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Jorge Mautner: a lucidez de um mutante brasileiro

Com coração de menino, o poeta da Bandeira do Meu Partido completa setenta anos de idade.

Por José Carlos Ruy

É inacreditável que Jorge Mautner, com seu espírito de menino, tenha completado sete décadas de existência! Fértil, provocativa, provocadora, a vida de Mautner tem sido um furacão de criatividade na música e na literatura. Ilustre mistura de judaísmo (do pai), catolicismo (da mãe) e do candomblé (da babá, que era ialorixá), filho de refugiados do nazismo que se conheceram no Brasil, Mautner é uma espécie de exemplar da mistura cultural e étnica fundida no cadinho humano que é o Brasil e a frase que melhor define sua postura talvez seja aquela onde ele diz: “ou o mundo de brasilifica ou vira nazista!”

Ele nasceu em 17 de janeiro de 1941. Desde a infância foi empurrado para os livros e para a música – nascia, naquele garoto que crescia em São Paulo essa mistura de pensador e músico que deixaria, no futuro, uma marca notável a cultura brasileira.

Escreveu seu primeiro livro, “Deus da chuva e da morte”, quando tinha 15 anos, que compõe a trilogia ”Mitologia do Kaos”; nele está a marca da ousadia experimental daquele adolescente inquieto. Desde então (o livro foi publicado em 1962) publicou 13 livros (o último é O filho do hjolocausto – memórias (1941-1958). Na música, até agora são também 13 discos. Em 1962, filiou-se ao Partido Comunista e passou a militar na área cultural. Preso em 1964, exilou-se nos EUA em 1966. Na década seguinte, aproxima-se – ainda no exílio – de Caetano Veloso e Gilberto Gil. No Brasil, conhece Nelson Jacobina, com que iniciaria uma parceria que atravessaria as décadas seguintes.

Algumas de suas canções se tornaram clássicas, colmo O vampiro e Maracatu atômico. Entre elas se destaca A bandeira de meu partido que se transformou num hino informal dos comunistas brasileiros.

Canções

A Bandeira do Meu Partido

A bandeira do meu partido
é vermelha de um sonho antigo
cor da hora que se levanta
levanta agora, levanta aurora!

Leva a esperança, minha bandeira
tú és criança a vida inteira
toda vermelha, sem uma listra
minha bandeira que é socialista!

Estandarte puro, da nova era
que todo mundo espera, espera
coração lindo, no céu flutuando
te amo sorrindo, te amo cantando!

Mas a bandeira do meu Partido
vem entrelaçada com outra bandeira
a mais bela, a primeira
verde-amarela, a bandeira brasileira

Maracatu Atômico

Atrás do arranha-céu tem o céu, tem o céu
E depois tem outro céu sem estrelas
Em cima do guarda-chuva tem a chuva, tem a chuva
Que tem gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las

No meio da couve-flor tem a flor, tem a flor
Que além de ser uma flor tem sabor
Dentro do porta-luva tem a luva, tem a luva
Que alguém de unhas negras e tão afiadas se esqueceu de por

No fundo do pára-raio tem o raio, tem o raio
Que caiu da nuvem negra do temporal
Todo quadro-negro é todo negro, é todo negro
E eu escrevo o seu nome nele só pra demonstra o meu apego

O bico do beija-flor beija a flor, beija a flor
E toda a fauna aflora grita de amor
Quem segura o porta-estandarte tem arte, tem arte
E aqui passa com raça eletrônico maracatu atômico

Vampiro

Eu uso óculos escuros pras minhas lágrimas esconder
E quando você vem para o meu lado, ai, as lágrimas começam a correr
E eu sinto aquela coisa no meu peito
Eu sinto aquela grande confusão
Eu sei que eu sou um vampiro que nunca vai ter paz no coração
Às vezes eu fico pensando porque é que eu faço as coisas assim
E a noite de verão ela vai passando, com aquele seu cheiro louco de jasmim
E eu fico embriagado de você
Eu fico embriagado de paixão
No meu corpo o sangue não corre, não, corre fogo e lava de vulcão
Eu fiz uma canação cantando todo o amor que eu sinto por você
Você ficava escutando impassível e eu cantando do teu lado a morrer
E ainda teve a cara de pau
De dizer naquele tom tão educado
"Oh! pero que letra más hermosa, que habla de un corazón apasionado"
Por isso é que eu sou um vampiro e com meu cavalo negro eu apronto
E vou sugando o sangue dos meninos e das meninas que eu encontro
Por isso é bom não se aproximar
Muito perto dos meus olhos
Senão eu te dou uma mordida que deixa na sua carne aquela ferida
Na minha boca eu sinto a saliva que já secou
De tanto esperar aquele beijo, ai, aquele beijo que nunca chegou
Você é uma loucura em minha vida
Você é uma navalha para os meus olhos

Manjar de Reis

Tu és manjar de reis
Dos mais finos canapés
Mas agora é minha vez
De te fazer mil cafunés
Tu és manjar de reis
Dos mais finos canapés
Mas agora é minha vez
De te fazer mil cafunés
Quero a tua nudez
Da cabeça aos pés
Quero que sem timidez
Tu chupes picolés
Quero que tu me dês
Tudo que tu és
Quero que tu me dês
Tudo que tu és

Coisa assassina

(Com Gilberto Gil)
Se tá tudo dominado pelo amor
Então vai tudo bem, agora
Se tá tudo dominado, quer dizer, drogado
Então vai tudo pro além
Antes da hora, antes da hora

Maldita seja essa coisa assassina
Que se vende em quase toda esquina
E que passa por crença, ideologia, cultura, esporte
E no entanto é só doença, monotonia da loucura, e morte
Monotonia da loucura e morte

Homem Bomba

Lá vem o homem bomba
Que não tem medo algum
Porque daqui a pouco
Vai virar egun

Lá vem o homem bomba
Que não tem medo algum
Porque daqui a pouco
Vai virar egun

Mas até lá, mata um, mata dois
Mata mais de um milhão
Não vai deixar sobrar nenhum
Mas eu sou contra essa ideologia da agonia
Sou a favor do investimento
Pra acabar com a pobreza
Sou pelo estudo e o trabalho em harmonia
O amor e o cristo redentor
Poesia na democracia