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Djavan, como intérprete: “ineditismo atroz”

Depois de dois anos mais afastado da música e mais próximo dos filhos, Djavan lança Ária, primeiro projeto do cantor, músico, arranjador e compositor em que este último rótulo não pode ser aplicado. Djavan pisa em território conhecido, mas nem por isso menos desafiador.

"Esse projeto é antigo. Eu já fui crooner no começo da carreira e queria voltar a ter essa experiência. Gravar apenas músicas de outros autores é de um ineditismo atroz, eu componho desde os dezoito anos. O projeto demorou a sair por isso, pela dificuldade de não compor. Compor pra mim é uma necessidade física", diz.

As canções não foram escritas por ele, mas ainda assim trazem o que o músico define como “sua pegada”: "Eu passei a fazer tudo nos meus trabalhos atuais exatamente pra que eu pudesse dar à música o tom que eu desejo, que eu sinto, sem interferência. Neste trabalho, eu não fiz as músicas, mas eu fiz todo o resto, daí que, naturalmente, saia com a minha cara".

Em entrevista a Terra Magazine, Djavan fala sobre o processo de criação de Ária, que exigiu uma visita ao cancioneiro brasileiro, e dos rumos da chamada MPB (Música Popular Brasileira).

Leia a entrevista.

Terra Magazine: Por que fazer um álbum como intérprete?
Djavan: 
Esse projeto é antigo, como eu já fui crooner também, no começo da carreira, eu queria voltar a ter essa experiência, de gravar apenas músicas de outros autores, que é de um ineditismo atroz, eu componho desde os dezoito anos, realmente, o projeto demorou a sair por isso, pela dificuldade de não compor. Compor pra mim é uma necessidade física, mas eu sempre quis (fazer esse disco) e por essa necessidade de compor, eu achei que nunca conseguiria. Mas agora finalmente veio.

Terra Magazine: Apesar de as composições não serem suas, os arranjos parecem ter um tom bem pessoal, bastante diferente das gravações originais.
Djavan: Isso é natural, uma vez que eu já faço isso nos meus discos: eu canto, componho, produzo, faço a letra, faço a música e aí a música, evidentemente, sai com uma pegada bem pessoal. Eu passei a fazer tudo nos meus trabalhos atuais exatamente pra que eu pudesse dar à música o tom que eu desejo, que eu sinto, sem interferência. Neste trabalho, eu não fiz as músicas, mas eu fiz todo o resto, daí que, naturalmente, saia com a minha cara.

Terra Magazine: Como foi a escolha do repertório? Há escolhas bem diversas, como Sinatra e Cartola, Tom…
Djavan: O repertório nasceu advindo de vários critérios, por exemplo, tem coisas da minha infância, reminiscências da época de boate e músicas como Palco e Fly me to the moon, que a escolha deveu-se ao fato de eu querer mexer com duas coisas bem clássicas, bem conhecidas, bem batidas.

É um desafio enorme pegar uma música como Palco, que tem uma gravação definitiva do Gil e mexer nisso, é um perigo, é um risco, mas isso me instiga. Por exemplo, as músicas de Chico e Caetano (Oração ao Tempo e Valsa Brasileira), foram duas que eu tive dificuldade de escolher, porque os compositores são meus ídolos desde a adolescência, cujo repertório eu considero intocável, eu não quero ouvir outras versões, digamos assim, me basta o original. Mexer numa coisa dessa é muito difícil.

E coisas da minha infância, como Sabes mentir, que era uma música que minha mãe me ensinou aos seis anos de idade, da Angela Maria, essa foi talvez uma das primeiras músicas que “pularam” quando eu pensei em fazer o disco. Nada a nos separar, que é um grande sucesso do Trio Esperança, de quando eu tinha 15 anos, essa também veio rápida.
Foi assim, uma coisa bem distinta, bem variada.

Terra Magazine: Quanto tempo durou a construção do disco?
Djavan: Eu comecei a pensar neste disco no começo de 2009. Resolvi ficar um tempo cuidando dos meus filhos pequenos, porque, com os filhos do primeiro casamento, não tive chance de acompanhar a infância e agora eu queria fazer isso. A Sofia está com oito anos e o Inácio com três anos e meio, na época que eu parei a turnê do Matizes, ele estava com um ano e pouco, então eu resolvi ficar com eles, ajudando a minha mulher.
 
É uma idade muito gostosa que passa muito rápido, agora eu levo na escola, vou a festa de criança, vou a reunião de pais, faço um monte de coisa que eu não tinha feito antes. E ao mesmo tempo comecei a pensar no disco, pesquisar, ouvir o cancioneiro todo de novo…

A escolha de repertório é muito difícil, pra um compositor, é ainda mais difícil porque eu faço discos autorais desde que me entendo por gente e está tudo ali na minha mão, dentro do controle. De repente, ter que escolher doze músicas de outros compositores.

É, talvez, um trabalho mais fácil pro intérprete, que faz isso o tempo todo, mas pra quem nunca fez é muito difícil. Eu demorei muito pra achar o que eu queria, a grande dificuldade é ficar feliz com a escolha no sentido de poder fazer dela algo que me deixasse satisfeito. Tudo isso são coisas inéditas na minha vida. Inicialmente eu pensei que seria fácil: “Eu não vou ter que fazer doze canções e doze letras, vai ser mole!” (Risos). Mas olha, foi uma dificuldade e foi também muito divertido.

Terra Magazine: O repertório é composto de músicas da sua infância, do seu tempo de crooner e de grandes clássicos… Dá pra dizer que o disco é um pouco nostálgico?
Djavan:
Não é não, taí uma sentimento que eu não tenho: nostalgia. Porque esse disco não é meramente de regravação, é um disco meu, um disco atual, que não tem nada de nostálgico, embora trabalhe com repertório de várias datas, de várias épocas. Mas é um disco estritamente novo.

Terra Magazine: Você não considerou cantar algo dos novos compositores? Como avalia a evolução da MPB?
Djavan: Eu acho bacana ver tanta gente nova surgindo. Maria Gadú, Roberta Sá, Tiê, várias cantoras novas… Engraçado, mais cantoras do que cantores. Eu espero que a cada ano surjam novos talentos, acho isso muito bom.

Terra Magazine: A música ainda tem o papel de protagonista na sua vida? Há outras prioridades?
Djavan: Acho que o papel da música na minha vida continua o mesmo, o que aconteceu foi uma necessidade bem específica de querer lidar com uma coisa que eu ainda não tinha lidado e que foi muito bom pra mim.