Negocia, Dilma. Mas o quê?

Um legado deixado pela era neoliberal vivida em nosso país, que é pouco ou nada discutido na academia, é o fenômeno da banalização ou vulgarização das greves.

Se antes esse importante instrumento de lutas foi imprescindível até para se evitar a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, na atualidade são deflagradas pelas mais pífias motivações. Exemplo disso são entidades sindicais importantes como Andes, Fasubra e Sinasefe, que lideram greves em vários campi universitários e de institutos federais, opondo-se até à realização da Copa do Mundo no Brasil.

Mais grave ainda é a chamada pauta de reivindicações extremamente corporativista, desconectada da luta mais geral da classe trabalhadora e que não reflete a histórica preocupação com a Instituição (ou até mesmo com os alunos), característica desses sindicatos em um passado não muito distante. Reivindicações clientelistas são colocadas acima dos interesses maior da sociedade. Pais de alunos sofrem na pele o balcão de negócios que virou as remoções e redistribuições de servidores, afetando enormemente a qualidade de ensino, sem que esses sindicatos demonstrem o mínimo de preocupação no trato da questão.

Há de se perguntar mais uma vez o que Andes, Sinasefe e Fasubra querem mesmo negociar além do fim da Copa? Seria o fim do superávit primário? A redução da jornada de trabalho para 30 horas? A prestação de serviço aos alunos e à comunidade no Padrão Fifa? A derrota eleitoral de Dilma na próxima eleição? Tudo isso junto ou pelo menos um desses pontos seria suficiente?

Existem muitos pleitos justos tais como o aumento do investimento público para a educação (os 10% do PIB para educação foi aprovado recentemente), a reestruturação da carreira, a Gratificação de Difícil Lotação, data-base entre outros apelos que não serão solucionados com essa ou aquela greve, mas com discussão séria e mobilização permanente de todos os envolvidos.

Importante destacar que com a expansão da rede pública federal, o ensino superior conta hoje com um número de profissionais bem acima da média daquela constatada na década passada. Previsões mais conservadoras indicam que mais de 10 milhões de brasileiros disputam avidamente uma das 300 mil vagas que estão ou serão abertas até o próximo ano. Ainda segundo dados oficiais do MEC, em 2003 havia pouco mais de 40 mil professores do magistério superior e hoje esse número se aproxima dos 80 mil. Ou seja, mesmo com a suposta precarização e sucateamento das universidades e institutos federais – tão propalados por Andes, Fasubra e Sinasefe -, o ensino superior público no país avançou enormemente e ser servidor público federal é cada vez mais um sonho para milhões de brasileiros.

O perfil destes candidatos, assim como daqueles que recentemente ingressaram no serviço público federal, é de classe média, idade inferior a 35 anos e pouca recordação de como o serviço público era concebido pelos governos neoliberais. Obviamente que esse perfil não desmerece a luta destes profissionais pela melhoria da qualidade do ensino, pela valorização da carreira e a justa reclamação pelos seus direitos trabalhistas. Mas ajuda a explicar o porquê destes novos servidores serem tão seduzidos pelas reivindicações mais patrimonialistas e individualistas levadas a cabo pelas atuais direções da Andes, Fasubra e Sinasefe.

Redução da jornada de trabalho para 30 horas para todos os servidores não pode ser aceita como uma exigência dos sindicatos para saírem da greve. Isso é uma proposta totalmente descolada da realidade atual. Como justificar aos outros trabalhadores essa diferenciação?

É extremamente equivocada a análise fatalista, a crítica derrotista e o julgamento negativo que as direções atuais destes sindicatos fazem da evolução da educação em nosso país. Por mais que saibamos que a educação pública federal necessite avançar significativamente para alcançar patamares elevados, dignos da grande nação que somos, é necessário reconhecer, inclusive por força de ofício, os grandes avanços alcançados nos últimos anos, demonstrados pelos números.

De D. Pedro II até 2002 foram criadas 140 escolas técnicas federais. De 2002 até 2012, foram construídas 259. Ou seja, em dez anos foram inauguradas quase o dobro de instituições que levamos quase cento e cinquenta anos para construir. Claro que muitos destes novos institutos levam tempo para se consolidar e muitos apresentam várias limitações e lacunas, mas nenhuma destas dificuldades é por falta de recursos financeiros, mas não raras vezes é justamente pela omissão ou desinteresse do próprio servidor em elaborar projetos e submetê-los ao sem-número de editais existentes. Em 2001 haviam 502.960 alunos matriculados nos IFES. Em 2010 esse número saltou para 1.010.491 matriculados (fonte: Inep e Andifes).

Importante destacar ainda a política de capacitação promovida nos últimos anos que facilita a saída do servidor para seu aperfeiçoamento, seja na forma de especialização, mestrado, doutorado ou pós-doutorado. É fundamental reconhecer também os vários novos programas voltados à assistência estudantil que foram criados e ampliados recentemente, o que ameniza a evasão dos alunos e contribui com a permanência e êxito dos mesmos, além de programas como o Pronatec, Mulheres Mil, Ciência sem Fronteiras, Programa de Bolsas Júnior de Iniciação Científica, Jovens Talentos entre outras iniciativas criadas recentemente colaboram com o fortalecimento da educação pública federal e devem ser valorizadas.

Todas essas medidas e ações foram tomadas e executadas com ampla negociação com a comunidade acadêmica. São iniciativas que visam o fortalecimento da Instituição e que só decolará com o comprometimento igual dos servidores e seus respectivos sindicatos. Essa é, inclusive, uma exigência dos alunos que estão cansados de receberem serviços de péssima qualidade prestados por alguns funcionários descomprometidos que acabam maculando a imagem do serviço público como um todo. O combate a estas distorções também é obra de um sindicato combativo, que não costuma a terceirizar suas funções aos governos e tampouco fugir de suas funções educativas e de formação da classe trabalhadora.

Negociar não é o mesmo de colocar uma faca no pescoço do interlocutor e exigir o impossível (pelo menos para este momento). Negociar é respeitar os compromissos firmados. Negociar é ter a capacidade de discernimento entre o ideal e o real e não a ação irresponsável de quem arrisca por todo um projeto a perder por interesses claramente eleitorais.

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