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Decisão do TCU é criticada nas comemorações da Lei da Anistia

A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de revisar as indenizações pagas aos perseguidos políticos na época da ditadura militar foi a tônica dos discursos na sessão solene de comemoração dos 31 anos da Lei da Anistia, nesta segunda-feira (16), na Câmara dos Deputados, em Brasília. Parlamentares e anistiados se uniram em apoio ao presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, que fez a mais dura crítica à proposta do TCU.

Lei da Anistia - Ag. Câmara

Para ele, a alegação para rever as indenizações feita pelo TCU, de altos custos para o governo, "demonstra a total inversão de valores existentes atualmente no cumprimento da agenda da transição democrática no Brasil.”

Qual será o verdadeiro custo da ditadura militar? pergunta, destacando que seria aquele estabelecido pela Constituição de que é direito de todo brasileiro atingido pela ditadura, que foi afastado arbitrariamente do seu emprego, receber hoje um valor correspondente ao salário que teria, no cargo que estaria ocupando hoje, se não tivesse sido afastado.

E prossegue: Ou o custo da ditadura no Brasil se refere as aposentadorias pagas com dinheiro do povo brasileiro para militares e servidores civis e militares que deixaram se instrumentalizar pela repressão?

As falas de Paulo Abrão eram acompanhadas de palmas e expressões de aprovação do público que lotou o plenário da Câmara.

Outra fala que provocou manifestações de aprovação foi a de que “o Brasil precisa deslocar seus olhares, não para a retirada ou diminuição dos direitos dos perseguidos políticos, (…) e sim para relatar à Comissão de Anistia os traumas deles, para que o Estado pudesse pedir desculpas pelo que lhes fez.”

E anunciou que o Ministério Público de São Paulo ingressou com uma ação civil pública, segundo o princípio do Direito brasileiro de que toda despesa pública gerada por agentes estatais, de forma dolosa, na lesão de direito de terceiros, deve ser ressarcida ao Estado.

Luta ainda não terminou

Os parlamentares lembraram a luta pela aprovação da Lei da Anistia, enquanto os anistiados destacaram a luta contra a ditadura militar. Ao final, os dois grupos se uniram em torno da ideia de que a luta pela anistia ainda não terminou no Brasil.

O deputado Luiz Couto (PT-PB), um dos autores da sessão solene, disse que “todos nós lutamos ainda por uma anistia muito mais ampla do que aquela que foi aprovada”, defendendo a instalação da Comissão da Verdade, “para que os atos de tortura que foram praticados não fiquem no esquecimento, para que aqueles que torturaram possam reconhecer que torturaram e que precisam pedir perdão à Nação brasileira.”

Couto, que é padre, destacou ainda que “os familiares querem exercer o direito ao luto, e que seus parentes, filhos, esposos e esposas que foram executados, cujos restos mortais hoje ninguém sabe onde estão, possam ser encontrados para que haja um enterro cristão.”

O deputado Pedro Wilson (PT-GO), outro autor da sessão solene, destacou o 4º Congresso Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos, que se realiza esta semana, na Câmara. “Parabenizo todos os brasileiros, todos os latino-americanos, todos aqueles que querem ainda e sempre a anistia ampla, geral e irrestrita, para que possamos construir a verdadeira democracia”, afirmou.

O ex-deputado federal e advogado dos presos políticos, Modesto da Silveira, criticou a decisão do TCU, dizendo que gostaria de encontrar os ministros que votaram a favor da decisão para contar a eles as muitas histórias de tortura e morte de seus clientes.

Para Paulo Roberto Manes, o TCU invadiu a competência exclusiva do Congresso Nacional, que é o único com competência para declarar anistia, com sanção do Presidente da República. “O Tribunal de Contas da União está caminhando para repetir os tribunais do Estado Novo e as auditorias militares do tempo da ditadura”, acusou.

José Wilson da Silva disse que apresentará propostas para serem apreciadas no Seminário Latino-Americano para se contrapor a iniciativa do TCU. “Estamos propondo que o Governo e os partidos da base do Governo se comprometam com os trabalhos da formação de um Tribunal Nacional Independente, composto por juristas de reconhecida idoneidade nacional e internacional, para julgamento dos que cometerem crimes contra as instituições na época da ditadura militar e buscar o ressarcimento ao Tesouro da Nação dos gastos em indenizações, responsabilizando as pessoas, políticos e organizações que pregaram o golpe, deram-lhe sustentação e ainda procuram justificar a destruição do Estado Institucional vigente em 1964.

História de luta

O deputado Mauro Benevides (PMDB-CE) discursou em nome da bancada do PMDB, destacando o papel do Partido em oposição à ditadura militar. E fez referência ao ex-senador Teotônio Vilela, que ganhou o apelido de Menestrel das Alagoas, em sua luta pela aprovação da Lei da Anistia.

“Quero dizer que nós temos tradição de luta. E, quando se comemora o transcurso dos 31 anos da anistia, continuo respeitando todos aqueles que sofreram as maiores agruras, os exílios de toda natureza, e que hoje, no convívio da sociedade, vão continuar lutando para que nós aperfeiçoemos e, ainda mais, aprofundemos no sentimento do povo aquilo que é fundamental: o espírito da democracia.”

Neusa Martins Bringel, de São Geraldo do Araguaia, viúva de Renovato Pereira Neto, preso político, contou a história do marido, foi levado a uma base em Xambioá, no Tocantins, para esclarecimento dos militares, onde sofreu todo tipo de tortura. Ela disse que sabe que tem direito a uma indenização, que é de dois salários mínimos mensais, mas ainda não os recebe.

O outro lado da luta foi representado pelo soldado participante da luta do Araguaia, Raimundo Pereira de Melo. Ele também contou sua história: “Fui um dos militares fundadores do 52º Batalhão de Infantaria de Selva. Não fui lá porque quis, era funcionário público”, disse, confirmando as história de tortura que passaram os guerrilheiros e, antes, os próprios recrutas: “Colocavam-nos dentro de formigueiros; colocavam-nos para tomar sangue de animais e éramos pendurados na mata. Sofríamos todo tipo de sofrimento, que primeiro foi aplicado em nós, para depois ser aplicado nos guerrilheiros.”

A sessão foi aberta com a execução do Hino Nacional. Logo após, foi exibido o vídeo institucional que conta a história do golpe militar no dia 31 de março de 1964, que dá início ao período de cassações, perseguições, prisões, torturas e mortes. Jovens tentam montar reação armada, que é ferozmente enfrentada pela ditadura.

Ao som da música “Eu tô voltando”, o vídeo conta a história da votação da lei da Anistia e a volta dos exilados. “Era o fim da longa noite”, diz o texto do vídeo, agora ao som de O Bêbado e o Equilibrista, que se tornou o hino pela retomada da democracia no País. A música, interpretada pela cantora Renata Jambeiro e pelo músico Amilcar Paré, encerrou o evento.

De Brasília
Márcia Xavier