Washington Novaes: questão ambiental precisa sair do gueto

Por Carolina Ruy


Leia entrevista exclusiva ao Vermelho com Washington Novaes, jornalista, colunista do jornal O Estado de São Paulo e supervisor geral do quadro Biodiversidade, do Programa Repórter ECO (T

Como você avalia a crise ambiental em que vivemos no âmbito da política?


A questão se complicou bastante. O Kofi Annan, que até poucas semanas atrás era Secretário Geral da ONU repetiu muitas vezes que hoje o problema fundamental da humanidade não está no terrorismo, como pode parecer, mas nas mudanças climáticas e nos padrões de produção e consumo que estão além da capacidade de reposição da biosfera terrestre. Estamos consumindo muito mais do que o planeta pode repor e isso ameaça a própria sobrevivência da espécie humana. Então, na verdade, as chamadas questões ambientais, estão na base de tudo que ainda precisa ser enfrentado e que não encontrou ainda equacionamento adequado.


 


Quando se vai examinar cada uma dessas questões vê-se que podemos ter distinções entre regiões e países. Mudanças climáticas, por exemplo: a maior responsabilidade pela concentração de gases na atmosfera, que provocam o efeito estufa, são dos países industrializados, mais ricos, que liberam essas emissões há muito mais tempo, contribuindo mais para a concentração. Em relação a sustentabilidade, padrões de produção e consumo, é preciso lembrar o que os relatórios do PNUD, Programa das Nações Unidas, dizem sobre cerca de 80% de produção, de consumo e de renda no mundo estarem concentrados nos paises industrializados, que têm menos de 20% da população mundial. Mas a questão não se resolveria com a simples atribuição do mesmo padrão de consumo a todos os habitantes. Se todos consumissem como os países industrializados, como os EUA, Europa e Japão, por exemplo, diz o relatório que nós precisaríamos de dois ou três planetas Terra.


 


É claro que dentro de cada país desenvolvido ou dito em desenvolvimento essas desigualdades se repetem. Cada um deles tem uma minoria que tem um padrão de consumo e renda muito maior. Segundo o PNUD, hoje as três pessoas mais ricas do mundo, juntas, têm ativos superiores ao Produto Bruto dos 48 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas. Isso, num momento em que nós temos mais de 800 milhões de pessoas que passam fome no mundo e quase metade da população mundial abaixo do limite da pobreza.


 


Então creio que a política hoje lida com uma realidade muito mais complexa porque precisa abranger questões que em outras épocas não eram levadas em conta. Para enfrentar a questão das mudanças climáticas e insustentabilidade nos padrões de produção e consumo precisa-se de uma visão mais abrangente e complexa. Na verdade essas questões perpassam todas as áreas: é impossível tratar de sociedade, economia e cultura sem tratar de meio ambiente.


 


O que você acha dos grupos ambientalistas?


Esta classificação “ambientalista” também está superada. Antes ela colocava num espaço separado, eu diria quase num gueto, essas chamadas questões ambientais que, na verdade, estão na base de tudo. Tudo o que o ser humano faz tem impacto sobre o ambiente concreto. Então, creio que uma das principais questões de hoje é exatamente como fazer com que todas as áreas tratem dessas questões conjuntamente. Eu nunca pertenci a nenhum grupo ou partido. Creio que um jornalista deve ser capaz de pensar e refletir sobre as diferentes visões da sociedade, sem um posicionamento prévio. Essa foi a minha posição ao longo da vida e continua sendo. Evidentemente sou uma pessoa muito preocupada com as questões sociais, com as desigualdades sociais e com as chamadas questões ambientais, mas não tenho partido político nem sou de nenhum grupo.


 


Mas você acha que existe de fato essa preocupação sobre o meio ambiente no senso comum e entre as pessoas que estão na política?


Acho que é uma idéia que está crescendo justamente por causa da gravidade da situação que está configurada. Neste começo de ano a comunicação levou um susto enorme com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, embora, na verdade, ele não trouxesse grande novidade. Ele está dizendo isso desde 1988. A comunicação é que nunca prestou muita atenção. A única diferença é que o Painel publicou só aquilo que é praticamente unanimidade, consenso entre os cientistas e que tem mais de 90% de probabilidade de acontecer. Então, creio que essa visão vai se ampliando, vai ser a visão dominante. Não sei em quanto tempo, porque as idéias novas demoram um tempo para se estabelecer. Só que agora, como diz o relatório, temos que correr.


 


Acredito que essas coisas estão re-configurando o quadro e que não podem deixar de serem consideradas pela política e pela economia. Na semana passada (de 19 a 23 de março de 2007), houve no Rio de Janeiro um Simpósio promovido pela Universidade Federal sobre cenários no Rio de Janeiro. Quem vê fica de cabelo em pé. É preciso construir diques na Baixada Fluminense porque vai haver elevação do nível do mar e enchentes muito fortes. É preciso botar um bilhão de metros cúbicos de areia em Ipanema e no Leblon para evitar os efeitos da elevação do nível do mar. O panorama vai mudar.