O ''Estadão'' se une à ''Veja''. Ousadia ou necessidade?

Por André Cintra, com agências
O Estado de S. Paulo luta parta reconquistar seu lugar ao sol – e nas bancas. O jornal da família Mesquita acaba de firmar parceria com a revista Veja. A união, com ares de bailado conservador, começa

O que há por trás da pareceria? Por que o Estadão resolveu ''unir forças'' com a maior revista semanal do país? Responde Antônio Hércules Jr., diretor de Marketing e Mercado Leitor do Grupo Estado: ''O objetivo é facilitar o acesso dos leitores ao jornal e a revista, além de atender aos anseios dos donos de bancas de revistas para o incremento nas vendas''.


 


Já Carlos Barcellos, diretor de Marketing da Veja para o Mercado Leitor, fala em estímulo ao leitor, à leitura e ao mercado: ''Com a promoção, alcançamos um maior número de leitores e fortalecemos a mídia impressa como fonte de atualização e conhecimento''.


 


Discursos à parte, O Estado de S. Paulo ainda não se recuperou da violenta queda de circulação que sofreu no começo da década. Entre 2001 a 2005, o jornal perdeu um terço de seus leitores (veja tabela acima). As vendas aumentaram 6% no ano passado – e a expectativa é que se elevem entre 5% a 10% só com o kit promocional EstadãoVeja.


 


Os anos da crise


 


Ainda que cresça tanto ou mais, o jornal amarga um modesto quarto lugar em circulação e tiragem, atrás de Folha, O Globo e Extra. A posição é algo constrangedora para a publicação que foi líder absoluta de vendas no Brasil até nos anos 80.


 


Mesmo atrás da Folha, o Estadão soube aproveitar a onda de brindes que tomou o mercado editorial na década de 90 e ampliou a circulação dos jornais a níveis recordes. Em contrapartida, foi tragado por outra onda – esta, ainda mais espetacular: a crise que se abateu sobre a imprensa nos anos 2000.


 


Todo o mercado editorial penou. Títulos tradicionais, como A Gazeta Esportiva e Notícias Populares, fecharam. A circulação diária de jornais caiu de 7,8 milhões de exemplares em 2000 para 6,47 milhões em 2003. A principal razão da crise – e não há quem possa questionar – foi a política macroeconômica da era FHC.


 


Com o país estagnado, os jornais perderam anunciantes, principais fontes de sustentação da indústria jornalística – bem à frente, inclusive, dos leitores. A crise se acentuou a partir do estouro cambial de 1999. As empresas precisam importar todo o papel jornal que utilizam. Como o dólar disparou, os custos da importação de papel mais que dobrou em apenas dois anos.


 


Recuperação lenta


 


Se a crise foi geral, também é verdade que O Estado de S. Paulo não se recuperou ao mesmo ritmo do mercado. As dificuldades econômicas levaram o veículo a movimentações insólitas. Em 2001, por exemplo, o Estadão e a Folha de S.Paulo esqueceram a rivalidade histórica e unificaram a logística e a distribuição de seus jornais.


 


A fusão, segundo a Folha, correspondia ''a uma tendência internacional de otimização dos setores não editoriais de corporações de mídia''. A nova empresa procurava economizar 20% dos custos de transporte e distribuição em seis meses – e 30% no período de um ano.


 


Como os prejuízos continuavam, as redações sofreram um processo de enxugamento e precarização. No lugar de profissionais experientes e consagrados, apareceram estagiários e não-jornalistas, com menos direitos trabalhistas e salários ultrajantes. A qualidade dos jornais despencou, bem como a circulação. As vendas caíram por três anos (2001, 2002 e 2003).


 


Enquanto a imprensa voltou a vender mais em 2004 e 2005, o Estadão prosseguiu em queda. Para piorar, os negócios na área de telecomunicações fracassaram. Mesmo em 2006, o jornal cresceu apenas 6%, menos que a média do mercado editorial (6,5%). Segundo Antônio Hércules Jr., a carteira de assinantes teve incremento de 15%, mas as vendas em banca reduziram, sobretudo por causa do aumento do preço da capa.


 


O maior desafio


 


Sim, o Estadão vai somar alguns milhares de leitores com suas iniciativas promocionais. O jornal paulista vende quase um quarto de Veja e deve ser o maior beneficiado da parceria. Para tornar fiéis os novos leitores, no entanto, as promoções têm validade curta. Desafio mesmo para a família Mesquita é retomar o jornalismo de credibilidade.


 


Jornalismo que já fez do Estadão o órgão de maior prestígio na imprensa brasileira, dono dos editoriais mais bem escritos – embora conservadores. O que sobrou desse jornal? Não se ''fideliza'' sem credibilidade, e O Estado de S. Paulo hoje é praticamente ''mais um'' – um outro veículo sob a égide do pensamento único. Os fracassados lances golpistas contra o primeiro governo Lula e o PT seguem no segundo governo.


 


Em março, Paulo Henrique acusou Estadão, Folha e O Globo de integrarem o ''grande acordo para devolver o poder aos conservadores, de preferência aos conservadores tucanos de São Paulo''. Paulo Henrique vai além: em todos esses jornais, é proibido desobedecer ao governador paulista, José Serra, especialista em pedir demissão de repórter e editor que o contrariam.


 


Ainda neste ano, Mino Carta escreveu que Serra consegue até vetar a publicação de matérias já escritas pela redação do jornal. O assunto pode ser polêmico e ''quente'', como a visita de uma comissão de senadores às obras da linha 4 do metrô de São Paulo.


 


Antes que mais algum autor anuncie a morte da imprensa em geral ou dos jornais em particular, o Estadão procura saídas comerciais. Faria melhor se, para o bem de sua tradição, visasse à recuperação também do digno jornalismo.