Dívida pesa menos com novo PIB, mas arrocho fiscal seguirá alto

Governo continuará pagando quantias elevadas de juros ao “mercado”, apesar de o tamanho da dívida nas riquezas nacionais ter caído. Nova conta diz que país cresceu 3,7% em 2006, e não 2,9%, como indicava a antiga metodologia.

A política do governo federal de pagamento sistemático de juros da dívida ao chamado “mercado” usando dinheiro de impostos, conhecida como superávit primário, tem como justificativa controlar o tamanho da dívida e fazê-la baixar. Analistas do “mercado” e autoridades oficiais dizem que, quanto maior for o peso da dívida nas riquezas nacionais, pior – o país passa a ser visto com desconfiança por especuladores que temem tomar um calote e cobram juros altos para se proteger. Nos últimos dias, soube-se que a economia brasileira é mais rica do que se imaginava (o PIB é de R$ 2,322 trilhões), e por isso o fardo da dívida encolheu. Ela representa 10% menos e morde hoje 45% das riquezas nacionais, segundo o Ministério da Fazenda.



A descoberta de que a dívida não pesa tanto, contudo, não servirá para o governo federal aliviar o superávit primário e pagar menos juros, o que permitiria reforçar a verba destinada a programas sociais e investimentos que fariam o país crescer mais. O recado de que nada muda no arrocho fiscal imposto pelo FMI em 1998 e agora praticado voluntariamente pelo governo foi dado nesta quarta-feira (28) pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. O governo continuará decidido a separar 4,25% das riquezas para pagar juros todos os anos. No máximo, trabalhará com 3,75%, como prevê o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), caso execute certos investimentos públicos. “Uma meta de superávit primário menor está fora de cogitação”, disse Mantega.



Apesar de o ministro ter deixado claro que a meta de pagamento de juros não mudará no atual mandato, para este ano, o governo resolveu fazer um ajuste que, na prática, significa um abrandamento no superávit e no arrocho. O superávit perseguido será de R$ 91 bilhões, valor que o governo havia fixado antes de saber que o país gera mais riquezas. A adaptação do superávit ao novo patamar de riquezas exigiria um corte de gastos dos ministérios de até R$ 10 bilhões. Com a manunteção do superávit em R$ 91 bilhões, a meta este ano deve ficar entre 3,4% e 3,9% das riquezas nacionais, dependendo da efetiva execução de um certo tipo de investimento público (PPI) que permite ao governo pagar menos juros do que a meta prevê.



A decisão de evitar um corte adicional de até R$ 10 bilhões foi tomada nesta quinta-feira (29) numa reunião da chamada junta orçamentária do governo, da qual fazem parte Mantega e os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Paulo Bernardo (Planejamento). “É satisfatório manter o superávit de R$ 91 bilhões porque também houve uma queda na dívida”, afirmou o ministro da Fazenda. “Além disso, seria muito difícil fazer um corte de R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões”, completou.



Novo PIB, riquezas maiores



A reunião foi motiva exatamente pela revelação de que o Brasil é mais rico do que se pensava – como o pagamento de juros está atrelado ao tamanho da economia, qualquer mudança nas riquezas o influencia. A constatação de que o país é mais rico resulta de uma nova forma de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcular as riquezas nacionais. Na nova metodologia, ganharam importância os setores de serviço, o comércio e os gastos das pessoas comuns e do governo. Já a indústria e a agricultura perderam espaço. Segundo o IBGE, a nova fórmula espelha melhor a realidade.



Graças à nova conta, soube-se nesta quarta-feira que o chamado produto interno bruto (PIB) cresceu no ano passado 3,7%, e não 2,9%, com o IBGE divulgara calculando na regra antiga. Dias atrás, o IBGE já havia refeito as contas e informado números novos sobre o PIB do período de 2000 a 2005. Ao fim de toda a revisão, constata-se que, no primeiro governo Lula, o Brasil teve crescimento médio de 3,3% ao ano, e não de 2,6%. Nos oito anos do governo Fernando Henrique, a média foi de 2,4%, e não de 2,3%.



O resultado do PIB no ano passado mostrou uma situação rara na história do Brasil. A taxa de crescimento (3,7%) superou à da inflação (3,1%), fato comemorado pelo ministério da Fazenda e pelo Banco Central. “É o melhor dos mundos”, disse Mantega. “Não é um fato muito usual num país que teve a maior inflação do mundo no século passado”, afirmou o novo diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Mario Mesquita.



Os novos números sobre PIB calculados pelo IBGE deixaram a equipe econômica do governo otimista e confiante de que o país tem condições de crescer num ritmo mais próximo de 5%, a meta do PAC. Mantega manteve a previsão de crescimento de 4,5% para este ano, mas acredita que, agora, a projeção tem mais chances de se confirmar. Para ele, o país já estaria vivendo uma fase de crescimento sustentável – que se prolongaria por certo tempo. “Esse crescimento não surgiu do dia pra noite. É algo que vem sendo construído por este governo desde 2003. O Brasil já ingressou num ciclo de crescimento sustentado”, afirmou Mantega.



Já o BC alterou sua projeção de crescimento. Aposta em 4,1%, como informou no relatório de inflação que divulga a cada três meses – a nova versão foi tornada pública nesta quarta-feira (28). A previsão anterior indicava 3,8%. Segundo Mario Mesquita, é possível que a nova aposta também seja revista, porque ela foi calibrada antes de o IBGE anunciar o novo PIB de 2006. A nova projeção, segundo ele, resulta da análise sobre investimentos das empresas, consumo das famílias e produção e importação de máquinas e equipamentos.



O documento divulgado pelo BC nesta quarta-feira (28) indica que sua aposta e a Fazenda têm boas chances de se confirmar. O relatório traça um quadro positivo sobre o andamento da economia brasileira. Identifica tendência de aumento da renda das pessoas, do consumo, das vendas do varejo e da produção industrial, além de inflação sob controle e ausência, ao menos por ora, de algum problema no exterior prejudicar o país. Também dá a entender que a taxa de juros do BC pode continuar caindo, caso o quadro positivo se mantenha. “O cenário ainda é benigno e favorável”, afirmou Mesquita.



Apesar do otimismo, o ministro disse que um dado divulgado nesta quarta-feira (28) pelo IBGE causa preocupação. Foi o resultado a indústria de transformação, que cresceu menos do que se esperava. Segundo ele, o governo vai estudar medidas, como a redução de impostos, incentive o setor, pois se trata de uma das áreas que mais empregam gente com carteira assinada.



Fonte: Agência Carta Maior / André Barrocal