Entrevista mostra que FHC não extrai lições da história

Por Pedro de Oliveira


 


Na longa entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo deste domingo (24/12), véspera de Natal, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso volta a arrazoar sobre a atual situação política. FHC proc

Sobre o novo mandato que vai sendo construído, FHC tergiversa, insistindo que não existe programa de governo, que não há planos a serem considerados e que falta rumo à coalizão que Lula lidera. ''Estamos de novo botando o carro na frente dos bois'', respondeu o ex-presidente ao ser perguntado sobre a montagem do segundo mandato.


 


 ''Qual é a proposta? Qual é a agenda?'', questiona FHC. O que ele esquece – como já pediu que esquecessem o que ele mesmo escreveu – é que, ao contrário do seu candidato, Geraldo Alckmin, Lula e os partidos aliados aprovaram e publicaram um programa de governo a ser implementado neste segundo mandato.


 


O programa do candidato do PSDB e PFL somente conseguiu estabelecer linhas gerais no final da campanha – um conjunto de idéias desalinhadas que mereceu já no segundo turno a crítica do ideólogo tucano mais gabaritado: o próprio FHC.


 


O segundo governo Lula
No programa de governo da coligação ''A Força do Povo'', é destacado um conjunto de temas importantes, como a idéia de que o segundo mandato de Lula garanta um índice de 25% do PIB em investimentos públicos e privados na área de infra-estrutura. Outros temas que aparecem sublinhados no programa é a questão da educação de qualidade, o cuidado com a saúde e um conjunto de medidas que valorizam o trabalho, como uma política permanente de aumento do salário mínimo.


 


O ex-presidente poderia contestar essas teses e até apresentar um contraponto, novas idéias. Mas não – ele procura ignorar o que já foi posto na mesa pela campanha vitoriosa da aliança que elegeu Lula.


 


Ao tentar responder à embaraçosa pergunta sobre como não foi possível defender a política de privatizações aplicada em seus dois mandatos, FHC joga a responsabilidade no PT – que teria, segundo ele, criticado violentamente a privatização, como se fosse uma ''privataria''.


 


''Concertação por antagonismo''
Os entrevistadores da Folha fazem, então, uma provocação, perguntando se ele considera a possibilidade de alguns petistas apresentarem a proposta de um novo mandato para outra reeleição. Ao que FHC considerou inviável no momento, aproveitando para dizer que esse tipo de tendência na América Latina não tem futuro.


 


Sobre a análise do primeiro mandato de Lula – que se encerra na semana que vem -, Fernando Henrique cria um novo conceito sócio-político-econômico: o da ''concertação por antagonismo''. É através dele que o ex-presidente procura negar que houve alterações importantes no sistema de distribuição de renda no Brasil.


 


Veja-se o economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV. Ele calculou, junto aos economistas Nanak Kakwani e Hyun H. Son, das Nações Unidas, as taxas de crescimento econômico no país que refletem a evolução da renda dos mais pobres. Os números mostram que, apesar do desempenho decepcionante da economia, a população de baixa renda obteve, em período de relativa estagnação, o que Neri chama de “experimento de crescimento chinês”.


 


Entre 2001 e 2004, mostra o estudo, a taxa de crescimento da renda per capita “pró-pobre” – ou seja, aquela que reflete os ganhos da população de baixa renda – foi, em média, de 3,1% ao ano. FHC faz um retrospecto da história recente da América Latina para chegar à conclusão de que não existe mobilidade social no Brasil de nossos dias, supostamente ao contrário das experiências da Argentina sob Juan Domingo Perón e do próprio Brasil sob Getúlio Vargas.


 


Democracia


Por fim, FHC ensaia uma aula de sociologia rasteira sobre o papel do PT no processo de democratização em nosso país, promovendo uma confusão completa sobre o que é partido de tipo leninista. Diz ele na entrevista que o PT “é mais antidemocrático, na essência, por causa da visão originária, do espírito revolucionário, leninista.”


 


Isto quando se conhece que a origem do PT não tem nada a ver com leninismo. Aliás, muitos dos grupos que fundaram o PT tinham exatamente a visão oposta ao de um partido de tipo leninista. Em todo caso, FHC termina sua análise política afirmando que os tucanos não souberam transmitir ao eleitor, especialmente no segundo turno da disputa presidencial, o conteúdo básico do programa do PSDB.