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Dilma continua caminho de líderes da esquerda na América Latina

A vitória de Dilma Rousseff para a Presidência da República neste 31 de outubro de 2010 abre mais um capítulo na trajetória que tem sido trilhada pelo Brasil e por outros países da América Latina. Representa, interna e externamente, a manutenção de uma alternativa popular, progressista e de esquerda na condução de países que por anos, em sua história moderna, sofreram pela ingerência de grandes potências e pela interrupção democrática trazida por ditaduras sanguinárias.

Dilma Ok

Mais do que serem lideranças com um perfil diferenciado de gestão – voltado para a distribuição de renda, a busca da igualdade social, o respeito aos direitos humanos, para uma economia de base nacionalista e para um Estado forte e desenvolvimentista, entre outros aspectos – alguns desses governantes se caracterizam também por terem sentido na pele o peso da perseguição política nas ditaduras. O exemplo de Dilma é um deles.

Da resistência à presidência

Entre os presidentes ligados a movimentos de esquerda latino-americanos que chegam à presidência de seu país está Daniel Ortega, na Nicarágua. Membro da Frente Sandinista de Libertação Nacional, ele se tornou presidente pela primeira vez em 1985 e mais tarde, em 2006. Ainda no final dos anos 1970, depois de ter sido derrubado o ditador Anastasio Somoza, Ortega integrou a Junta do Governo de Reconstrução Nacional.

Michelle Bachelet, militante de esquerda, membro da Juventude Socialista do Chile nos anos 1970, teve seu pai, integrante do governo de Salvador Allende, preso durante a ditadura de Augusto Pinochet. Engajada no Partido Socialista, a jovem Michelle foi presa em 1975. Juntamente com sua mãe, foi torturada nos porões da Direção Nacional de Inteligência (Dina). Michelle tornou-se presidente de seu país em 2006, a primeira mulher a ocupar tal posição no Chile e então a sexta na América Latina.

José Alberto Mujica Cordano, no Uruguai, também tem trajetória ligada à esquerda e à resistência à ditadura. Pertenceu ao Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros e devido à sua militância, chegou a ficar preso por mais de dez anos. Mais tarde, foi senador e ministro das Finanças e se elegeu presidente do seu país em 2009.

“A América Latina vem dando bons exemplos para os demais continentes”, diz o ex-ministro Nilmário Miranda, membro da Executiva Nacional do PT. “Isso ficou mais flagrante com esta última crise. Pelas políticas aplicadas anteriormente, de caráter distributivo a partir da emergência de novos protagonistas – os índios na Bolívia e no Equador, os pobres no Brasil e na Venezuela, dos trabalhadores organizados no Uruguai etc. – colhemos frutos de novas posturas e modelos econômicos e distributivos, o que fez com que o continente enfrentasse a crise de maneira diferenciada”, completou.

No Brasil, Lula inaugurou uma nova fase na história do país. Em 2003, tomava posse o primeiro presidente de origem operária e popular, responsável por um governo caracterizado por maior distribuição de renda e justiça social, uma economia mais forte voltada para o desenvolvimentismo, um Estado mais forte e atuante e uma posição soberana no cenário internacional, entre outros pontos.

Agora, o país assiste à eleição de sua primeira presidenta. Dado o preconceito sofrido por Lula nesses oito anos de governo – ainda que tenha ficado patente o êxito de seu mandato explicitado, entre outros aspectos, pela aprovação recorde de 80% da população – e a campanha suja e desqualificada enfrentada por Dilma, sobram motivos para se supor que seu governo também terá de transpor muitos obstáculos. “Certamente (ela) terá de enfrentar resistências encarniçadas por parte das elites dominantes na sociedade brasileira. Os recursos empregados na atual campanha indicam uma predisposição que tenderá a se acentuar, caso o governo eleito pretenda continuar na trilha aberta pelos governos Lula”, diz o historiador e professor da Universidade Federal Fluminense, Daniel Aarão Reis.

Liderança natural

Nilmário Miranda conheceu Dilma Rousseff ainda nos tempos de resistência à ditadura, quando tinham 17 anos de idade, militando em organizações diferentes de esquerda. Mais tarde, em 1972, ambos estiveram presos no Presídio Tiradentes. Ele guarda claramente na memória o que mais chamou sua atenção quando conheceu a presidente eleita. “Ela era muito culta, uma pessoa de muita leitura” e também “uma militante muito preparada, destacando-se sempre por sua liderança natural. Isso tudo permaneceu ao longo da vida”.

Conhecendo a esquerda por dentro desde os anos de militância, Nilmário condena o uso que foi feito, nestas eleições, da resistência de Dilma à ditadura como algo negativo. “O Serra procurava capitalizar para si o fato de ter sido dirigente da UNE, exilado no Chile, mas ao mesmo tempo, recriminalizava a Dilma. Na ditadura, a resistência era considerada subversiva, a Lei de Segurança Nacional foi criada para criminalizar a oposição política. Então, o que Serra fez hoje foi recriminalizá-la no mesmo esquema usado antes pela ditadura”.

Na avaliação do petista, a tática não colou, entre outras razões, porque “Serra foi para o exílio, o FHC, de alguma maneira, também foi, o Aloysio Nunes Ferreira era o comandante da ALN, grupo armado sob a liderança de Marighela. Tentaram fazer parecer que Serra era da resistência ‘do bem’ e Dilma da resistência ‘do mal’”. Segundo Nilmário, “eles optaram pela tentativa de desconstruir a figura de Dilma, o que significa despolitizar completamente o debate eleitoral e fazer qualquer calhordice”.

Nilmário também destacou o papel das políticas de distribuição de renda e das novas mídias na autonomia política da população e na derrota da tática dos tucanos. “Essas políticas universais libertaram o povo dos intermediários. Hoje, jornais, televisão, rádio, os aparelhos ideológicos de maneira geral, perderam muito da capacidade de moldar e conduzir a consciência popular. Além disso, houve maior democratização do direito à expressão com a internet e com a mídia alternativa, ou sejam foram criados mecanismos de comunicação que neutralizaram o poder de controle da mídia”.

Da redação,
Priscila Lobregatte