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Recém-filiado ao PCdoB, o índio Fidelis Beniwa fala de seu interesse pela política

Do município de Santa Isabel do Rio Negro (AM) para o Brasil. Fidelis Baniwa, personalidade amazonense, ficou conhecido em 2005 ao interpretar o índio Joe Caripuna, na minissérie Mad Maria, e por ser personagem da campanha de Lula em 2006. Em

Fidelis, nascido em uma comunidade Baniwa de seis famílias no Alto Rio Negro, é estudante de História da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e ator da Companhia Vitória-Régia, em Manaus. Atualmente seus esforços estão voltados para a candidatura e a vida acadêmica. O novo comunista oficializou sua filiação ao PCdoB no dia 24 de março.


 


Como foi participar da campanha de Lula em 2006?
A minha participação se deu mediante a um teste para ser um dos atores do programa eleitoral de Lula e fui aprovado. João Santana era o marqueteiro da campanha. A idéia era mostrar o rosto do Brasil, tanto que na parte do programa “Lula presidente é a cara do Brasil”  apareciam as três raças – o índio, o negro e o branco. Não era apenas uma campanha, mas gostaria que Lula fosse presidente mais uma vez, tanto é que votei nele.


 


Como votaram os índios e o que o governo atual tem feito pela causa indígena?
Com certeza havia uma afinidade dos índios com o Lula. Se você pegar uma relação dos municípios do Amazonas que votaram, Lula levou mais de 80% de votos. Têm algumas atividades sendo realizadas como na área de cultura, mas você não vê de uma forma geral uma política direcionada para as populações indígenas.


 


Você vê uma Funai que não foi reestruturada ainda. Troca-se o presidente, coloca-se outro que tem boas intenções, mas não vai conseguir mudar porque a máquina é antiga, tem seus vícios. Recursos que são destinados à população indígena pelo governo federal ficam para as ONGs que terceirizam a saúde. Isso não é vigiado, fica para técnicos e sobra pouco para as populações indígenas. Assim como para a educação que o governo passa através do Fundeb e não chega até as escolas.


 


Por que a opção por Lula e de outras lideranças pelo PCdoB?
Eu fiz a campanha de Lula em 2006 para a reeleição. Mas antes, quando entrei na Ufam em 2001, passei a ter contato com o PCdoB e com outros partidos. Fui convidado pelo PSDB, PMDB, PT, PFL. Eu tinha mais afinidade com o PT e o PCdoB. São partidos de esquerda, de luta em prol da democracia, do socialismo. A minha origem indígena tem muito disso. Lá na comunidade, no final da noite meu avô gritava e todo mundo se reunia para compartilhar o que cada um tinha conseguido. Isso traz a responsabilidade com o outro.


 


O que o PCdoB prega com o comunismo, nós vivenciamos na prática com a partilha do que conseguimos a cada dia na aldeia. Por isso a identificação com o partido. Os partidos de esquerda trabalham sempre com a questão das minorias que aqui (no Amazonas) não são minorias. Temos uma representatividade muito grande. Nunca me filiei antes. Sempre me coloquei no movimento indígena, dando palestras, estudando, participando de manifestação.


 


Só agora quando participei da campanha de Lula e surgiu a oportunidade de ir para Santa Isabel como candidato a prefeito, me filiei. Eu não podia fazer isso sozinho. Decidi pelo PCdoB porque ele está abrindo as portas para novos integrantes, mas com a proposta do socialismo. No município de onde vim quero trabalhar nessa filosofia, da formação política das pessoas, tirar o vício que há tempos vem afetando nossa região. Queremos pessoas menos alienadas.


 


 


De que forma surgiu o interesse pela política e quais necessidades serão trabalhadas na sua futura campanha?
Este ano começa a parte da articulação política. A minha intenção é investir na minha região. O que nós queremos é que haja uma união para atingir esses propósitos comuns: a demarcação de terras com garantia de nossos direitos. A maior dificuldade que enfrentamos em Santa Isabel é a questão da educação e da saúde. Podemos desenvolver o turismo sustentável, a produção agrícola como farinha, frutas regionais e a pesca sustentável.


 


Como você vê a participação dos indígenas nas eleições de 2008?
Eu vejo com boas perspectivas. Nós temos bons candidatos. Existe uma intenção do PCdoB em investir em novos integrantes. Um primo meu disse que eu estava dando saltos muito altos. Eu disse: ‘Rapaz, eu baixei, porque queria sair como deputado federal’.


 


O que significou a eleição de Juruna em 1982 e o que significa a não-existência de um indígena no Congresso Nacional hoje?
A gente precisa construir um projeto político e contar com uma base de aliados para se discutir e levar demandas para o Congresso. A idéia de o Juruna chegar (ao Congresso) foi importante porque deu visibilidade (ao índio). Mas depois não houve continuidade – e o que se construiu?


 


Na época, você chegava e detonava: “os brancos são isso e aquilo”, mas você não apresentava um projeto concreto. No começo foi importante, hoje temos uma responsabilidade maior de criar uma construção política de base. Antes discutíamos sobre a criação de um Partido Indígena (PI), mas devidos às nossa diversidade fica complicado construir um PI. Você pode trabalhar através de partidos. Esse é o diferencial da juventude indígena que vem aí.


