Reforma agrária: indispensável a novo Projeto Nacional

De todas as reformas estruturais democráticas indispensáveis para preparar o país para um salto civilizacional e abrir caminho à construção de uma nova sociedade, uma das mais importantes e urgentes é a reforma agrária. Esta é a convicção das forças consequentes da esquerda brasileira e do movimento popular organizado.

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O Partido Comunista do Brasil diz em seu Programa Socialista vigente que a reforma agrária, “emparedada por poderosos interesses de grandes proprietários rurais, precisa ser realizada”. Propõe “a mobilização social dirigida contra o latifúndio improdutivo e os monopólios estrangeiros agropastoris, neutralizando os proprietários capitalistas produtivos, atraindo os proprietários médios e pequenos e baseando-se no campesinato, no proletariado rural e na maioria do povo”. E acrescenta uma série de medidas de caráter econômico e social com a finalidade de “assegurar a função social da propriedade da terra”.

Por seu turno, o Partido dos Trabalhadores defende, também em documento programático, “a centralidade da reforma agrária no projeto de desenvolvimento do Brasil, como condição fundamental para a geração de trabalho, distribuição de renda, democratização da sociedade, promoção da justiça no campo, ocupação equilibrada do território e para o uso sustentável dos recursos naturais”.

Também se encontram referências à necessidade de promover a reforma agrária no país em documentos de outras siglas partidárias da esquerda, como o PSB e o PDT. Aliás, ambos os partidos foram constituídos por lideranças históricas, como Miguel Arraes e Leonel Brizola, cujas biografias estão associadas à luta pelas “reformas de base”, dentre as quais uma das mais destacadas era a reforma agrária.

No movimento sindical, popular, estudantil e demais segmentos sociais, é arraigada a convicção de que é imperioso lutar pela reforma agrária. Na vanguarda dessa luta estão as organizações mais diretamente ligadas aos interesses dos trabalhadores rurais, o MST e a Contag, cujos documentos programáticos propõem medidas abrangentes e profundas para resolver o problema agrário e mudar completamente o modelo de agricultura em vigor no país.

Em todos há consenso sobre a necessidade de democratizar a posse da terra, de assegurar o princípio da função social da propriedade, fortalecer a agricultura familiar e a dos assentados da reforma agrária, defender a segurança alimentar do povo brasileiro, a soberania territorial, a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade ambiental.

Na constelação de forças políticas e sociais brasileiras, somente os partidos conservadores e lideranças retrógradas a serviço do latifúndio deblateram contra a reforma agrária e a justa luta dos trabalhadores rurais. Na vanguarda dessa luta inglória, de cariz antipopular e antinacional, despontam as organizações patronais, federações e confederações de grandes produtores agropecuários e exportadores. Essas entidades são poderosas e têm enorme influência política no governo e no Congresso Nacional.

É um tema sobre o qual é necessário combater todo diversionismo e tergiversação. A estrutura da propriedade fundiária e o modelo de desenvolvimento agrícola do Brasil estão entre os mais atrasados e desiguais do mundo. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra),o País tem 5,3 milhões de imóveis rurais. As maiores propriedades (que são 2,5% do total e têm em média 2,5 mil hectares) concentram mais da metade da área total, 56,5%. As pequenas, com tamanho médio de 29 hectares, correspondem a 90,3% do total de imóveis e têm apenas 24% da área total de imóveis rurais do país.

Embora eloquentes sobre o grau de concentração da propriedade fundiária no país, esses números não revelam tudo. A revista Retrato do Brasil, que traz em sua edição de junho ensaio sobre o tema, afirma: “O Incra não fornece maiores detalhes sobre as grandes propriedades. Não se sabe, portanto, quantos dos 132 mil imóveis rurais considerados grandes, com área média de 2,5 mil hectares, têm, por exemplo, mais de 15 mil hectares, que é a média das propriedades grandes no estado do Amazonas. Nem quantas têm mais de 200 mil, mais de 500 mil, de 1 milhão”.

Há um consenso na esquerda brasileira e no movimento social quanto ao diagnóstico do problema: o modelo agrário historicamente implantado no Brasil baseia-se na grande propriedade monocultora, que dilapida os recursos naturais e submete a força de trabalho a condições desumanas, degradantes e ao trabalho escravo. Esta estrutura fundiária gera relações sociais, econômicas e políticas injustas, desiguais e autoritárias. Mais: ameaça a segurança alimentar do povo brasileiro, esvazia o campo, empurrando para as grandes cidades milhões de camponeses sem terra, agravando a miséria social dos grandes aglomerados urbanos do país. Condena o país à condição aviltante de produtor de umas poucas commodities agrícolas para alimentar os mercados internacionais.

Nas últimas décadas, o Brasil viveu a experiência da modernização conservadora da agricultura. Esse processo continua a desenvolver-se intensamente, por meio de fartos subsídios públicos para estimular a mecanização e o uso  intensivo de agrotóxicos e outras tecnologias. Tal modernização levou a uma ainda maior concentração fundiária e da pobreza no campo. E entrelaçou os interesses dos latifundiários com os do capital financeiro e das transnacionais da agricultura.

Por óbvio, as medidas políticas, econômicas e sociais que resultarão na reforma agrária contemporânea diferem das que eram propostas no período em que predominava o latifúndio improdutivo e a população rural era majoritária em relação à urbana. Mas isto não é argumento para justificar a concentração da propriedade da terra e o atual modelo de desenvolvimento da agricultura.

A inteligência coletiva da esquerda brasileira e do movimento popular deve ser acionada para formular uma proposta viável de reforma agrária que corresponda aos interesses democráticos, nacionais e populares, sem a qual não será viável um projeto nacional de desenvolvimento soberano e progressista.