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FSM da Bahia debateu pensamento inovador da esquerda

Um dos mais concorridos debates do Fórum Social Mundial Temático da Bahia teve lugar no domingo, 31 de janeiro, no salão de conferências do Hotel Sol Barra. No centro das atenções, o pensamento da esquerda na atualidade e as contribuições dos pensadores da América Latina e África.

José Reinaldo - Maria Conceição Silva

O jornalista e cientista político José Reinaldo Carvalho, dirigente nacional do Partido Comunista do Brasil, o ex-governador da Bahia, Valdir Pires, dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores, o historiador José Luiz Del Royo, do Fórum Mundial das Alternativas, Lílian Celiberti, ativista dos movimentos sociais do Uruguai, e o filósofo francês Christophe Aguiton prenderam as atenções de um participativo público de 600 pessoas durante a ensolarada manhã soteropolitana a 20 metros da convidativa praia do Porto da Barra.

O historiador Del Royo abriu a conferência fazendo um chamamento pelo resgate da memória histórica. Discorreu sobre a formação do pensamento socialista e comunista no Brasil lembrando que o primeiro livro sobre o socialismo no país foi escrito nos primórdios do século 19 pelo general Abreu e Lima, filho do combatente da Revolução Pernambucana de 1917, o Padre Roma. Depois da morte de seu pai, Abreu e Lima se incorporou às hostes de Simon Bolívar nas lutas pela libertação das colônias espanholas. Sobre o surgimento e o desenvolvimento do pensamento comunista no Brasil, Del Royo enalteceu o papel de Astrogildo Pereira, fundador do Partido Comunista do Brasil (PCB), que dedicou sua vida à educação política e ideológica da classe operária, autor prolífico de artigos, ensaios e livros seminais da ciência política brasileira na primeira metade do século 20.

Diversidade de enfoques

Lílian Celiberti destacou o papel da mulher na luta pelo socialismo e, no que chamou de “mirada diferente”, discorreu sobre a necessidade da tensão crítica vis a vis os governos progressistas da América Latina. Acentuou a heterogeneidade das propostas da esquerda latino-americana e defendeu a incorporação de temas como a luta contra o racismo, o etnocentrismo e o patriarcalismo ao ideário e à ação das forças de esquerda.

O filósofo francês Christophe Aguiton destacou que a etapa atual é crucial para a humanidade, uma etapa de transição em que muita coisa se discute e se reorganiza. Para ele, a esquerda na América Latina e na África pode mostrar uma maneira diferente de pensar e agir comparativamente à experiência geral da esquerda ao longo do século 20. Ele criticou a concepção etapista vinculada à visão de “escalas de progresso” (da comuna primitiva ao comunismo) que predominou na maioria das correntes de esquerda no século 20, a visão de construção do socialismo baseada em tomada do poder, concentração dos meios de produção e planificação econômica, assim como a estratégia política de protagonismo absoluto da classe operária e do partido que resultou em sua opinião na subordinação de outros setores.

Para ele, hoje há uma visão inteiramente nova – o pluralismo e a diversidade. Ele considerou que os aportes de latino-americanos e africanos resultaram numa ruptura com o pensamento etapista, de grande importância para a formação do pensamento atual do socialismo do século 21. Aguiton destacou a contribuição do africano Leopold Senghor, do antilhano (Martinica) de origem africana, Aimé Cesaire e do latino-americano José Carlos Mariátegui.

José Reinaldo: “abrir a mente e desenvolver o marxismo-leninismo”

José Reinaldo Carvalho iniciou sua conferência valorizando o sentido progressista e revolucionário das mudanças em curso na América Latina. Para ele a grande novidade do atual momento político na região é que “a luta pelo socialismo volta à ordem do dia depois dos dois ciclos reacionários vividos nos últimos 50 anos – o ciclo das ditaduras militares e o do neoliberalismo”. Reinaldo destacou que hoje o pensamento da esquerda amadurece com a evolução desse quadro político e a sistematização da experiência vivida. Referiu-se à Revolução Cubana vitoriosa há meio século, como um grande marco, ressaltando que a conquista do poder, o esforço para construir o socialismo, a defesa das conquistas sociais e da independência permanecem como importante referência, assim como o pensamento de Fidel Castro desenvolvido no calor dessas refregas. Na opinião do dirigente do PCdoB, as experiências de governos progressistas, com muitas peculiaridades e diferenças, se generalizam e é sobre essa base que evolui o pensamento da esquerda. “Socialismo do século 21”, “Revolução Cidadã”, “Cosmogonia Indígena” são conceitos novos ligados a situações particulares do atual movimento antiimperialista, defendendo valores como nacionalismo popular, unidade e integração regional, democracia participativa e reformas sociais.