 


 


E quanto ao estágio da população indígena atual?
Hoje, com a demarcação das terras indígenas, com educação diferenciada, a tendência é aumentar mesmo a população, porque temos perspectiva de vida. Com o movimento indígena ganhando força e com representantes no poder, a gente terá mais perspectiva de que a população cresça e contribua mais para o país.


 


Não queremos manter um povo tipo “sanguessuga” como muitas pessoas pensam. Se você olhar para o cenário mundial, onde é que está concentrada a maior parte das florestas? Nas reservas indígenas. Isso é importante para a  natureza. O que queremos: educação diferenciada, permanecer onde estamos, viver os nossos costumes.


 


Qual seria o propósito da educação diferenciada?
A maior parte dos indígenas da minha região sabe ler e escrever. Nós falamos o nhemgatu, o baniwa e o português. Na época do meu pai só falavam o nhemgatu, hoje as pessoas falam mais português. Quando eu entrei na escolinha, a cartilha que chegava ao interior falava da Chapeuzinho Vermelho, quando o aluno deveria aprender o ciclo do tucumã, do cupuaçu.  Por exemplo, como a gente vai plantar uma fruta que não pertence a nossa terra? O clima não favorece. Teríamos que trabalhar projetos viáveis. O grande projeto do Estado e forças sociais era destruir a cultura indígena.


 


Como você vê a miscigenação indígena?
A miscigenação enquanto reprodução não tem problema, mas quanto à convivência cultural é ruim. Até porque tenho dois filhos mestiços. Vejo o homem como homem, independente da raça ou cor, mas tenho quebrado a cara por causa disso. No ano passado, um homem numa padaria me disse que lugar de índio é na aldeia. Essa discriminação gerou um processo. O problema está com a discriminação, não nas características. Vejo mais a atitude do que a diferença de identidade. O que importa é você ser leal às suas origens. Para mim não há essa questão de você é puro e outro não.


 


 


De que forma você convive com as diferenças?
Estava vindo de casa e uma pessoa no ônibus me disse: “Ah, para um índio você está muito moderno, dirigindo, fazendo comercial”. É com isso que a gente quer acabar. O Fidelis que faz comercial não deixou de ser índio. Eu acho graça, mas nunca esqueço das minhas raízes.


 


Se me colocar numa canoa para pescar, eu não morro de fome. Sei me virar. Cresci fazendo isso. Minha parte de tradição eu conhece e valorizo muito. Aqui mesmo em Manaus, temos um grupo onde mantemos a chama da cultura acesa, com música, dança, tocando Iapurutu, tomando um Caxiri, que é uma bebida fermentada. Isto está latente. No meu município perdi um pouco disso. Passei boa parte do tempo estudando.


 


Tento fazer com que meus filhos se orgulhem de suas origens. Entre ir para escola e levar o copo de plástico, é preferível usar a cuia que vem com desenhos indígenas. Isso é um costume, não é o essencial. Ao invés de dançar o house, você pode tocar uma flauta e dançar uma música tradicional com seus parentes. Esse é o valor do ser humano.


 


Como é caracterizada a sua etnia e que tipo de influência vocês sofreram ao longo do tempo?
Nós somos caracterizados pelas cestarias, a música iapurutu, a pesca e a caça tradicionais. Antes o casamento era familiar Na parte em que nasci antigamente os pais conversavam. Mas mudou essa relação de casamento. Atualmente são casamentos monogâmicos. O que foi negativo da Igreja foi acabar com as crenças tradicionais para impor o cristianismo.


 


Hoje está aí: algumas pessoas vivem isso como crença. Já se distanciaram da cultura original e acreditam que Cristo é o salvador. Tanto a igreja católica, quanto as protestantes. As ONGs e igrejas têm influência sobre os povos indígenas. A formação é fundamental para que as pessoas não sejam enganadas.


 


E quanto a atual situação da Amazônia e do meio ambiente?
O meio ambiente é uma das preocupações nossas, mas sempre soubemos lidar com isso. A preocupação maior vem de fora. Se quisermos a preservação das florestas demarcadas temos que sair na frente, até que a sociedade se toque.


 


Os cientistas americanos levaram dois anos para descobrir que o descanso é bom para o ser humano. Nós já sabemos disso há muito tempo, mas chegaram aqui dizendo que o índio é preguiçoso. O meu pai acordava às 5 da manhã e parava de trabalhar às 6 da tarde. Quando não tinha comida ela ainda ia pescar a noite.


 


A forma de trabalho é diferente. É bom que o deputado Eron Bezerra (PCdoB-AM) esteja na Sepror, fazendo parte do governo estadual para que se comece a perceber que os indígenas são importantes para esse cenário – e que deveria haver investimentos em educação e saúde para melhorar a qualidade de vida da população. Essa é nossa idéia com relação ao meio ambiente, que é muito mais amplo do que pensar em floresta.


 


De Manaus,
Cinthia Guimarães


 


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