Tucanos são responsáveis pelo desastre na educação em SP

O péssimo desempenho dos estudantes paulistas é uma responsabilidade à qual o PSDB não tem como furtar-se. Nossos piciformes líderes administram o Estado desde 1995 (duas gestões de Mário Covas e uma de Geraldo Alckmin) e seguirão no comando (através d

 


 
O tucanato paulista está em pé de guerra. Diferentes alas do partido tentam empurrar para a rival a culpa pelo ocaso da educação no Estado de São Paulo.



O ex-ministro e hoje deputado federal, Paulo Renato Souza, ataca a falta de continuidade nas políticas educacionais e lança algumas farpas sobre a ex-secretária estadual Rose Neubauer. Rose critica sem meias palavras seu sucessor, Gabriel Chalita. E Gabriel culpa mais ou menos a todos, inclusive pais de alunos. A atual secretária, Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos, que não tinha entrado na história, preferiu acusar a periodicidade do sistema de ciclos e determinou sua redução de quatro para dois anos.



O péssimo desempenho dos estudantes paulistas é uma responsabilidade à qual o PSDB não tem como furtar-se. Nossos piciformes líderes administram o Estado desde 1995 (duas gestões de Mário Covas e uma de Geraldo Alckmin) e seguirão no comando (através de José Serra) pelo menos até 2010. Desta vez, não dá para tentar incriminar a oposição.



Nesse período, a rede estadual de São Paulo viu despencar sua colocação no “ranking” do Saeb (exame do governo federal). Em 1995, os alunos da 8ª série obtiveram o segundo lugar na prova de português e quarto na de matemática. No exame de 2005, as respectivas posições foram 7ª e 10ª. Movimento semelhante ocorreu em relação aos estudantes do terceiro ano do ensino médio. Em 95, eles também obtiveram a segunda e quarta colocações nos testes de português e matemática. Em 2005, ficaram em 8º e 9º. Também houve piora na posição das crianças da 4ª série.



No Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2006, nenhuma das escolas estaduais regulares de São Paulo obteve nota superior a 50%. Pior, a média dos alunos que cursaram a rede pública ficou em 36%, contra os 54% dos que estudaram em colégios particulares.



Como sempre ocorre nessas situações, as autoridades acusaram os suspeitos de sempre: a incorporação de mais crianças ao sistema de ensino _a virtual universalização do ensino fundamental, que teve lugar em meados dos anos 90_ e a progressão continuada ou sistema de ciclos, que substituiu a aprovação anual por um regime em que a promoção ou repetência só ocorre ao final de cada ciclo, isto é, na 4ª e na 8ª séries.



É claro que trazer mais gente para a sala de aula –em especial crianças marginalizadas das periferias, que eram as que ainda não haviam sido incluídas na rede– tende a produzir impactos negativos sobre a nota média. Só que não foi apenas São Paulo que juntou mais mais gente no sistema. O mesmo fenômeno se verificou em todas as unidades federativas. Assim, o fato de o Estado mais rico do país ter caído no “ranking” exige explicações adicionais.



É aí que entra a progressão continuada. Embora exista em toda parte do mundo, com experiências que remontam aos anos 40 (Reino Unido), ela virou, por estas bandas, uma espécie de bode expiatório para todas as ocasiões. Se a garotada não aprende, a culpa é da progressão. Se os índices do chamado analfabetismo funcional não dão sinal de cair, responsabilize-se o sistema de ciclos. Daqui a pouco ele será o vilão até do aquecimento global.



Não há dúvida de que ocorreram inúmeros problemas na implantação dos ciclos no Estado. Eu não hesitaria nem mesmo em classificá-la como desastrosa. Mas é demais tentar atribuir a uma política adotada na educação fundamental os insucessos verificados no ensino médio. Nesta fase, o aluno é avaliado a cada ano e só pode passar para o seguinte se obtiver um desempenho mínimo. Se, por hipótese, um estudante despreparado conseguiu formar-se na 8ª série (o que o regime de progressão não prevê), a escola teve a oportunidade de reprová-lo pelo menos duas vezes antes que chegasse ao terceiro colegial e prestasse a prova do Saeb e/ou do Enem. Se não o fez, a encrenca é ainda maior. O sistema não apenas não consegue ensinar o aluno como é incapaz também de avaliá-lo corretamente.



