melhor proteção do terceirizado

Justamente em 1949, quando a terceirização dominou o mundo corporativo, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) estabeleceu que “as agências de alocação de mão-de-obra, com finalidade lucrativa, deveriam ser suprimidas da realidade social dos países membros de forma progressiva e definitiva”.

Assim, tanto a fundamentação para as bases de um trabalho justo e decente como as raízes da moderna terceirização se conceituaram na mesma época e a segunda tem levado a melhor nos últimos 50 anos.

Para conferir um padrão jurídico ao fenômeno da descentralização do trabalho, o TST editou o Enunciado 331, pelo qual a terceirização passou a ser considerada lícita, com a limitação de que esta não atinja a atividade-fim da empresa, preservando, ainda, uma responsabilidade “subsidiária” da empresa tomadora dos serviços.

Portanto, uma empresa pode oferecer mão-de-obra a outra empresa para executar serviços no âmbito da primeira, desde que estes serviços não se vinculem à atividade-fim da contratante da empresa fornecedora da mão-de-obra e desde que não haja subordinação direta dos trabalhadores à empresa tomadora. Além disso, no caso de não pagamento dos créditos trabalhistas desses trabalhadores, por parte da empresa prestadora, a tomadora será considerada responsável, subsidiariamente, na obrigação de garantir tais créditos.

O critério jurídico adotado, no entanto, não foi feliz. Primeiro porque, para diferenciar a terceirização lícita da ilícita, partiu-se de um pressuposto muitas vezes não demonstrável, qual que é a diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio. Mas o mais grave é que a definição jurídica afastou-se da própria realidade produtiva, sob o pretexto de regular o fenômeno da terceirização e acabou legalizando a mera intermediação de mão-de-obra, que era considerada ilícita, no Brasil, conforme orientação anterior do TST.

O padrão jurídico criado, assim, desvinculou-se da função histórica do direito do trabalho, que é o da proteção do trabalhador. A perspectiva contemplada foi apenas a do empreendimento empresarial. Isto permitiu que a terceirização, que em tese se apresentava como método de eficiência da produção, passasse a ser utilizada como técnica de precarização das condições de trabalho. 

Não bastassem essas dificuldades jurídicas e econômicas, o fenômeno da terceirização tem servido para alienar o trabalhador ainda mais dos meios de produção. Sua integração social, que antes se imaginava pelo exercício de trabalho, hoje é impensável.

O trabalhador terceirizado não se insere no contexto da empresa tomadora; é sempre deixado meio de lado, até para que não se diga que houve subordinação direta entre a tomadora dos serviços e o trabalhador.

Outro fator intensamente perverso do enunciado é o da irresponsabilidade concreta quanto à proteção do meio ambiente de trabalho. Os trabalhadores terceirizados, não se integrando a CIPAs e não tendo representação sindical no ambiente de trabalho, subordinam-se a trabalhar nas condições que lhe são apresentadas, sem qualquer possibilidade de rejeição institucional. O meio-ambiente do trabalho, desse modo, é relegado a segundo plano, gerando aumento sensível de doenças profissionais.

Essa foi a realidade criada, ou pelo menos incentivada, pelo Enunciado 331 do TST, razão pela qual torna-se urgente repensá-lo. Para tanto, é preciso enfrentar o questionamento: há no ordenamento jurídico uma fórmula que possa ao mesmo tempo proteger os trabalhadores, sem negar a realidade do fenômeno da terceirização?

Possivelmente sim, mas o fato concreto é que, não se reservando um tratamento jurídico à terceirização, que preserve a função primordial do direito do trabalho de proteção da dignidade do trabalhador, ao mesmo tempo em que lhe garanta a possibilidade da melhoria de sua condição social, esta, a terceirização, continuará sendo utilizada como mera técnica para fraudar direitos trabalhistas – e, muitas vezes, para desviar obrigações administrativas, quando formuladas no setor público16 .

O manuseio dos fundamentos, princípios e normas do Direito do Trabalho, sob uma perspectiva humanista, permite que se mantenha a vocação protetiva deste ramo do direito mesmo diante de novos e cada vez mais criativos modelos de produção que se criam para atender apenas aos reclamos da economia, dos empresários e de todos nós, vorazes consumidores.

Redação com Jorge Luiz Souto Maior