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França: Centrais convocam greve contra reforma da aposentadoria

O governo francês anunciou nesta quarta-feira (16), o projeto de lei que aumenta gradualmente, até 2018, a idade mínima da aposentadoria dos setores privado e público de 60 para 62 anos. A medida foi duramente criticada pelo movimento sindical. Os trabalhadores prometem realizar um dia nacional de greve e protestos no país em 24 de junho.

Por Umberto Martins

manifetação na França

Sindicalistas e lideranças dos partidos que fazem oposição ao governo direitista de Nicolás Sarkozy qualificaram a iniciativa de injusta, irresponsável e enganosa. O governo apresenta seu projeto como a “mãe de todas as reformas” (palavras do presidente), insinuando que novas medidas para “reduzir o gasto público” serão adotadas. Conforme notou o jornal Le Monde, a “reforma” da aposentadoria “castiga os trabalhadores”, especialmente aqueles “que começaram a trabalhar cedo”.

Resposta no dia 24

As quatro maiores centrais francesas (SNCF-CGT. Unsa SUD, Rail e CFDT) divulgaram nota que classifica a medida de injusta e ineficaz, destaca que as novas gerações da classe trabalhadora “pagarão o preço” e convoca uma manifestação nacional de protesto para 24 de junho (uma quinta-feira).

O pretexto do governo é o equilíbrio das contas da Previdência Social e a redução do déficit público, que no ano passado ficou em 7,5% do PIB. A idade mínima da aposentadoria (hoje de 60 anos), segundo a proposta do governo direitista, será elevada gradualmente em quatro meses por ano a partir de 1º de julho de 2011 para os primeiros afetados, da geração nascida em 1951, até atingir 62 anos para todos em 2018.

Paralelamente, a idade para ter direito ao benefício dos trabalhadores e trabalhadoras que não atingiram o tempo de contribuição exigido passará de 65 para 67 anos. O retrocesso afetará o conjunto da classe trabalhadora francesa, do setor público, privado e os chamados regimes especiais. O tempo de contribuição também aumenta passando de 40,5 anos para 41 anos em 2012 e 41,5 anos em 2020.

Ofensiva reacionária

O projeto do governo Sarkosy é parte de uma ofensiva mais ampla dos governos europeus, a serviço de uma oligarquia financeira corrupta e decadente, contra a classe trabalhadora do velho continente, que acumulou notáveis conquistas nas primeiras décadas após a 2ª Guerra Mundial, quando foi constituído o chamado Estado de Bem Estar Social, agora em fase de desmantelamento.

O retrocesso nas regras das aposentadorias é um componente essencial e comum desta ofensiva reacionária, ao lado do corte de salários e direitos, especialmente no setor público. Na Grécia a elevação da idade de aposentadoria foi incluída no pacote ditado pelo FMI, que provocou indignação, revolta e cinco greves gerais no país.

Na Espanha, a idade de aposentadoria é de 65 anos. O governo social-democrata do país anunciou em janeiro deste ano o aumento gradual, entre 2013 e 2025, da idade mínima para 67 anos e também a limitação do sistema de aposentadoria precoce. Na Grã-Bretanha, a idade é fixada em 65 anos para os homens e 60 para as mulheres e será progressivamente aumentada para 65 anos até 2020. Uma reforma realizada em 2007 ampliou a idade mínima de aposentadoria no país para 66 anos em 2026, 67 anos em 2036 e 68 anos em 2046.

Na Alemanha, a idade mínima para aposentadoria era de 63 anos. Uma reforma em 2007 ampliou de 65 para 67 anos, a partir de 2012, a idade para obter aposentadoria integral quando o número de anos de contribuição não for atingido.

Luta de classes

Na sequencia desta ofensiva do capital contra o trabalho, é inevitável a elevação da temperatura da luta de classes em toda a Europa. Greves gerais na Grécia, manifestações massivas na Espanha, Portugal, Itália, Alemanha e França são os sinais mais notórios disto. Ao contrário de outros períodos recentes da história, desta vez os trabalhadores estão à frente das lutas.
A valente classe trabalhadora francesa, que possui uma consciência elevada de seus direitos e uma invejável experiência histórica (lembremos a heróica Comuna de Paris), reage com energia e indignação ao retrocesso civilizacional que as classes dominantes querem impor.

A derrota da direita nas eleições regionais realizadas dia 21 de março deste ano refletem o crescente descontentamento popular com os rumos reacionários da França sob Sarcosy. É preciso analisar a conjuntura atual levando em consideração o contexto histórico mais geral em que o drama europeu se desenvolve.

O quadro fiscal crítico se verifica no bojo de uma crise mais profunda que vem rolando nos países capitalistas mais avançados desde o último quartel do século XX, associada ao progressivo declínio econômico das potências capitalistas tradicionasi (EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra e França) e ao desenvolvimento desigual das nações, que promove, objetivamente, o deslocamento da dinâmica industrial e do poder econômico mundial do Ocidente para o Oriente, com destaque para a China.

Tendência à estagnação

Nas primeiras décadas após a Segunda Guerra o capitalismo viveu o que o historiador inglês Eric Hobsbawn chamou de "anos dourados", com taxas de crescimento relativamente alto e um quadro de quase "pleno emprego". Isto chegou ao fim nos anos 1970. As economias mais industrializadas ingressaram num período caracterizado pelo gradual declínio das taxas de crescimento econômico e elevação dos níveis de desemprego, desenhando uma tendência à estagnação.