Revelando-se partidário do método de “abrir a mente”, o dirigente comunista defendeu que “o marxismo-leninismo e o socialismo científico permanecem vigentes e encontram-se em permanente atualização, como toda teoria científica, e devem dialogar com estas vertentes do pensamento”. Para ele a revolução no Brasil, “socialista em sua essência”,” será resultado dos grandes confrontos classistas e nacionais”.” Na sociedade brasileira” – prosseguiu José Reinaldo – a luta pelo socialismo é indissociável da luta de classes, da luta democrática e da luta nacional-patriótica antiimperialista, é uma luta que se volta simultaneamente contra o imperialismo e o sistema econômico e de poder das classes dominantes”.

Quanto ao pensamento socialista na América Latina, José Reinaldo lembrou a figura do peruano José Carlos Mariátegui e sua noção de que a luta pelo socialismo na América Latina não será decalque nem cópia da de outros continentes. Para José Reinaldo “o pensamento socialista na América Latina recebe a herança dos grandes pensadores antiimperialistas, destacadamente José Marti”. Ele lembrou que em Cuba a ideologia da Revolução é o marxismo martiano. Reinaldo fez um breve histórico da evolução do pensamento comunista no Brasil e destacou as contribuições de Astrogildo Pereira, Otávio Brandão, Caio Prado Júnior, Nelson Verneck Sodré, Florestan Fernandes, Carlos Marighela e João Amazonas. E defendeu o diálogo do pensamento comunista com o daqueles que contribuíram para o conhecimento científico da realidade brasileira, como Celso Furtado, Sérgio Buarque de Hollanda e Darcy Ribeiro.

Sobre a África, José Reinaldo destacou o pensamento anti-colonialista como vertente do anti-imperialismo. Lembrou o pensamento e a ação de Amilcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel e Aristides Pereira, todos lusófonos. Valorizou o pensamento anticolonialista do senegalês Leopold Senghor e do antilhano (Martinica) Aimé Césaire, que fundaram nos anos 1930 do século 20 o Movimento Literário Negritude e desenvolveram a idéia do “socialismo aplicado à realidade africana” (já citados por Aguiton); de Julius Nierere, ex-presidente da Tanzânia e vencedor do Prêmio Lênin da Paz, que escreveu várias obras sobre o “socialismo africano”, e do antilhano (Martinica) de origem africana Franz Fanon, escritor e psiquiatra, autor da obra prima “Os Condenados da Terra”.

Valdir Pires: “Nunca houve verdadeira democracia na Europa e nos EUA”

O ex-governador da Bahia e ex-ministro Valdir Pires fez um pronunciamento político. “Vivemos um instante extraordinariamente rico e ao mesmo tempo perigoso da vida da humanidade”, disse com gravidade o ex-governador. “É preciso lutar incessantemente com as antenas ligadas, com simpatia e amor a todos os pensamentos que servem a liberdade humana, nesta etapa de mudanças absolutamente novas no Brasil e na América Latina”. Para Pires, a América Latina exprime na pluralidade das suas experiências um avanço extremamente significativo, o que torna necessário “ter clareza para pensar os passos que vamos dar para a libertação do nosso povo, sem preconceitos, pensar insistentemente e definitivamente sobre como os nossos países serão capazes de mudar a realidade, vencer os aspectos mais nefastos da sociedade brasileira que nos acompanham por tanto tempo”. O líder político baiano considerou que sob o governo Lula há “avanços qualificados”. Mas insistiu em que “ainda é grande a exclusão social, apesar dos esforços do governo Lula o sentido da inclusão”.

O ex-governador da Bahia exibiu um incrível e surpreendente realismo político, bastante diferenciado das interpretações suavizadas de alguns ambientes diplomáticos e acadêmicos: “O momento que vive o mundo é grave e perigoso e nos impõe a tarefa de tomarmos decisões eficazes e rápidas, pois o tempo é escasso. Existe a possibilidade de uma quase catástrofe, num mundo de concentração de riqueza e poderes e ameaça nuclear”. Denunciando as grandes potências, disse que na Europa e nos Estados Unidos nunca houve verdadeira democracia e condenou o monopólio das armas nucleares: “Até quando as grandes potências guardarão os segredos da tecnologia e continuarão condenando os avanços tecnológicos dos outros?” Ele lembrou que o Tratado de não-Proliferação Nuclear foi assinado pela maioria dos países presumindo o desarmamento geral e a abolição das armas nucleares, mas não foi o que ocorreu.

Nesse quadro, Valdir Pires opinou que “o mundo precisa discutir coletivamente as suas necessidades de avanço político”. “ O Brasil e os países da América Latina” –disse – “não nos dispomos mais a ficar fora da participação ativa e conseqüente nas deliberações do mundo de hoje”. O ex-governador finalizou dizendo que a etapa da luta na América Latina é socialista e sobretudo democrática. Propôs a mobilização e a unidade de todos da esquerda brasileira e latino-americana por uma democracia que seja um regime de plena afirmação da dignidade humana e não uma democracia formal, apenas jurídica e manipuladora de desinformações”.