USP: as botas da PM mutilam a democracia

“Aqui estes beleguins de tropa militar não entram, porque entrar na Universidade só através de vestibular” – estas palavras de Pedro Calmon, que era reitor quando a Universidade de Brasília foi ocupada pela Polícia Militar em agosto de 1968, não estavam relegadas ao recanto da triste memória da ditadura militar onde deveriam estar. Na São Paulo do governador tucano Geraldo Alckmin e do reitor João Grandino Rodas, da USP, elas estão vivas. Aqueles mandatários são os responsáveis pela atual reencenação daquele drama antidemocrático que chegou ao absurdo de conduzir, num ônibus improvisado, 73 estudantes presos depois da reintegração de posse da madrugada do dia 8.

A ocupação da reitoria e a movimentação estudantil – que vem, na etapa atual, desde o dia 28 de outubro – provocou debates acesos e a imprensa do capital, em seu vergonhoso papel de enxovalhar para desclassificar e criminalizar o movimento social, enfatizou os aspectos secundários do movimento, descrevendo seus protagonistas como um bando de moças e rapazes privilegiados e irresponsáveis.

Não são, e os objetivos dos estudantes são claros e voltados para a melhoria das condições de educação na universidade e para a restauração da autonomia universitária violada pela presença da PM no campus.

A democratização da universidade está sob grave ameaça. A autonomia universitária, um princípio democrático que resultou de lutas intensas do movimento estudantil e de toda a sociedade, não pode sobreviver sob as botas de soldados que ocupam aquele espaço que, por princípio, deveria ser livre.

A reitoria da USP e o governo tucano do estado de São Paulo cometeram um grave erro ao assinar em setembro passado o convênio com a Polícia Militar que militarizou a segurança da universidade sob o pretexto sempre invocado, e amedrontador para a classe média, de combater o consumo de drogas.

A segurança universitária é responsabilidade da reitoria e não pode ser militarizada, não se admitindo sequer a presença da polícia civil no espaço acadêmico. É simbólico, deste ponto de vista, que a própria Academia de Polícia, um instituto da universidade, fique próximo ao portão, como a admitir a presença estranha da polícia naquele local.

Faz muitos anos que a USP enfrenta uma situação grave. Aos problemas propriamente pedagógicos se acrescentam outros, com destaque para a insegurança no campus. Há relatos de violências de todo tipo, incluindo estupros e até mesmo assassinatos.

O efeito da maneira tucana de enfrentar estes problemas é, invariavelmente, seu agravamento. Os estudantes reclamam da segurança terceirizada (que substituiu o aparato próprio da universidade, mais adequado para enfrentar problemas internos), da falta de iluminação no campus e da falta de regularidade e qualidade no transporte coletivo fornecido pela universidade. Além disso, medidas tomadas por reitores de viés tucano amesquinharam as relações da universidade com a comunidade que vive a seu redor, e com a cidade em geral, encerrando-a numa tosca e ultrapassada torre de marfim.

A nostalgia da ditadura militar traduzida pela presença da Polícia Militar no espaço universitário tem outro resultado perverso, que é a criminalização do movimento social. O Brasil não está mais nos tempos de Ibiúna para trancar estudantes num ônibus da polícia. A solução para as demandas do movimento social, numa situação democrática, exige negociação, muita negociação, e a adoção de medidas capazes de atendê-las. As botas da PM não servem para isso; elas maculam a democracia, além de revelar o saudosismo ditatorial do tucanato.

Tem razão, neste sentido, o presidente da União Nacional dos Estudantes, Daniel Iliescu, quando exige o fim da presença da Polícia Militar na USP e a reconstrução da segurança universitária própria. E quando condena com vigor o convênio da USP com a PM: “Este convênio é antidemocrático” pois fere a autonomia universitária e compromete a liberdade da comunidade acadêmica, disse.