Sem categoria

Quantos burros eleitorais há no Afeganistão?

Corre na internet, onde as informações relevantes e as descartáveis se acotovelam, que mais de 3 mil burros serão usados para transportar urnas eleitorais às zonas montanhosas mais longínquas do Afeganistão, onde haverá votação nesta quinta-feira (20). Mais precisamente, serão 3.200, e não burros, mas jumentos. Fica-me a impressão de que o grosso dos afegãos bípedes também está sendo feito de burro eleitoral.

Por Bernardo Joffily

Motivo: o Afeganistão de 2009 não preenche os dois requisitos mais importantes para uma eleição minimamente aceitável do ponto de vista democrático. Não goza de soberania nacional. E nem vige ali algo que se possa chamar de soberania popular.

Hamid Karzai, o neoquisling

O país está sob ocupação estrangeira desde a invasão de 2001, imposta pelo governo George W. Bush. O grosso das tropas é dos Estados Unidos, secundados por seus aliados da Otan – Reino Unido, Canadá, Alemanha, França, Itália, Polônia e Holanda, mais outros 34 países, chamados a manter uma presença nem que seja simbólica.

Os ocupantes puseram e sustentam no poder formal desde 2004 a Hamid Karzai, um senhor de guerra da tribo pashtun de Popalzai, mas possuindo também nacionalidade estadunidense, cuja reeleição apóiam. Calcula-se que o governo fantoche (na 2ª Guerra se diria "governo quisling", do nazista norueguês Vidkun Quisling, que ajudou as tropas de Hitler a subjugar seu próprio país, e por isso foi julgado e fuzilado em 1945) não controla mais de 30% do território afegão.

O resto do país é um grande campo de batalha. Há a guerrilha contra os ocupantes, movida pelos combatentes do movimento afegão do Talibã, de sua aliada panislâmica Al Qaeda e outras forças. E há a ciosa autonomia de fato dos senhores de guerra, que dividem o país em áreas de influência a partir de fronteiras étnicas, provinciais e tribais, pouco se importando com o que diz ou faz Karzai na capital, Cabul.

A fragmentação nacional e a convulsão militar no pobre Afeganistão encontram sua correspondência eleitoral: são 36 candidatos à presidência. Acredita-se que Karzai terminará se reelegendo, no primeiro ou no segundo turno, com apoio das tropas de ocupação. Mas até os ocupantestapam o nariz diante da corrupção, da leniência, bajulação e falta de escrúpulos de seu quisling, que se desloca dentro do país cercado por 200 guardacostas.

Guerra pode contaminar o Paquistão

Diante disso, mesmo uma boa parte dos correspondentes da imprensa ocidental atesta que os 15 milhões de eleitores afegãos estão desmotivados e insatisfeitos, quando não revoltados. A Câmara dos Comuns do Reino Unido, principal força estrangeira no país depois dos EUA, aprovou um relatório praticamente lavando as mãos quanto aos destinos da aventura militar (veja Deputados britânicos fazem relatório demolidor sobre Afeganistão). A economia local tem como locomotiva o cultivo de papoulas, matéria prima para o ópio e a heroína, que tem no país o seu principal exportador mundial.

É essa a monstruosa caricatura de "democracia" que Bush engendrou com sua "Guerra Global Contra o Terror". É essa a "boa guerra" que o novo presidente Barack Obama endossa e pretende intensificar, enquanto promete retirar-se até 2011 do Iraque, o outro atoleiro militar em que Bush enfiou os EUA.

Em resumo, a situação pré-eleitoral é ruim e a pós-eleitoral pode ficar pior ainda. Até entre os próprios militares ocupantes se admite que a guerra é impossível de vencer. E há um risco muito concreto do conflito contaminar o vizinho Paquistão, com a diferença de ser um país cinco vezes mais extenso e possuir armas nucleares.