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Sindicalistas debatem organização por local de trabalho

Não há democracia no local de trabalho no Brasil. Esta opinião é unânime entre as principais lideranças do movimento sindical brasileiro. Para dirigentes das principais centrais e de diversos sindicatos, a organização dos trabalhadores por local de trabalho é um elemento essencial ao fortalecimento do movimento, mas encontra obstáculos importantes à sua implementação, como práticas antissindicais e ausência de instrumentos legais que poderiam garantir tal organização.

O Brasil não possui legislação que garanta a organização dos trabalhadores em seu local de trabalho. Embora a figura do representante dos empregados de uma empresa seja prevista pela Constituição Federal em seu artigo 11, o movimento sindical aguarda até hoje a regulamentação da lei que garanta estabilidade para este representante – chamado de delegado sindical.

Pirâmide invertida

“Uma das debilidades importantes do movimento sindical brasileiro é a pequena organização por local de trabalho. Alguns denominam este fenômeno de pirâmide invertida: há muita concentração de quadros nas direções, poucos quadros intermediários e quase nada na base”, descreve o vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nivaldo Santana.

Sem a regulamentação desta lei, não há qualquer garantia jurídica para a organização sindical nas empresas para o delegado sindical. Tampouco há legislação que garanta as comissões de fábrica, que seriam as organizações de base do movimento sindical.

Fundada em 1965 pelo operário José Ibrahim, então com 18 anos, a primeira comissão de fábrica, na Cobrasma, em Osasco (SP), era ilegal. Durante a década de 1980, as comissões de fábrica se multiplicaram.

Para o secretário geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, “as comissões poderiam resolver muitas questões que acabam parando na justiça”. O secretário geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo ressalta que uma importante bandeira da central é a criação das comissões de empresa.

Contato com a base

A diretora de estudos socioeconômicos do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Ana Tércia Sanches, explica que os sindicatos buscam manter contato com a base por meio de visitas constantes aos locais de trabalho e distribuição de materiais, por exemplo. Nos bancos públicos, a entidade consegue garantir delegados sindicais nos acordos coletivos. Eles têm estabilidade e liberação para reunião com o sindicato. Entretanto, nos privados não há chance.

Outro mecanismo de organização local bastante utilizado por diversas categorias são as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas). Para o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Betim, Igarapé e Bicas, João Alves, “as Cipas servem para mobilização interna nas fábricas e conscientização dos trabalhadores”. O presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), Wagner Fajardo, constata que “a Cipa é o único instrumento de organização dos trabalhadores por local de trabalho reconhecido por lei”.

As comissões só se apresentam como ameaça à organização sindical quando constituídas de forma paralela. Este é o modelo na Alemanha, explica Altamiro Borges (Miro), ex-editor da revista Debate Sindical: “na Alemanha os comitês de empresa não são ligados à estrutura sindical. Muitas vezes esses comitês são apropriados pelos patrões, tornando-se instrumentos de conciliação de classe”.

Enquanto os comitês de fábrica alemães foram criados pela social democracia daquele país, no Japão eles foram criados pela Toyota, e funcionam como verdadeiros “círculos de controle de qualidade” da produção, classifica Miro.

Sindicatos por empresa

O secretário geral da Força Sindical, Juruna, fala de outra experiência a ser evitada: “não queremos o modelo americano, de sindicatos por empresa”. Para ele, esta forma de organização fragmenta a organização dos trabalhadores.

Já na Itália, na Espanha e na França, os comitês de empresa são vinculados aos sindicatos ou às centrais sindicais. Nesses países, as comissões possuem sua própria sala de reuniões dentro das empresas, há murais espalhados pelas fábricas, os representantes sindicais têm um tempo livre em sua jornada para correr a empresa conversando com os trabalhadores, os quais são liberados para participação nas assembleias e as comissões negociam com os patrões questões específicas das empresas – as que digam respeito ao conjunto da categoria são negociadas pelos sindicatos. “Se acontecesse algo parecido no Brasil, seria uma revolução”, avalia Miro.

A realidade brasileira está distante disso. “Há repressão dentro das fábricas”, denuncia João Alves, afirmando que as demissões são a principal forma de desestabilizar o movimento. Na Fiat de Betim as reuniões são clandestinas. “Há polícia secreta, dedo-duro”, explica João. O sindicato reage: carros de som, boletins, rádios e piquetes são instrumentos de mobilização.
Respaldo legal para reprimir

Além deste tipo de repressão, que pode ser contestada na justiça como prática antissindical, outra forma de combater a organização sindical nas empresas é o não-reconhecimento das diretorias de sindicatos. E esta prática pode encontrar respaldo na própria Justiça: antes da Constituição de 1988 a legislação determinava que os sindicatos poderiam ter até sete diretores titulares. Após 1988, não houve nova regulamentação. Assim, mesmo havendo liberdade sindical para a organização das direções, quando o patronato recorre ao Judiciário, este se baseia na legislação pré-88 e os dirigentes que não estejam dentro da restrita lista de sete ficam sujeitos a demissões.

“Ganhamos uma ação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra prática antissindical do governo Serra, que demitiu vários diretores do sindicato dos metroviários após uma greve em 2007. Entretanto, a Justiça só considera os sete primeiros diretores da lista”, lamenta Fajardo, ao contar que diversos dirigentes sindicais foram demitidos.

Projeto do ABC

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC possui comitês de fábrica ativos e propõe um projeto de lei para regulamentá-los. Quintino, da CUT, explica que o projeto “não obriga a formação da comissão, é por adesão” e que elas vão poder fazer acordos internos, desde que não contradigam os acordos coletivos, “as comissões podem ampliá-los”.

Juruna afirma que os metalúrgicos possuem uma organização muito respeitada no ABC e que a iniciativa do projeto é “interessante”, mas lembra que a realidade do movimento sindical no país é muito diversificada: “[o projeto] precisa ser estudado”. Ibrahim, fundador da primeira comissão de fábrica em Osasco, tem opinião similar à de Juruna: "Os sindicatos devem mesmo ampliar os canais de negociação direta com as empresas, mas o projeto, para ser ampliado, deve levar em consideração que a maior parte dos sindicatos não goza da mesma organização que eles".

Nivaldo Santana, da CTB, concorda que a proposta do ABC é uma “experiência a ser estudada” e alerta que particularidades regionais e das categorias devem ser consideradas, “não pode haver modelo único”, enfatiza. Mas de uma coisa nenhum dos sindicalistas tem dúvida, e Nivaldo sintetiza: “a força e a representatividade dos sindicatos dependem em última instância do grau de organização nos locais de trabalho”.

Da redação, Luana Bonone