A relativa estabilidade monetária assegurada pelos acordos de Bretton Woods (padrão dólar-ouro e câmbio fixo) cedeu lugar à instabilidade (com o fim do lastro do dólar em ouro, câmbio flutuante, desvalorização do dólar, volatilidade cambial e desregulamentação financeira). O capitalismo regulado fracassou e foi substituído pelo capitalismo neoliberal.

Contraste

Para acentuar o contraste entre os anos dourados e os tempos atuais basta lembrar que a taxa de crescimento médio dos anos 1960 no finado G-7, que reunia as maiores economias capitalistas do mundo, foi superior a 5% ao ano. Na atual década oscila em torno de 2%. O desemprego médio na Comunidade Econômica Europeia do período era de 1,5% da PEA (População Economicamente Ativa), o que para muitos economistas caracterizava o “pleno emprego”. Hoje, a taxa de desocupação atinge 10%.

A trajetória da economia no rumo da estagnação, associada à pressão da concorrência e do desenvolvimento desigual, alterou sensivelmente as relações entre as classes sociais e aguçou aquilo que os economistas chamam de “conflito distributivo”, que é a luta entre as classes sociais pela apropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras.
Do capitalismo regulado ao neoliberalismo

O capitalismo regulado dos anos dourados, regado pela prosperidade econômica e estabilidade financeira, facilitou as coisas para a classe trabalhadora, que arrancou na luta notáveis conquistas sociais, e também favoreceu a conciliação dos interesses contraditórios que presidem as relações capital-trabalho. Erigiu-se, então, principalmente na Europa, o chamado Estado de Bem Estar Social.

O capitalismo neoliberal, que em essência é uma ofensiva do capital para recuperar e ampliar as taxas de lucros e de acumulação, tem sido marcado pela depreciação de salários e de direitos, flexibilização da jornada e precarização dos contratos. Na Europa capitalista, a burguesia chegou à conclusão de que é necessário implodir o edifício do Estado de Bem Estar Social criado no pós-guerra.

Obra inacabada

O cenário de decadência (relativa) da Europa é obviamente agravado pela concorrência
internacional, que estimula a migração de capitais (produtivos) para os países onde a taxa de exploração da força de trabalho é maior (resultando no deslocamento da indústria principalmente para o sudeste asiático), e emergência de novas potências, como China e, em menor medida, Índia.

Muitos julgaram erroneamente que o neoliberalismo naufragaria com a crise iniciada nos EUA no final de 2007 e de lá irradiada para o resto do mundo, que aparentemente resgatou o papel do Estado na restauração do equilíbrio econômico e promoção do desenvolvimento. Mas, não foi isto que ocorreu. A intervenção do Estado teve um único e exclusivo propósito, o de salvar bancos e banqueiros, mas a crise fiscal engendrada pela generosidade dos governos parece ter conferido novo fôlego às políticas neoliberais, que traduzem os interesses da oligarquia financeira.

De todo modo, é preciso notar que o neoliberalismo é ainda uma obra inacabada no velho continente, graças à vigorosa resistência da classe trabalhadora. Isto parece claro na França, onde o conflito entre capital e trabalho, com a resistência dos assalariados ao retrocesso civilizacional pretendido pelos capitalistas, é o fio condutor das grandes batalhas políticas verificadas ao longo das últimas décadas.

Greve histórica

Convém recordar que a mesma reforma previdenciária que Sarcosy quer empurrar goela abaixo dos trabalhadores, elevando a idade mínima para aposentadoria, motivou uma histórica greve geral em dezembro de 1995 que paralisou a França por 26 dias e envolveu pelo menos 3 milhões de assalariados.

O governo Juppé, de direita como o atual, não sobreviveu ao vendaval grevista, a reforma das aposentadorias foi arquivada e o Partido Socialista ganhou as eleições legislativas de 1997. Todavia, embora o governo liderado por Lionel Jospin tenha reduzido a jornada de trabalho para 35 horas semanais (medida que o governo Sarkosy procura reverter, ampliando o volume de horas extras que as empresas podem exigir dos trabalhadores), os socialistas acabaram capitulando ao neoliberalismo, privatizando e frustrando as esperanças populares, o que abriu caminho ao retorno da direita. Ao tentar a reeleição, em 2002, Jospin ficou atrás do líder da extrema direita, Le Pen.

Sarkosy ressuscitou a proposta de reforma previdenciária, mas não está escrito que vai conseguir concretizá-la. A classe trabalhadora continua resistindo. Na terça (15) milhares foram às ruas em protesto contra o projeto, que deve ser analisado pelo Parlamento em setembro; no dia 27 de maio, uma manifestação nacional mobilizou cerca de 1 milhão de pessoas em defesa dos direitos sociais. Muita água ainda vai rolar, a começar pelo protesto convocado pelas centrais para 24 de junho.

No fundo, o que está em crise não é a Previdência ou as contas públicas, é o próprio sistema capitalista, na França, na Europa, nos Estados Unidos e em quase todo o mundo. A única saída avançada, capaz de salvaguardar os interesses e o futuro dos povos e da civilização, é o socialismo. A classe trabalhadora terá de abrir novos caminhos nesta direção, do contrário rumaremos para a barbárie. Este é o principal desafio do século 21.