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Para Marco Aurélio, evidência contra Arruda é "contundente"

A decisão de manter o governador José Roberto Arruda na cadeia, negando-lhe habeas corpus, foi "muito, muito clara", afirmou o Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, em entrevista a Leonardo Souza publicada nesta segunda-feira (15) na Folha de S.Paulo. Já a intervenção no GDF, para Marco Aurélio, é "um tema complexo", pois "a intervenção é um ato extremo" e "precisamos refletir a respeito". Veja a entrevista.


O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, 63, ratificou uma decisão histórica na sexta-feira, ao negar habeas corpus ao governador afastado do DF, José Roberto Arruda (s/partido), preso preventivamente desde quinta-feira por determinação do Superior Tribunal de Justiça. É o primeiro caso no país de um governador detido por corrupção durante o mandato.

O mérito da ação, cujo relator é Marco Aurélio, deverá ser julgado pela 1ª Turma (cinco magistrados, incluindo o próprio ministro) ou pelo plenário do Supremo nos próximos dias. Se o habeas corpus for negado, caberá ao STJ a manutenção ou não da prisão de Arruda, investigado pelo mensalão do DEM.

Em entrevista à Folha, Marco Aurélio antecipou seu voto: vai se manifestar novamente contra a concessão imediata do habeas corpus. Por ele, Arruda passará mais tempo na cadeia. Não há prazo para a prisão preventiva. A medida só é suspensa quando a Justiça entende não haver mais riscos de o alvo do inquérito atrapalhar as investigações.

Para Marco Aurélio Mello, os elementos contra Arruda são "contundentes", não há como surgir fatos novos e é uma "extravagância" dos advogados do governador falar em cerceamento do direito de defesa. O ministro falou de sua casa, no sábado à noite, por telefone.

Folha de S.Paulo: Por que o sr. negou o habeas corpus ao governador Arruda?

Marco Aurélio Mello: A base da decisão do STJ foi única. Ele [Arruda] tentou e os demais envolvidos que tiveram a prisão preventiva decretada também tentaram interferir na instrução criminal. Teria, portanto, praticado o crime de corrupção de testemunha e o crime de falsidade ideológica, que são crimes contra a administração da Justiça. Isso é base para a [prisão] preventiva, teor da legislação processual.

Folha: Foi uma decisão muito clara para o sr.?

Marco Aurélio: Muito, muito clara. Se pegarmos meus precedentes na turma [do STF], o que não admito é que se parta para o campo da presunção do excepcional, que a pessoa tendo prestígio influenciará a instrução do processo ou obstaculizará a investigação. Tenho votado não admitindo isso. Agora, toda vez que há ato concreto do envolvido que repercute na instrução criminal, eu tenho me pronunciado no sentido da validade da prisão. Foi o que ocorreu nesse caso. A fita do flagrante é bem explícita e também os depoimentos colhidos quanto a essa tentativa.

Folha: Foi o caso mais grave dessa natureza com o qual o sr. já teve de lidar?

Marco Aurélio: Olha, há muitos anos eu lido com processos no Supremo, são 20 anos agora em junho [no STF], 31 anos no Judiciário. Evidentemente, nada me surpreende mais. Agora, nesse caso o que verificamos foi o envolvimento direto, o que é lamentável, de um governador praticando um ato que estaria totalmente à margem da ordem jurídica. Sabemos que o exemplo vem de cima. Evidentemente essa não é uma postura que se aguarde de quem está na chefia do Executivo estadual.

Folha: Esse caso terá um efeito pedagógico para governantes?

Marco Aurélio: A impunidade leva à irresponsabilidade, ao menosprezo pelo que está estabelecido, às regras tão caras à vida em sociedade. Toda vez que alguém é surpreendido num desvio de conduta, esse fato serve de exemplo e serve de alerta aos demais cidadãos, para que busquem a postura que se aguarda do homem médio, para que mantenham os freios inibitórios rígidos. Nós estamos, como disse na decisão, numa quadra alvissareira. De um lado, temos o abandono de princípios, a perda de parâmetros, a inversão de valores, o dito passa pelo não dito, o certo pelo errado e vice-versa. De outro, as mazelas não são mais passíveis de serem escamoteadas. Elas afloram e aí as instituições pátrias funcionam, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário. Isso sinaliza dias melhores para o Brasil em termos de apego às regras.

Folha: A decisão final do habeas corpus será dada pela 1ª Turma ou pelo plenário do STF?

Marco Aurélio: O relator, é claro, pode afetar qualquer processo de competência da turma ao plenário, que é o órgão maior. De início, quando falamos em Supremo, imaginamos um órgão único atuando. Mas o Supremo está dividido em turmas. Portanto, com a racionalização dos trabalhos, há maior produção em termos de julgamento. De início, eu levo à turma. Agora, qualquer um dos integrantes pode propor o deslocamento. Quando um colega propõe o deslocamento para o plenário, adiro imediatamente.

Folha: Eu vejo que o sr. está com os argumentos muito objetivos.

Marco Aurélio: Os fatos são muito claros e precisos. Os elementos coligidos são contundentes. A Polícia Federal fez um trabalho belíssimo.

Folha: Ou seja, podemos esperar que o sr. mantenha o seu voto na decisão final do habeas corpus?

