Meu primeiro aniversário!

Eae!
Você se lembra como foi a festa de seu primeiro aniversário?
Eu me lembro de tudo direitinho, como se fosse ontem.

Éh. Porque na verdade foi ontem, mas estava comemorando até agora a pouco.

Desde criança queria ter uma festa de aniversário, só que a minha mãe não pode ou não quis dar…

Lembro que meu maior sonho era ter uma festa de 15 anos, porque todos dizem que é uma idade importante, quando agente deixa de ser criança.

Eu comecei a trabalhar cedo, fazia uns bico para juntar dinheiro e poder pagar minha própria festa de debutante. Mas ninguém me apoiava. O pior eram as criticas em casa, minha mãe sempre falou que eu não ia conseguir, aquilo doía, mas não me fez desistir.

Me esforcei bastante e chegou o grande dia 6 de maio. Quer dizer, seria grande se eu tivesse conseguido juntar a grana. Grande mesmo foi minha decepção, aquilo foi o fim. Fiquei tão triste que não queria mais me lembrar da data do meu aniversário.

Mas isso tudo é passado, neste ano foi diferente. Meus amigos queriam me dar uma festa. O Daniel, meu novo pai queria de qualquer jeito fazer a tal festa.

Eu achava que seria mais uma tentativa frustrada e não queria passar por tudo aquilo de novo.
Mas fazer o que? Fui comprar os preparativos da festa sem entusiasmo e duvidando que valeria a pena. Compramos tudo de festa e mais um pouco: ingredientes para o bolo, copos, chapeuzinho, bexiga. 

Eu queria uma festa da Barbie, mas como eu já ia completar 16 anos, ia ficar infantil demais, escolhi a Pucca…

Depois desse dia que compramos as coisas para a festa, não consegui dormir mais, era tanta felicidade que a semana custou passar.

Eu comecei a convidar os amigos, mas não todos, porque o salão de festas não é tão grande assim.

O dia chegou. Eu acordei super cedo, não sabia o que fazer, por onde começar?
Se pelo menos o Daniel estivesse por aqui. Vou ligar pra ele.
– Pai! Onde você está?

Daniel interrompe a conversa enquanto subíamos a serra:
– Pera aí Toni deixa atender essa ligação.
– Alo Keila! Como está os preparativos para a fes…

Nós tinhamos acabado de sair de uma animadora reunião com o Joca na Secretaria de Cultura de Cubatão. O livro “Um Sonho de Periferia” escrito pelas crianças da zona sul de São Paulo, antes mesmo de chegar nas pratileiras já tem previsto um segundo volume, agora os autores serão as crianças da cidade de Cubatão.

Veja quantas conhecidências: a Keila é uma das autoras do livro "Um Sonho de Periferia", finalmente irá realizar o sonho de ter uma festa de aniversário. A segunda conhecidência é que ela ligou para o Daniel justamente enquanto agente debatia o que dar para ela de presente.

Fui o primeiro convidado a chegar junto com o Daniel ainda no meio da tarde. Deixamos nossos presentes no carro e fomos famintos fazer um lanche.
– Eae Keila muito ansiosa?
– Demais! Vamos fazer o que?

Daniel propós para agente primeiro comesse, para depois ir lá decorar o salão.
A fome era tão grande que esquecemos os pães no carro. Daniel pediu com gentileza:
– Keila você pode ir buscar…
– Eu busco, eu busco – Me prontifiquei, lembrando que lá estavam os embrulhos com os presentes e ia estragar a surpresa.

A Keila estava tão ansiosa, andava de um lado para o outro repassando a lista de tarefas de sua cabeça em voz alta para ver se não esqueceu nada: "Será que vem a Nathalia? E a minha irmã, será que vem? Será que vem o Zezinho*…"

Após o lanche fomos decorar o salão de festas… Putzzz!
Daniel encheu a mesa de pratinhos descartáveis, um vaso de vidro pra dar um toque brega a decoração…
– Gostaram? – perguntou ele – Como agente não tem muita coisa de comer, vamos espalhar os pratinhos por toda a mesa – explicou.

Pela cara da Keila ela não gostou muito do arranjo, mas na hora ela só conseguia dar risada.
Nos dividimos, a minha tarefa era ir junto com Daniel buscar o bolo feito pela a Dona Eliana. A tarefa da Keila era se produzir para sua festa.

O bolo era decorado com a imagem da pequena guerreira, Puca, agora era só voltar levando junto a Dona Eliana e sua filha. Ótimo! Se o carro do Daniel não fosse uma picape de dois lugares. Fui escalado para ir na caçamba com a importante tarefa de proteger o bolo. Imaginem, logo eu, cuidando o bolo. PERIGO!

Enquanto percorriamos cuidadosamente as ruas tortuosas e esburacadas do Chacara Santana, eu ia me arrepiando e não era do vento friu do lado de fora do carro. Pensava no significado daquilo tudo, como as vezes pequenos gestos mudam uma vida. Precisava escrever a respeito, mas se eu escrevesse, de tão inusitado, pareceria uma ficção. Já sei, chamo a própria Keila pra escrever… não, melhor: vou convidar ela para escrever sobre a festa comigo. Eu escrevo a parte dela, ela a minha, será que ela me dá essa honra?

De volta ao salão com a missão de guardião do bolo cumprida. Os primeiros convidados já apareciam: Thais, Nathalia, Wendell, Alessandra… ajudaram enchendo as bexigas. Vamos prender no alto, mas cade o barbante? – Glup!

