Para Renato Russo, dinheiro era “a motivação principal”

O jornalista Jamari França, em seu blog JamSessions, comenta Renato Russo – Entrevistas MTV. A nota se chama “Renato Russo abre o jogo em DVD: é tudo por dinheiro”. Confira o texto na íntegra.

Renato Russo continua a ser uma mina de ouro para sua família. Agora é a vez do DVD ''Renato Russo – Entrevistas MTV” (Deckdisc) com uma de 90 minutos e duas menores, cheias de revelações sobre a carreira e a vida dele. Gostei muito da parte em que ele fala dos discos que deram o start na sua motivação de fazer música, na confissão de que era capitalista e fazia música por dinheiro, incluindo a genial, premonitória e certeira frase “o futuro do rock é o marketing” .


 


Ele reclama da crítica, que achava o disco “As quatro estações” calmo e introspectivo, dizendo que é um disco “pesadéssimo”: “Que história é essa de 'há tempos são os jovens que adoecem' e 'a ferrugem dos sorrisos' e 'ela se jogou da janela do quinto andar/ nada fácil de entender'”. E diz que, também ao contrário do que dizem, o “V” é para cima em versos como “o sol no copo d' água”, “vou cuidar de mim” “quero ser feliz ao menos/ o plano é ficarmos bem” e se queixa “e as pessoas não percebem”.


 


Renato revela que o disco ''Dois'' devia ser duplo, com o ''Que país é esse'' como o segundo CD, incluindo alguns números instrumentais do Marcelo Bonfá, no que provavelmente ia ser um dos discos mais vendidos da história. Mas a gravadora não deixou. Ele explica que, depois disso, a banda deu uma sumida de dois anos para poder trabalhar melhor o disco seguinte, o “V”.


 


“As outras bandas trabalhando e nos cobravam, que a gente não queria ganhar dinheiro, como se o dinheiro fosse a motivação principal. O que tenho a dizer é que o dinheiro é a motivação principal e, por isso, o trabalho é a coisa mais importante. Se eu tenho uma parede de ouro no meu quarto, não vou acordar de noite e ficar tirando lasquinha para ter uma pepita. Para que se eu tenho uma parede inteira. Então para se desgastar fazendo coisas apressadas? Vamos fazer uma coisa bem feita,” diz ele.


 


A coisa bem feita é o CD “V”, influenciado pelo rock progressivo. Renato afirma que o megasucesso de “Quatro estações” fez da Legião uma banda pop, no sentido de popular. “Já que somos uma banda pop, vamos tentar outra coisa. Vamos ver se vão tocar 'Metal entre as nuvens' no rádio”, acrescenta.


 


Ele observa que “Quatro estações” não era um disco pop. “Até começa com 'parece cocaína, mas é só tristeza/ Talvez sua cidade/ Muitos temores nascem do cansaço e da solidão/ Descompasso, desperdício/ Guerreiros são agora da virtude que perdemos' (“Há tempos”)… Mas tocou no rádio e todo mundo gostou”, fala ele.


 


Sabe aquele papo de que coisas mais sofisticadas não podem tocar na rádio porque não são populares. Pois é.


 


Os discos que deram o start são os seguintes, pra quem quiser seguir a trilha que ele seguiu. Os dois primeiros discos dos Stranglers (“Rattus Norvegicus” e “No more heroes”, ambos de 77), o primeiro do Clash (“The Clash” – 1977), o primeiro do Television (“Marquee moon” – 1977), Doctor Feelgood, Eddie and the Hot Rods, “Horses”, de Patti Smith, ''Never mind the bollocks, here's the Sex Pistols'', Stooges e MC5.


 


Mais adiante ele diz que quando ouviu o PiL de John Lydon, ex-Sex Pistols, ele teve o estalo: “Era isso que eu queria”. E passou a ouvir também Gang of Four, The Cure até o LP “Pornography” (1982), Siouxsie and the Banshees e Joy Division, este ele conta que ouvia andando por Brasília na Variant do Fê, Felipe Lemos, atual baterista do Capital Inicial e baterista do Aborto Elétrico, primeira banda de Renato.


 


Quem quiser fazer um pacote de final de ano para dar de presente pode aproveitar também a reedição de luxo de “Renato Russo – O trovador solitário”, de Arthur Dapieve pela Ediouro. Um perfil caprichado das diversas fases de Renato que bate muito bem com o DVD e se choca com ele em alguns pedaços.


 


Renato morreu no dia 11 de outubro de 1996, não lembro o dia da semana. Na época eu era da internacional do “Jornal do Brasil” e cooperava com o Caderno B como fazia, com interrupções, desde 1982. A editora, Regina Zappa, me pediu para escrever algo sobre ele e eu me recusei. Preferi o silêncio.


 


O mesmo fiz quando Cazuza morreu, pela dor do impacto e também pela vergonha que tive de ver gente da redação, que nunca respeitara seu trabalho, se jogar sobre o cadáver para exaltá-lo e, sobretudo, aparecer às custas dele. Conheci os dois, acompanhei a carreira e foi uma perda pessoal para mim. Hoje já consigo ver um DVD desses sem chorar, mas foi difícil durante muitos anos.