Afeganistão: o sentido contraditório da retirada parcial dos EUA

O anúncio feito pelo presidente Barack Obama, dos EUA, de retirar até o final do ano 10 mil soldados de suas tropas no Afeganistão, e mais 23 mil até setembro de 2012, tem um sentido contraditório.

Obama enfrenta as pressões da opinião pública dos EUA prometendo retirar apenas um número um pouco maior de soldados daquele que ele próprio enviou ao Afeganistão em 2010 para reforçar as tropas de ocupação, que foi de 30 mil soldados.

Sua decisão tem um cheiro de derrota disfarçado pelo único “troféu” dessa guerra que o governo de Washington pode exibir, o cadáver do dirigente da Al Qaeda, Osama Bin Laden, uma vez que o outro objetivo da invasão do país, derrotar o Talibã, não foi alcançado e este grupo religioso continua controlando 75% do território afegão.

Uma agressão militarista, como a promovida pelos EUA contra os países do Oriente Médio, envolve uma série de aspectos militares e esbarra na política e também nas finanças. Esta é uma lição que os imperialistas dos EUA já enfrentaram pelo menos desde sua derrota na Guerra do Vietnã, de onde foram expulsos de maneira vexaminosa, batidos por uma conjunção de fatores que incluiu a capacidade de resistência e o heroísmo do povo vietnamita e também a oposição do povo norte-americano à guerra e o alto custo que ela impunha ao Tesouro dos EUA.

Em circunstâncias muitos diferentes, há uma conjunção semelhante no Afeganistão, onde a guerra civil já dura há pelo menos três décadas. A interferência do imperialismo foi decisiva e errática por ter apoiado forças que, depois, se revelariam inimigas dos planos do chamado “Ocidente”. Na década de 1970, quando a União Soviética apoiou militarmente o governo laico da República Democrática do Afeganistão e enviou tropas para o país, a oposição fundamentalista religiosa foi fartamente armada e financiada pelos EUA para se contrapor àquilo que a direita chamava, na época, de ameaça comunista no Afeganistão. Esse apoio fortaleceu os mujahidin, ou “guerreiros de Deus”, e seu desdobramento, depois, foram os talibãs e a al Qaeda, cujo fundamentalismo religioso os tornou, depois da derrota dos soviéticos, em inimigos dos “infiéis” da América.

A interferência dos EUA no conflito no Afeganistão cresceu na passagem entre as décadas de 1990 e 2000, pela tentativa de impor aos talibãs a entrega de dirigentes muçulmanos, entre eles Osama Bin Laden, responsabilizados por ataques contra embaixadas norte-americanas na região e na África. Depois dos ataques contra as Torres Gêmeas, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, a interferência militar aberta aumentou, sob dois pretextos, a caça a Bin Laden e a derrota da al Qaeda, e o afastamento dos talibãs do governo de Cabul. O primeiro ataque aéreo contra o território afegão ocorreu em 7 de outubro de 2001, menos de um mês depois da ação em Nova York. O objetivo real – o controle do acesso às fontes de petróleo da Ásia Central através do território afegão – foi escamoteado.

Desde então, a agressão imperialista dos EUA foi crescente. Os gastos militares cresceram de maneira exponencial, consumindo US$ 440 bilhões apenas no Afeganistão (que, incluindo o Iraque, chega à espantosa quantia de US$ 1,15 trilhão). Hoje, no momento em que Obama anuncia a retirada limitada das tropas, o custo da guerra passa de dois bilhões de dólares por semana, podendo chegar a 120 bilhões no ano! É uma conta que os EUA têm cada vez menos condições de enfrentar. Foi a este alto custo financeiro a que um grupo de 27 senadores republicanos e democratas se referiu na carta enviada no começo do mês a Obama, pedindo a retirada. “Os custos de prolongar a guerra”, escreveram, “superam em muito os benefícios”.

A perda mais significativa, entretanto, é a representada pelo sacrifício de vidas humanas. O número de mortos afegãos é incontável, dizem os especialistas, mas sua dimensão é indicada por alguns números parciais. Só entre 2009 e 2010 morreram 5.691 afegãos, na maioria civis. E há quem calcule que uma média de seis pessoas são mortas por dia.

Para os padrões norte-americanos, por outro lado, as perdas são arrasadoras. Em dez anos de agressão, as tropas invasoras perderam 1.500 soldados, e tiveram 12 mil feridos.

Os temores sobre o futuro do país podem ser fundados face, principalmente, ao fundamentalismo religioso conservador da maior parte das forças locais, mas este é um problema cuja solução cabe soberanamente ao povo afegão. Que só será possível com a retirada completa das forças de ocupação, e isto não está garantido pela decisão anunciada por Obama, que se refere apenas a um terço do total das tropas de ocupação. Sobre os demais soldados (cerca de 70 mil), presidente dos EUA fez um aceno vago indicando que poderão ficar lá até 2014.