Ah, não será por falta de barbante que não teremos festa. Usamos as sacolas de supermercardo, era o que tinha, prendemos tudo no teto, como manda o figurino.

Foi chegando mais gente. A música, o bolo, os presentes, os convidados, tá tudo aqui, mas cade a aniversariante?
– Parece uma noiva – comenta alguém. – Tomara que chegue antes dos parabéns… – responde outro.

Já eram 18 horas, a festa estava marcada para 18:30 e eu não estava pronta.
O telefone não parava de tocar:
– Alô Keila, parabéns!
– Keila? Então eu não vou poder ir à sua festa…
– Keila? Como faz pra chegar à sua casa?

Eu não conseguia para de pensar se as pessoas viriam na minha festa mesmo.
Preocupada com a arrumação do salão. Penso comigo: "Eles não foram buscar o bolo tão longe, porque demoram tanto?"

Ufa! Até que fim, eles chegaram…
– O pessoal já começou a aparecer? – Perguntei nervosa.
– Ainda não – disse meu pai – Mas você precisa se arrumar logo, para recepcionar os convidados. – Me enganou.

Me apressei, última olhada no espelho pra conferir o visual. Quando eu abro a porta do salão. Ví um monte de pessoas, abrí mó sorrizão de orelha a orelha.

Outra coisa que não estou acostumada é ganhar presente, nem sabia como agradecer. Ganhei blusa, camiseta, um lenço de por no pescoço, do meu pai eu ganhei um casaco de friu – É para ficar bem agasalhada no intercâmbio que fará para à Argentina – ele me disse.

Pensava que não ia ganhar nem um presente. Ganhei muitos, até uma boneca ganhei… Boneca!? Meu povo, estou fazendo 16 anos!

Após os comprimentos olhei a mesa do bolo. Nosaaaaaaaaa! Achei que iria ser só aqueles pratinhoss espalhados, rsrsrsr.

Tinha brigadeiro, beijinhos, refrigerantes, salgados além da conta, cerveja pra gente grande, espumante e vinho e não poderia faltar o bolo da Puca!

A festa estava linda, o salão estava decorado diferente de como deixamos a tarde. Ainda bem, se não ia assustar o povo. rsrsrsr…

Musica boa: black, pagode, eletrônica, até James Brown tinha.

Chegou o "Parabéns pra você" …bla, bla, bla… sabe como éh! O menino que eu gosto estava lá. Depois do parabéns começou aquele "Com quem será? Com quem será? Com quem será que a Keila vai casar? Vai depender. Vai depender se o Zezinho vai querer."

Eu entrei em baixo da mesa de vergonha. Ih! Ele não sabia que eu gostava dele. Ficou todo sem graça.

– Então pessoal, meu primeiro pedaço vai pra pessoa que eu mais amo. É quem me traz felicidade, que esta sempre ao meu lado e que se não fosse por ele eu não teria tido esta festa: Meu pai. O segundo pedaço vai para as minhas melhores amigas Thais e Tamires.

Agora era o terceiro pedaço, não tinha como escapar -…vai para o Zezinho.

Mas na verdade eu queria ter falado assim: "Eu sou apaixonada por você, não adianta fingir que não sabe. Quer namorar comigooo?"

Meu pai gritou – Tô ficando mole! rsrsrs

Muita curtição, uns dançando, outros na sala de jogos, a festa foi um sucesso! Mas logo acabou aquele encantamento.

Que dizer, acabou nãoooo, o povo foi embora, eu tava tão feliz que continuei a festa.
Ficaram algumas pessoas, minha amiga Tamires, minha irmã Débora e o Zezeinho. Foi uma maravilha, nós brincamos de estourar bexigas, jogamos sinuca, jogamos xadrez, conversamos muito, comemos muito, demos muitas risadas.

O pessoalzinho com sono mas ninguém se entregou. Ficamos lá até 7:30 da manhã.
Aí acabou de verdade, mas eu continuei, a festa não sai de minha cabeça, a emoção é tanta. Que tinha que dizer isso tudo pra você antes de ir dormir.

Realizei um sonho, um sonho de criança que não acreditava mais que iria realizar.
Quem não veio perdeu uma festona! Mas não precisa ficar triste não, gostei tanto de desse negócio de festa de aniversário…
Quero fazer aniversário todo ano!

Keila Estefany Danielle de Oliveira tem 16 anos é filha de Valdete Maria e tem seis irmãos. Três meninos e três meninas. Estuda na primeira série do ensino médio. Participa de oficina na Orpas há três anos onde integra a diretoria júnior. Ganhadora do troféu Orpas em 2009. Autora do livro "Um Sonho de Periferia".

 

Toni C. é organizador do livro “Um Sonho de Periferia”. Organizou também os livros “Hip-Hop a Lápis” e “Literatura do Oprimido”. Assina Prefácio nos livros “Colecionador de Pedras” de Sérgio Vaz e “Trajetória de um guerreiro” de DJ Raffa. É autor do romance “O Hip-Hop está Morto!” ainda não publicado. Documentarista e coordenador do Ponto de Cultura Hip-Hop a Lápis. Editor audiovisual da TV Vermelho e pesquisador do programa Estação Periferia da TV Brasil. Foi reconhecido como uma das 50 pessoas mais influentes da cultura brasileira, através do prêmio Tuxauá 2010 pelo Ministério da Cultura. Recebeu menção honrosa pela Câmara Municipal de Marília.

*Zezinho – nome fictício.

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