Senador comunista adverte: Alternativa a Prodi é Berlusconi

A Itália vive novo período de instabilidade após a renúncia do primeiro-ministro Romano Prodi. Na opinião do senador José Luís Del Roio, da Partido da Refundação Comunista (PRC), Prodi deve voltar ao governo, tentando ampliar sua base parlamentar. ''A

Brasileiro naturalizado italiano e membro do conselho consultivo do Instituto Maurício Grabois (IMG), Del Roio concedeu entrevista à Carta Maior nesta sexta-feira (23/02). O senador analisou a moderada gestão de Prodi, de nove meses, marcada por pressões dos Estados Unidos, do Vaticano e da direita.


 


Como está o panorama após a renúncia de Romano Prodi?
A política italiana nunca é o que aparenta. Aconteceu o seguinte: o ministro das Relações Exteriores, Massimo D'Alema (Partido Democrático della Sinistra, ex-comunista), compareceu ao Senado para fazer um relato geral sobre a política externa. Não havia a perspectiva de se colocar algo em votação, mas existia uma grande expectativa em relação ao informe.


 


Aconteceram, nas últimas semanas, grandes pressões sobre a política externa, tanto pela situação das tropas no exterior, quanto pelo movimento de massas contra a ampliação da base dos Estados Unidos na cidade de Vicenza. Em ambas as situações, o ministro D'Alema assumiu uma posição contra os Estados Unidos. Num quadro desses, ele provocou uma exigência de votação, cujo resultado foi a derrota do governo por três votos. Ainda assim, não seria o caso de uma renúncia. Temos uma maioria de um voto no Senado, num país em que o parlamentarismo funciona.


 


Qual é a posição do governo diante da Casa Branca?
D'Alema e Prodi não têm uma conduta claramente de oposição à política dos Estados Unidos. A situação é muito peculiar. A Itália se transformou numa base dos Estados Unidos. Por sua posição estratégica, no sul da Europa, próxima ao norte da África, a Itália é uma espécie de porta-aviões dos Estados Unidos.


 


Isso gera uma influência terrível na política interna. Assim, qualquer contrariedade maior com os norte-americanos gera tensões muito grandes. Se você pensar que este governo conta com a presença de dois partidos comunistas (a Refundação Comunista e o Partido dos Comunistas Italianos), perceberá o que digo. Aqui, historicamente, o PC sempre foi muito forte.


 


O sr. votou contra ou a favor do governo?
Eu votei com o governo. Era absolutamente necessário. A crise estava sendo incentivada pelo Vaticano. É preciso diferenciar a Igreja do Vaticano, que é um Estado muito pressionado por reformas dos direitos, como a união civil de homossexuais e outros. Em muitos casos, eles se somam ao governo dos Estados Unidos, para reduzir o peso da esquerda radical.


 


O apoio ao governo precisa ser visto nesse quadro. Assim, a ausência de dois senadores da base governista representa um erro de análise monstruoso, pois dá à direita o argumento que a esquerda radical não pode governar. Atenção: este é o único país da Europa onde estes setores estão no governo. O gesto dos dois senadores golpeia profundamente a esquerda na Itália.


 


Qual sua avaliação da política externa do governo Prodi?
É contraditória, pois o governo se apóia numa aliança muito ampla. Há forças ligadas aos interesses imperialistas que se manifestam claramente. Ao mesmo tempo, há largos setores da coalizão que defendem uma Europa dos povos. Há choques em questões concretas, envolvendo a presença de tropas no exterior. Quando o governo protesta, por exemplo, contra os bombardeios na Somália, há problemas com os Estados Unidos.


 


Os protestos contra a ampliação da base militar dos Estados Unidos em Vicenza reuniram mais de 150 mil pessoas. Que influência tem isso no governo?
Esta é uma questão também complicada. Eu vou apoiar um segundo governo Prodi e vou continuar lutando contra a base. Não é esta a posição do governo.Acho difícil a ampliação acontecer.


 


Vicenza não ganha nada com isso. A cidade é uma jóia arquitetônica, tombada pela Unesco. Suas estradas e ruas centenárias não suportam a passagem de comboios militares. Além disso, aquela é uma região rica. Alguns alegam que a base trará empregos. Vicenza não precisa de empregos. A base é um enclave dos Estados Unidos, é um outro país. Até a água é trazida de lá.


 


O segundo ponto de atrito dentro do governo é a manutenção das tropas no Afeganistão. Qual sua opinião?
Quando houve o ataque ao Iraque, alegamos tratar-se de um ato unilateral, não aprovado pela ONU. No Afeganistão isso não aconteceu, pois a ONU aprovou. Além disso, uma parte da população afegã não quer a presença de tropas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, mas quer a manutenção dos italianos.


 


A Itália não participa de ataques, não tem aviões bombardeiros e não aumentará suas tropas. Trabalhamos pela convocação de uma conferência internacional de paz. Convidamos Irã, Índia, Síria e países europeus para debater o conflito. Nossa posição, do PRC, é de retirada imediata das tropas do Afeganistão.


 


Voltando ao panorama interno à Itália, como o senhor vê o futuro imediato? Isto é, os próximos dias?
Provavelmente o presidente Giorgio Napolitano decidirá o que fazer neste sábado (25). E, provavelmente, Prodi voltará ao parlamento pedindo um voto de confiança. A base de apoio no Senado deve se ampliar com a vinda de setores moderados da centro-direita, oriundos da Democracia Cristã. E provavelmente o governo voltará e seguirá numa situação muito difícil.


 


Nesse quadro todo, a esquerda perdeu áreas de manobra, pela ausência dos dois senadores de esquerda numa votação que se mostrou decisiva. Nunca podemos nos esquecer que Berlusconi ainda pode voltar.