“As Mil e Uma Noites”

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O checkpoint de Kalandia entre Ramallah e Jerusalém. Foto: Abbas Momani, AfpCheckpoint de Kalandia entre Ramallah e Jerusalém. Foto: Abbas Momani, Afp

O aguardado pôr do Sol, tornava mais encantadora a cidade de Ramallah.

Jamilah se preparava para a refeição após todo o dia em jejum, neste período do Ramadã.

Tâmara, pães, tabule e pescados compunham aquela farta mesa do Iftar.

Ron, de dentro de sua farda, juntava-se à tropa para uma rápida refeição no extremo da cidade. Sentia falta de sua família que deixou em Telavive.

Geralmente as noites de guarda são relativamente tranquilas, embora houvesse uma tensão que jamais desapareceria.

Ele acendeu o cigarro e fumava com a ponta em brasa dentro do cano do fuzil M16.

Deste modo sua chama não servia como um preciso sinalizador, seja para os rebeldes ou para seus superiores.

Um cinzeiro de mais de seis mil reais não lhe garantia felicidade.

Jamilah sobiu para seu quarto. Após a oração se despiu de seu manto negro. Sua burca fora dalí, escandalizava mais que a mini-saia, o fio dental e o top less.

Sob a estrela de Davi, Ron vasculhava a escuridão do alto de sua guarita.

Pela janela do seu quarto Jamilah reverenciava a Lua crescente.

Mesmo com binóculo militar, Ron não pode avistá-la.

Mas o rosto de Jamilah não abandonava os pensamentos de Ron e a figura de Ron estava gravada para sempre na lembrança de Jamilah.

"Como pode uma Guerra Santa criar essa cicatriz tão profunda nesta terra?" Pensou Ron questionando em silêncio o alto muro que estava condenado a fazer guarda.

"Por que Alá faria distinção entre amar um filho seu e querer o extermínio de outro?"Jamilah tentava entender se era glória ou pecado ter nascido no mesmo pedaço de chão em que nasceram as três maiores religiões do planeta.

Cada vez que um caça ou um tanque israelense bombardeava uma cidade Palestina, Jamilah se perguntava, como Ron, após roubar seu coração, agora a destruía.

A cada incursão de tanques interceptada pela chuva de pedras lançada por mulheres, jovens e crianças, Ron imaginava se Jamilah atirava uma daquelas pedras embrulhada por uma carta de amor.

O Tratado de Paz existia no coração dos dois que não compreendiam aquela aberração.

Ron tirou do bolso de sua farda um livro e com seu isqueiro, queimou por completo.

Antes que se pudesse distinguir uma linha branca e uma preta pela luz do dia, o nome Theodore Herlz se convertera em cinzas.

Jamilah pegou da soleira de seu quarto um ramo da oliveira que balançava ao vento.

Ela sentia arder o anti-semitismo invertido.

Ron e Jamilah se lembrariam de quando se conheceram, a única vez que se viram, durante a apresentação da orquestra de Said e Barenboim.

O sionismo é tão grande quanto o cinismo que autoridades impunham aos seus sentimentos proibidos.

Em seus corações habitavam um Nakba infinito.

Travariam pelo resto daquela e nas próximas mil noites, a "Jihad de seu Amor".

Dedicado a Rachel Corrie

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