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Ernesto Rancaño no domínio dos abraços perdidos

Arte e fazer que transcendem a tela e a cartolina e penetram no espírito dos que o percebem. Arte para contemplar e pensar, descobrir e sonhar. Possuidor de prolífera e diversa obra, Ernesto Rancaño percorreu o caminho do desenho, da pintura e da escultura com peças que provocam placidez ou sobressalto, incerteza ou clareza, dor ou prazer.

Por Roberto Chile*

Quanto a mim, cada vez que enfrento a obra desse artista, descubro algo novo. Embora na aparência algumas de suas peças possuam certa semelhança formal, todas me inspiram sensações diferentes. Desde seus primeiros passos no universo da arte até hoje, está o caminho percorrido com seu baú de experiências e vivências, o esmerado ofício e a imaginação. Qualquer que seja o suporte escolhido, sempre prevalece a fibra humana, esse sentimento próprio de quem pinta com os fios do coração.

Ranca, como o chamam seus amigos mais próximos, é artista nato. Calibrada sensibilidade, instinto solidário e generoso espírito, são o ponto de partida de sua obra e de sua conduta. Não é a toa que embarcou na expedição de Sílvio que navegou pelos cárceres cubanos e, com Kcho, em sua travessia pelas regiões devastadas pelos furacões em Cuba e logo depois pelo Haiti quando a terra tremeu e ensombreceu a nação irmã.

O certo é que esse virtuose do pincel e do crayon traz sempre consigo umas asas de beija-flor que espantam a dor e reanimam a esperança. Eu guardo algumas, por isso às vezes me salvo do desamor e do olvido.

Roberto Chile – Ranca, tua série “Abraços proibidos” provoca sensações e interpretações dessemelhantes no espectador. Como surgiu esta ideia? Quánto trazem de ti cada uma das peças que a compõem?
Ernesto Rancaño – Há meia década comecei um caminho para as zonas mais gélidas de meus semelhantes. Os primeiros passos ao domínio dos abraços perdidos: encontrei suas prisões, os olhares que não olham, os que preferem dormir a sonhar, os que têm que pedir licença, as mães que cantam aos seus filhos “dorme, que esta manhã está mais triste o sol”, os que já não queriam a memória, os da última bala, e sobre esses passos encontrei o maior abraço do mundo, que é o da pena alheia que se torna nossa e que habita na esperança e encontrei por fim o abraçado e desenhei isto. Assim, converti a pena alheia na minha própria pena.

Roberto Chile – Nos últimos temposse percebe em tuas obras uma preferência pelo preto e branco. A que se deve essa ausência de cor?
Ernesto Rancaño – A ausência de cor para mim é diretamente proporcional à dor e estas novas obras carregam dor.

Roberto Chile – Recentemente te somaste à Brigada Martha Machado criada por Kcho para levar suor e arte às regiões de Cuba devastadas pelos furacões Ike, Gustav e Paloma, e posteriormente ao Haití, por causa do terremoto que arruinou o país. Quanto cresceste como ser humano e como artista junto a Kcho e sua brigada?
Ernesto Rancaño – A brigada foi uma oficina do correto, da boa conduta, da arte pura e nobre. Isto me ensinou humildade, me tornou mais útil, mais amante de minha Ilha e seu processo revolucionário. Senti-me no justo caminho de Fidel, abraçado ademais por Marti e nossa história. Por outro lado, foi um luxo compartilhar cenários criativos ao lado de um dos maiores intelectuais de Cuba de hoje. Refiro-me a Kcho.

Roberto Chile – Recentemente te convoquei a participar em vários projetos coletivos e aceitaste estar conosco. Quanto te acrescenta compartilhar o espaço com criadores de distintas gerações e estilos?
Ernesto Rancaño – Para mim é um prazer real ser parte viva da amizade e teus projetos são isso, Chile.

Roberto Chile – Quanto crês que a arte pode contribuir para o melhoramento do ser humano?
Ernesto Rancaño – Creio que a arte rega com esmero a beleza interior, e a partir da beleza se cura o lado obscuro da alma. E a alma luminosa cura o ser humano. E um ser humano enobrecido cura os demais. Salva-os.

* Roberto Chile é cineasta cubano

Biografia

Ernesto Rancaño nasceu em Havana, 1968, formou-se na Academia San Alejandro em 1991. Realizou mais de uma dúzia de exposições individuais em Cuba, na Espanha, nos Estados Unidos, no Panamá, México, Inglaterra, Colômbia e República Dominicana. Participou em mais de cinqüenta exposições coletivas e numerosos projetos em Cuba e no exterior. Interveio na confecção de numerosos murais coletivos. Suas séries “Mal, Bons” e “Abraços Proibidos” receberam a mais calorosa acolhida do público e os elogios da crítica especializada. Obras de sua autoria ilustram importantes publicações de diversas editoras. Faz parte da Brigada “Martha Machado” liderada pelo destacado artista cubano Alexis Leyva (Kcho), na qual cumpriu um papel destacado no afã de levar a arte às zonas mais afetadas pela passagem dos furacões.

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