Marco Aurélio: Não há a menor dúvida, eu praticamente… Claro que eu não esgotei o que eu poderia evocar em termos do que se contém nos depoimentos. Mas o que eu lancei já serve em termos até de um voto futuro. E não há como surgir fato novo, já que a prisão implementada pelo Superior Tribunal de Justiça se baseou no que até então tinha sido apurado.

Folha: Os advogados alegam que foi cerceado ao governador o direito de defesa, que até agora ele não pôde nem sequer se manifestar.

Marco Aurélio: Imagina, isso aí eu acho até que é de uma extravagância maior. Será que o STJ teria que consultar a defesa para saber se poderia ou não prender os envolvidos ante até mesmo o flagrante verificado? Não houve julgamento, o que houve foi uma medida precária, efêmera, que é a prisão preventiva. A partir do ato de constrição, que é a custódia, que é a perda da liberdade, abre-se campo para a defesa. A defesa se faz após a prisão e não antes.

Folha: Seria uma manobra dos advogados para tentar tumultuar?

Marco Aurélio: Não, não, eu não compreendo dessa forma. Eles estão no exercício do ônus público, estão tentando defender os clientes. Evidentemente evocam, e a criatividade do homem não tem limite.

Folha: O sr. concorda com uma intervenção federal no governo do DF, como solicitada pela Procuradoria-Geral da República?

Marco Aurélio: É um tema complexo. A intervenção é um ato extremo, precisamos refletir a respeito. O que o procurador-geral aponta é que, se afastado o vice-governador [Paulo Octávio], que teria envolvimento no que está sendo apurado, partiríamos então para a substituição da cadeira de governador. Assim, ter-se-ia a substituição pelo presidente da Câmara e, não podendo este assumir, pelo presidente do Tribunal de Justiça. Acontece que, logo depois, ele está compelido a convocar eleições indiretas. Realizadas por que colegiado? Pela Câmara Distrital. O que aponta o procurador-geral é que a Câmara está hoje composta por correligionários e aliados do governador. Haveria, portanto, um círculo vicioso. Isso é o que temos que refletir, se no caso cabe ou não concluir se há a necessidade de uma intervenção. Agora, claro que a intervenção federal não é desejável. Tem um efeito pedagógico muito forte, para revelar que estamos vivendo uma época em que não dá mais para se ficar na vala comum do faz-de-conta.

Folha: Não seria, então, mais produtivo haver a intervenção?

Marco Aurélio: Precisamos sopesar se é melhor para a sociedade, principalmente a brasiliense, se é melhor em termos de atuação profilática. Isso é que nós teremos que refletir, vamos aguardar um pouco mais, ouvir o próprio Distrito Federal, o que se vai apontar, e também ouvir o relatório e o voto do ministro Gilmar Mendes, já que no caso de intervenção funciona como relator o próprio presidente do STF.

Folha: Quais outros crimes poderiam também ser imputados ao governador Arruda?

Marco Aurélio: Evidentemente, nós temos aquele inquérito em andamento, mas já há notícias, inclusive nessa inicial da intervenção, que se teria apresentado denúncia considerados esses dois últimos crimes relativos ao flagrante, ou seja, a corrupção de testemunha e a falsidade ideológica.

Folha: A prisão preventiva se deu pelas tentativas de obstrução da investigação. Em relação às suspeitas de corrupção, o sr. também considera as provas muito fortes contra o governador?

Marco Aurélio: Eu não tive a oportunidade de examinar os autos do inquérito. Agora, pelo que eu acompanho no dia a dia da grande imprensa, o quadro é realmente de gerar perplexidade no que se teria a documentação mediante vídeos da corrupção. E é lamentável que isso tenha ocorrido justamente na capital da República. Não pode ocorrer em nenhum Estado, mas quando surge na capital a repercussão é muito grande.

Folha: Há no Brasil a sensação de que a Justiça é muito morosa em relação aos casos de corrupção.

Marco Aurélio: Eu já disse na bancada do Supremo que tenho uma profissão de fé, tenho uma convicção. O Supremo não é um cemitério de inquéritos, de ações penais contra autoridades. Tocamos os processos normalmente, agora a avalanche de processos é algo desumano. Como o ofício de julgar não é passível de delegação, não se pode delegar. Nós somos lá no Supremo apenas 11, no STJ são 33. Não damos conta. Eu me considero um estivador do direito, é como se eu estivesse enxugando gelo. Busco conciliar celeridade e conteúdo, mas não dá para sair julgando como se fosse uma bateção de carimbo.

Folha: Na decisão de sexta, o sr. pareceu ter feito uma crítica velada a Gilmar Mendes, que durante o recesso de Natal o desautorizou, ao entregar o menino Sean Goldman ao pai. Foi um recado ao ministro?

Marco Aurélio: Creio que foi mais um alerta, para compreendermos que ombreando nós não podemos estar cassando, sob pena de descrédito para o Judiciário, a decisão do colega. Temos um órgão acima de nós próprios, que é o colegiado.

Até hoje, eu não compreendi aquela cassação, muito menos mediante mandado de segurança impetrado contra liminar concedida em habeas corpus, apenas para preservar o quadro existente à época até o julgamento pelo colegiado. Então, quis realmente alertar para a impossibilidade de tornarmos uma prática a autofagia.

Fonte: Folha de S.Paulo