CSC: Virtudes e limites do PAC

“O estabelecimento (no PAC) de metas anuais de expansão da produção equivalentes a 5% a partir de 2008 (e de 4,5% neste ano) é mais do que louvável e merece o apoio da classe trabalhadora e do movimento sindical. Mas, isto por si só não basta”

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, divulgado na última segunda-feira (22-1), constitui uma iniciativa positiva no sentido de enfrentar os problemas nacionais e resgatar o papel do Estado no desenvolvimento. É preciso assinalar, todavia, que as medidas anunciadas são ainda tímidas frente aos desafios, sendo limitadas principalmente pelo conservadorismo da atual política econômica.


 


Além disto, incluem propostas que se opõem aos interesses dos trabalhadores e do movimento sindical brasileiro, como a utilização do FGTS para financiar obras de infra-estrutura e a fixação de um teto (1,5% mais o IPCA) para o aumento das despesas com o funcionalismo.


 


O baixo crescimento econômico durante os últimos 25 anos talvez seja o maior obstáculo à solução progressista dos dilemas nacionais e à viabilização de um novo projeto de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho. Foi com a economia semi-estagnada que a participação dos rendimentos auferidos pela classe trabalhadora no PIB recuou de mais de 50% nos anos 1980 para cerca de um terço (ou 33%) na atualidade, o desemprego triplicou no período e a precarização, a flexibilização e a informalização do mercado de trabalho avançaram como nunca, configurando um dramático retrocesso das relações sociais entre capital e trabalho. Nos marcos do desenvolvimento desigual entre as nações, o Brasil andou para trás. Também ficou mais vulnerável aos humores voláteis do capital financeiro internacional.


 


É indispensável crescer
Por essas e outras razões, a retomada de um crescimento mais robusto transformou-se numa pré-condição para uma abordagem realista da chamada questão nacional e, destacadamente, da secular dívida social – exacerbada pelas políticas neoliberais. O estabelecimento (no PAC) de metas anuais de expansão da produção equivalentes a 5% a partir de 2008 (e de 4,5% neste ano) é mais do que louvável e merece o apoio da classe trabalhadora e do movimento sindical. Mas, isto por si só não basta. Uma leitura mais atenta do pacote sugere sérias dúvidas sobre esses objetivos, uma vez que não há sinais de que a orientação econômica conservadora será abandonada.


 


O programa lista 37 medidas, algumas das quais já foram ou estão sendo implementadas. Prevê investimentos em infra-estrutura (energia, transportes, saneamento, habitação) entre 2007 e 2010 no valor de 503 bilhões de reais. Deste total, apenas R$ 67,8 bilhões teriam por fonte o orçamento da União, que também promete renúncias fiscais no valor de R$ 6,5 bilhões. Supõe-se que os R$ 436,1 bilhões restantes virão das estatais (principalmente da Petrobrás) e das empresas privadas.


 


Ressalte-se o fato de que uma parte expressiva desses recursos destina-se a obras localizadas no Nordeste e em Estados mais pobres do país (o que certamente contribuirá para reduzir as desigualdades regionais), à habitação popular e ao atendimento da demanda de energia e saneamento por parte das famílias mais carentes. Estima-se que mais 5,5 milhões de domicílios serão beneficiados com o fornecimento de energia elétrica e 20 milhões de pessoas com água tratada e serviço de esgoto até 2010.


 


O papel do Estado
É prevista uma expansão dos investimentos públicos de 0,5% do PIB. Embora isto seja inegavelmente positivo, por outro lado é também insuficiente. Os investimentos constituem a principal força motriz do crescimento e já se sabe que o Brasil carece, sobretudo, de novos e maiores investimentos do setor público, especialmente em infra-estrutura. O reconhecimento disto tem lá sua importância, mas a meta estabelecida pelo PAC neste sentido é tímida e está presa à camisa de força da política fiscal restritiva e conservadora.


 


Levanta-se a possibilidade de uma modesta redução do superávit primário, de 4,25% para 3,75% do PIB, subtraindo-se os recursos do Plano Piloto de Investimento (PPI) da meta de superávit. Tal possibilidade já está prevista (desde 2002 e com aval do FMI), embora a equipe econômica faça questão de reiterar que só será efetivada em caso de extrema necessidade. De todo modo, a importância política do fato é inegável, pois significa um reconhecimento tácito de que a crítica vigorosa e recorrente dos movimentos sociais ao superávit primário (economia feita pelo governo teoricamente para pagar os juros da dívida pública) é justa.


 


A redução de 0,5% do superávit aparentemente afasta a possibilidade de um arrocho fiscal maior, num momento em que os neoliberais pedem novos cortes das despesas públicas, e certamente estimulará o crescimento, mas está aquém da necessidade. Com razão, os movimentos sociais pedem mais ousadia neste terreno, que se traduziria numa redução mais radical ou simplesmente no fim dos superávits primários e a imediata transformação dos recursos economizados para tal finalidade em gastos e investimentos públicos, fortalecendo o papel do Estado como promotor e indutor do desenvolvimento nacional. É certo que uma medida nesta direção teria de ser acompanhada da renegociação das dívidas interna e externa.


 


De todo modo, cabe aqui lembrar que em 2006 cerca de 90 bilhões de reais foram economizados como superávit fiscal e subtraídos à circulação na economia. A verdade é que se esta fortuna fosse aplicada em infra-estrutura e em investimentos sociais (em vez de satisfazer o apetite da oligarquia financeira) não há dúvidas de que o crescimento da economia nacional seria bem mais expressivo.


