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Nelson Werneck Sodré: os cem anos do historiador marxista

Sua obra e ação intelectual tiveram enorme influência no debate sobre os rumos do Brasil, principalmente nas décadas de 1950 e 1960. Seu centenário é também a festa dos marxistas brasileiros.

Por José Carlos Ruy

Um dos maiores entre os intelectuais e historiadores marxistas brasileiros completaria cem anos de idade hoje, 27 de abril: Nelson Werneck Sodré, que foi militar (passou para a reserva do Exército em 1961 como general de brigada) mas se tornou notável como escritor, pesquisador e professor.

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Nelson Werneck Sodré é um desses autores com os quais não é necessário concordar com suas teses para reconhecer sua importância: ela se impõe pelo volume da obra (registrada em nada menos que 58 livros), na enorme abrangência de seus interesses, na inovação com que tratou os temas e na descoberta de novas fontes documentais para a historiografia, novos enfoques para sua compreensão e de uma forma inovadora de compreender o passado.

São livros de enorme interesse científico. Mas eles estiveram, substancialmente, ligados a outra linha de interesses: a busca de uma intervenção concreta na luta para resolver os problemas brasileiros e influir nas forças sociais empenhadas nessa tarefa.

Foi a partir destas exigências que Nelson Werneck Sodré examinou o passado brasileiro, seja como professor de história militar na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (da qual foi desligado em 1951 devido às suas posições políticas alinhadas com o Partido Comunista do Brasil), seja como dirigente do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), um órgão de estudos avançados subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, seja como intelectual marxista que teve grande influência no debate programático do PCB nas décadas de 1950 e 1960.

Foi um dos formuladores do nacional-desenvolvimentismo que, naqueles anos, teve influência decisiva na política comunista e que recomendava a aliança dos trabalhadores com o setor que, então, era conhecido como “burguesia nacional”, em busca do desenvolvimento brasileiro. O golpe militar de 1964 desfez as ilusões no sucesso de uma aliança desse tipo, principalmente porque a enorme maioria daquela “burguesia nacional” aderiu ao novo regime.

Se esta é uma limitação política de suas formulações, ela ficou no passado e deve ser lembrada como parte dos percalços de um intelectual que não fugiu às tarefas de seu tempo. Mais permanente e valiosa foi sua participação no debate sobre a formação histórica da sociedade brasileira e a natureza da revolução em nosso país.

A partir das indicações marxistas mais avançadas da época, ele procurou adaptar o esquema de cinco modos de produção sucessivos (então hegemônico entre os marxistas) para o estudo de nosso passado: o comunismo primitivo, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo e, depois, o socialismo. Hoje, mais de meio século depois, e em virtude dos ganhos historiográficos (o avanço na pesquisa do passado brasileiro) e teóricos (a superação daquele esquema de cinco estágios), é fácil apontar limitações em suas formulações.

São as desventuras da ciência. Entretanto, é preciso advertir que aquelas formulações contribuíram para o avanço no conhecimento do passado colonial e que, ao vislumbrar – a partir da compreensão marxista então mais aceita – que são as relações de produção que prevalecem na definição de um modo de produção, e não as relações de distribuição, que foram a ênfase da outra corrente da historiografia marxista brasileiro filiada às ideias de Caio Prado Junior.

Ao enfatizar as relações de produção, Nelson Werneck Sodré identificou um passado feudal em nosso país, identificou a importância da escravidão na organização do trabalho e da produção e abriu, assim, as perspectivas mais corretas, do ponto de vista marxista, de análise da sociedade brasileira.

A extensão da obra de Nelson Werneck Sodré decorre também dessa inquietação. Ele investigou as formas de pensar, a literatura, o jornalismo; estudou as classes sociais e a formação do povo. Seu primeiro escrito publicado foi um conto, na revista O Cruzeiro, em 1929. Nunca mais parou, e escreveu até deixar de viver, em 1998 – foram quase setenta anos de atividade literária e científica para entender o Brasil em profundidade. Comunista e patriota, lutou pelo progresso social e pela soberania nacional mesmo nas condições mais adversas, como a ditadura militar de 1964 ou o período de hegemonia neoliberal na década de 1990. Aliás, o objetivo de seu último livro, A Farsa do Neoliberalismo, de 1995, está expresso no próprio título: a desmontagem teórica desse sistema que, naquele ano, passava a controlar a presidência da República com a posse de Fernando Henrique Cardoso.

Foi um gigante cuja obra só pode ser criticada porque, pelo mero fato de existir, foi fator de impulso ao conhecimento histórico. Ajudou os brasileiros a conhecerem melhor a si próprios e a seu país. No seu centenário, a festa é também de todos os marxistas brasileiros.

Algumas obras de Nelson Werneck Sodré

História da Literatura Brasileira. Seus Fundamentos Econômicos (1938)

Panorama do Segundo Império (1939)

Oeste. Ensaio sobre a Grande Propriedade Pastoril (1941)

Orientação do Pensamento Brasileiro (1942)

Síntese do Desenvolvimento Literário no Brasil (1943)

Formação da Sociedade Brasileira (1944)

O Que se Deve Ler para Conhecer o Brasil (1945)

Nabuco e o Pan-americanismo (1949)

Martírio e Glória do Alferes Tiradentes (1952)

O Tratado de Methuen (1957)

As Classes Sociais no Brasil (1957)

Introdução à Revolução Brasileira (1958)

Narrativas Militares (1959)

Raízes Históricas do Nacionalismo Brasileiro (1959)

Revisão de Euclides da Cunha (1959)

A Ideologia do Colonialismo (1961)

Formação Histórica do Brasil (1962)

Quem é o Povo no Brasil? (1962)

Quem Matou Kennedy (1963)

História da Burguesia Brasileira (1964)

História Nova do Brasil (1964), em coautoria;

História Militar do Brasil (1965)

O Naturalismo no Brasil (1965)

Ofício de Escritor (1965)

As Razões da independência (1965)

História da Imprensa no Brasil (1966)

Memórias de um Soldado (1967)

Fundamentos da Estética Marxista (1968), organizador

Fundamentos da Economia Marxista (1968), organizador

Fundamentos do Materialismo Histórico (1968), organizador

Fundamentos do Materialismo Dialético (1968), organizador

Síntese de História da Cultura Brasileira (1970)

Memórias de um Escritor (1970)

Brasil. Radiografia de um Modelo (1974)

Introdução à Geografia (1976)

A Verdade sobre o ISEB (1978)

Oscar Niemeyer (1978)

A Coluna Prestes (1978)

Vida e Morte da Ditadura (1984)

Contribuição à História do PCB (1985)

História e Materialismo Histórico no Brasil (1985)

O Tenentismo (1985)

História da História Nova (1986)

A Intentona Comunista de 35 (1987)

O Governo Militar Secreto (1987)

Literatura e História no Brasil Contemporâneo (1987)

Em Defesa da Cultura (1988)

Educação Social e Económica do Brasil (1988)

A Marcha para o Nazismo (1989)

A República. Uma Visão Histórica (1990)

Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil (1990)

A Luta pela Cultura (1990)

O Fascismo Cotidiano (1990)

A Ofensiva Reacionária (1992)

História Nova do Brasil (1993)

A Fúria de Calibã (1994)

A Farsa do Neoliberalismo (1995)