Violência no campo é menor onde há movimento organizado

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou nacionalmente na segunda-feira (16) o relatório anual de Conflitos no Campo no Brasil do ano de 2006. O documento, elaborado a partir do trabalho de cada regional, é um material de apoio às denúncias de violações

Os relatórios anuais da CPT são realizados desde 1985, de lá para cá a investigação tornou-se reconhecida pelo valor científico.


 


Apesar de em 2006 ter diminuído o número total de incidências de conflitos no campo, outros indicativos apontam a repressão sobre o trabalhador do campo. O número de assassinatos aumentou de 38 para 39 mortes. No mesmo sentido, também cresceram as tentativas de assassinato de trabalhadores, com um aumento de 176% em relação a 2005. Foram registradas 72 tentativas em 2006, contra 26 do ano anterior.


 


Organização


 


Este ano, o documento da CPT desperta a seguinte reflexão: nas regiões com maior mobilização dos movimentos sociais (caso da região Centro Sul), o índice de violência é menor, se comparado ao da região Norte, onde não houve o mesmo número de ações dos movimentos sociais. Na opinião dos assessores da CPT, ao contrário do que prega o senso comum, este dado revela que a ação dos movimentos sociais contribui para o diálogo. A violência, por outro lado, ocorre onde não há organização social.


 


O relatório aponta que a Amazônia, por exemplo, é responsável por 15,3 % entre as ações organizadas em todo o país, enquanto a região Centro-Sul chega a 44,5% do total. Pela lógica, se os conflitos fossem causados pela ocupação de terras, a região Centro-Sul seria a de maior incidência de conflitos. Porém, é responsável por apenas 25,2% do total do país enquanto que na Amazônia o foco foi de 45,6%.


 


No centro da violação de direitos humanos no campo está o modelo do agronegócio e da expansão da fronteira agrícola. Na análise do assessor da CPT-Paraná, Jelson Oliveira, “A violação de direitos trabalhistas, como o trabalho escravo, está conectada com a expansão do agronegócio, e esta provoca o desgaste do meio-ambiente”, afirma.


 


Para a CPT, a mudança começa com uma atualização dos índices de produtividade no campo, que datam da década de 70. Mas isto ainda é pouco. Pois é necessária a aplicação da reforma agrária. “Queremos o cumprimento da lei que possibilita a reforma agrária, não dá para fazê-la sem mexer na atual estrutura fundiária. Mesmo que uma terra seja muito produtiva, não pode ter 2 milhões de hectares”, comenta o representante episcopal da CPT, Dom Ladislau Berniaski.


 


Comunidades Tradicionais


 


Em 2006, do total de conflitos no campo, 20% envolveram as chamadas comunidades tradicionais (quilombolas, indígenas, ribeirinhos, etc), os donos legítimos das terras, forçados a abandoná-las. “A pesquisa mostra que outros grupos sociais além do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) são vítimas no campo”, comenta o assessor da CPT.


 


As comunidades remanescentes de quilombolas, em luta pelo reconhecimento das suas áreas, foram afetadas de modo particular. A investigação da CPT aponta para 39 ocorrências. Entre outros fatores, está o interesse nestes mesmos territórios por parte da indústria capitalista de extração. “Grandes empresas mineradoras, indústrias de papel e celulose, usinas de ferro-gusa, empreendimentos sucroalcooleiros e outros querem se apoderar destas áreas para suas atividades”, informa documento da CPT.


 


A grilagem de terras realizada pelo latifundiário nacional, uma classe que hoje atua em parceria com as corporações do agronegócio, afeta diretamente as comunidades originárias. No Norte do país, existem terras griladas do mesmo tamanho de reservas indígenas. “Por que a terra está tão em disputa no Brasil? Pela questão da biodiversidade e da água. As terras tradicionais são grandes reservas do recurso, protegidas por comunidades cujo modelo de agricultura não é o do agronegócio”, analisa Oliveira.


 


Neste sentido, a grilagem de terras e o latifúndio são o primeiro passo para a instalação de projetos nos moldes do agronegócio, com a intervenção do capitalismo internacional. “A produção de commodities (produtos agrícolas cotados no mercado global) para a exportação só é possível porque há este primeiro processo de grilagem”, afirma Rogério Nunes, da CPT-Paraná.


 


A CPT criticam também o recente Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo Lula como a diretriz de seu segundo mandato. “O PAC está inserido nesta lógica do produtivismo, do aumento de produção a qualquer preço, pois sabemos que 50% da energia produzida é reservada para a indústria pesada, cuja finalidade é a exportação. Exportamos para a Europa e pagamos os impactos ambientais”, comenta Nunes.


 


Exploração no mundo do trabalho


 


De acordo com o documento da CPT, foram 109 os casos registrados de superexploração dos trabalhadores do campo, abrangendo um número de 7028 pessoas. Os casos de trabalho escravo, por sua vez, totalizaram o número de 262 casos. Embora a maior quantidade de ocorrências registradas tenha sido feita no Norte do país, na realidade este contexto se estende para todas as regiões brasileiras, em maior ou menor grau.


 


Em cidades da região metropolitana de Curitiba, por exemplo, foram encontrados no ano passado 4 casos de trabalho escravo (dos 5 casos do Estado), envolvendo 64 trabalhadores no interior das áreas do agronegócio de produção de madeira, instalado em regiões pobres como o Vale do Ribeira.


 


Dados:


 


1657: Soma dos conflitos por terra, água, trabalhistas, etc no Brasil. Uma queda de 11,91 por cento em relação a 2005 (quando foi registrado 1881 conflitos).


 


151: Número de conflitos de terra no Pará, o Estado de maior incidência, seguido de São Paulo, com 134; Pernambuco, com 123; e Paraíba, com 101. O Paraná surge logo em seguida, com 76.


 


917: Número de trabalhadores rurais presos em todo o país, sendo que o número em 2005 havia sido de 261.


 


Para ver o relatório completo acesse: http://www.cptnac.com.br/.