Como reconhecer nossas próprias falhas é sempre mais difícil do que lançar acusações contra terceiros –especialmente se eles não puderem responder, como é o caso de idéias–, a progressão continuada virou a culpada de plantão. Como conceito, entretanto, ela faz todo o sentido. Se há algo de estranho no mundo da pedagogia, ele está na noção de reprovação. Por que raios um aluno que tenha ido mal em, digamos, língua portuguesa precisa refazer todos os conteúdos de matemática ou ciências, disciplinas em que pode ter se saído bem? Por que alguém que domine 50% da matéria é considerado apto a seguir com os estudos e a pessoa que responde a apenas 49% das questões é reprovada? O que há de tão transcendental nesse 1%?



Essas perguntas se tornam ainda mais candentes quando se considera o estrago que a repetência costuma provocar na vida do aluno. Crianças ainda mais do que adultos costumam pensar e agir em função de rótulos. Quando um jovem recebe a pecha de repetente, tende a desempenhar esse papel ao longo de toda a sua vida acadêmica.



É muito mais razoável que a escola identifique tão rapidamente quanto possível os alunos que não estão assimilando os conteúdos como se espera e procure corrigir a situação. Isso envolve toda uma estrutura de avaliação fina, aulas de reforço e até apoio psicopedagógico com o qual a rede pública não conta.



Pior até, a implantação do sistema de ciclos, que teve início em 1997, foi feita sem o devido preparo. A mudança foi ditada de cima para baixo sem nem ao menos explicar a alunos, pais e professores o que se pretendia. Mestres boicotaram a reforma –com o fim da repetência perderam uma poderosa ferramenta para manter a disciplina. Pais não compreenderam nada quando viram seus filhos “passando de ano” sem nem conseguir ler a contento. Na prática, a progressão converteu-se numa aprovação automática que, embora não explique as grandes deficiências do ensino, ajuda a perenizá-las. Não é à toa que maldizer o sistema de ciclos se tornou tema obrigatório para todos os candidatos da oposição –às vezes também da situação– ao governo do Estado de São Paulo.



Mesmo com tantas e tamanhas falhas, a progressão trouxe teve um importante impacto positivo. Com a diminuição das taxas de reprovação, caiu significativamente o índice de evasão escolar. Entre 1999 e 2004, baixou em 59% o número de alunos que abandonaram o ensino fundamental no Estado de São Paulo. No país, onde a progressão é mais restrita do que em São Paulo, a queda foi de mais modestos 31%.



Até aqui, nada de muito novo no front. Como tantas outras vezes, estamos diante do dilema qualidade X quantidade. Se optamos por colocar o maior número possível de crianças na escola e mantê-las ali, precisamos estar dispostos a sacrificar algo da qualidade do ensino. Já erigir a excelência em meta prioritária implicaria investir todos os recursos nos alunos mais dotados e excluir parcela significativa da população. Era mais ou menos essa a situação nos tempos em que os colégios públicos eram disparados os melhores do país. Muitos lembram tal época com nostalgia. Menos amiúde se recordam de que nem sequer a metade dos jovens tinha acesso a eles. Ainda que precariamente, hoje a esmagadora maioria dos brasileiros aprende a ler.



O desafio é encontrar uma fórmula que permita conciliar as virtudes dos dois modelos, isto é, manter praticamente todas as crianças e jovens na escola e, ao mesmo tempo, garantir que pelo menos os melhores alunos tenham acesso a um ensino público de qualidade, que lhes permita disputar vagas nas universidades e no mercado de trabalho em condições de igualdade com os jovens egressos da rede privada. Para fazê-lo seria preciso encontrar um modo de recompensar com mais verbas as escolas com melhor desempenho e permitir que os estudantes com notas mais altas escolham onde vão estudar. O simples fato de introduzir no sistema um pouco de concorrência com “feedback” positivo já coloca no horizonte a perspectiva de que os principais atores (diretores, professores, pais) se mexam, num movimento que poderia resultar em melhoras qualitativas para toda a rede oficial.



O ensino vai mal no Brasil e em São Paulo particularmente. Os tucanos podem e devem tentar encontrar os responsáveis por erros no passado, mas isso não os isenta (bem como aos demais governantes) de adotar medidas para tentar reverter o desastre. A situação é grave e exige mudanças mais profundas do que baixar de quatro para dois anos a duração do ciclos.



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*Hélio Schwartsman, 41, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou “Aquilae Titicans – O Segredo de Avicena – Uma Aventura no Afeganistão” em 2001. Escreve às quintas para a Folha Online, de onde este artigo foi reproduzido.