 


Patrimônio do trabalhador
O conservadorismo na área fiscal levou o governo a propor a utilização de parte do patrimônio líquido do FGTS como fonte de novos investimentos em infra-estrutura, além de criar a opção de aplicação de recursos dos trabalhadores depositados no Fundo em ações das empresas que atuarão na área, o que ensejou justos protestos no meio sindical.  Trata-se de dinheiro dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras e não do governo.


 


A princípio ninguém pode ser contra o investimento da poupança depositada no FGTS em obras de infra-estrutura que poderão beneficiar a classe trabalhadora. Não é aceitável, porém, que a decisão a este respeito seja arbitrariamente anunciada e tomada por alguns burocratas, sem uma prévia e ampla consulta aos representantes da classe (e não apenas ao conselho curador do FGTS, tripartite, com representação do governo, patrões e empregados) e sem a definição de regras que previnam eventuais prejuízos e garantam a rentabilidade mínima de 3% ao ano além da inflação.


 


Embora respaldada pelos dirigentes das centrais sindicais, a proposta em relação ao salário mínimo (de um reajuste correspondente à taxa de evolução do PIB de dois anos atrás acrescida do INPC até 2010) é moderada em relação às necessidades da classe trabalhadora e pode ser melhorada, incorporando os ganhos de produtividade.


 


Já a restrição sobre a folha de pagamento do funcionalismo, que até 2021 não poderia subir mais que 1,5% ao ano além da inflação, pode se revelar um mecanismo de arrocho salarial quando se considera a necessidade de realizar novas contratações no período. É, portanto, inaceitável para os servidores federais.


 


Contra a autonomia do BC
O problema maior do pacote é que ele fica circunscrito à camisa de força da política econômica conservadora. Silencia em relação à política monetária, ignorando o amplo consenso nacional de que as taxas básicas de juros estabelecidas pelo Banco Central (ainda entre as maiores do mundo) constituem um grande obstáculo ao crescimento da economia nacional.


 


É sintomático, neste sentido, que logo após o anúncio do pacote pró-crescimento o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) tenha fixado em 13% ao ano a taxa básica de juros, em reunião presidida por Henrique Meirelles na última quarta-feira (24-1), optando por uma redução simbólica dos juros, de míseros 0,25%, no que foi considerado por amplos setores da sociedade como uma ducha de água fria no PAC.


 


Na prática, vai se consolidando a autonomia do Banco Central, uma tese neoliberal que não condiz com um projeto de desenvolvimento autônomo e soberano. Os movimentos sociais e a Corrente Sindical Classista devem continuar lutando contra a autonomia do Banco Central, exigir a democratização das decisões a respeito do tema, a ampliação do Conselho Monetário Nacional e acrescentar uma nova inscrição em suas bandeiras: fora Meirelles.


 


Vulnerabilidade externa
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não aborda a política cambial e a excessiva e nociva liberalidade no trato com o capital especulativo estrangeiro. Com razão, organizações ligadas aos movimentos sociais têm levantado a necessidade de maior controle sobre o câmbio e o movimento de capitais, incluindo remessas de lucros e juros. Apesar do cenário econômico mundial mais favorável e do desempenho positivo das exportações, a verdade é que a dependência e vulnerabilidade externa não acabaram.


 


Um rápido exame dos resultados do balanço de pagamentos em 2006 evidencia que os impactos perversos do passivo externo continuam e em alta: as remessas de lucros e dividendos aumentaram 28,9%, para 16,354 bilhões de dólares, enquanto o pagamento líquido de juros ficou em US$ 11,267 bilhões, somando quase 30 bilhões de dólares da poupança nacional (mais do que os investimentos da União no PAC, previstos para os próximos quatro anos) desviados para o exterior em detrimento dos investimentos internos.


 


Os movimentos sociais devem continuar lutando por alterações mais profundas na política econômica, consciente de que não é possível fazer omelete sem quebrar ovos e que a mudança de rumos afrontará as verdades estabelecidas pelo ''mercado'' e o pensamento dominante (de viés neoliberal), levando a um confronto com os interesses que encarnam e representam, os interesses da banca internacional e da oligarquia financeira alimentada pelos juros exorbitantes da dívida pública.


 


Desenvolvimento com valorização do trabalho
Concomitante ao esforço para ampliar os investimentos públicos e privados, é indispensável debater e elaborar uma política pública de emprego e valorização do trabalho, indispensável para o fortalecimento do mercado interno, conforme apontou a Central Única dos Trabalhadores, em recente documento sobre o PAC. Neste sentido, é preciso lutar para que as medidas previstas na ''Plataforma Democrática da Classe Trabalhadora'', sugerida pela central, sejam implementadas ao longo dos próximos anos.


 


Diante de tudo isto, consideramos que a Corrente Sindical Classista (CSC) deve manifestar um apoio crítico ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).


 


O clima político criado com a reeleição de Lula e a clara derrota (política e ideológica) da direita nas eleições de 2006, que patentearam o forte repúdio popular às políticas neoliberais e em especial às privatizações e ao Estado mínimo, é amplamente favorável a mudanças mais profundas e a uma nova orientação que aponte no sentido de um novo projeto nacional de desenvolvimento, fundado na soberania e na valorização do trabalho.


 


Para avançar nesta direção é preciso que os movimentos sociais se mobilizem com urgência e que as centrais sindicais se unifiquem na ação e promovam, em aliança com a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), uma grande mobilização social para pressionar o governo e respaldar o movimento e as iniciativas mudancistas.