O mau jornalismo e a memória de Maurício Grabois

A revelação, pela revista CartaCapital, da existência de uma cópia do diário de Maurício Grabois descrevendo os últimos meses da Guerrilha do Araguaia e a disponibilização de seu texto integral pela internet, acrescentam informações à memória histórica da luta contra o arbítrio no Brasil. E põem em evidência a figura heroica de Grabois, assim como de todos os que foram mortos na luta contra o regime dos generais. Levanta-se um pedaço da cortina que encobre aquele passado de glórias, do lado dos lutadores da resistência, e de iniquidades, do lado de seus algozes.

Grabois foi o comandante militar daquele movimento de resistência à ditadura militar. Foi um desses brasileiros que, já quase sexagenário na época do início da implantação da guerrilha nas margens do Araguaia, e com extensa folha de serviços a seu Partido e ao Brasil, poderia ter encontrado uma forma de ação mais consentânea com aquela idade que se afastava da juventude temporal e, ainda assim, continuar servindo à resistência democrática e à luta pelo socialismo.

Ele se filiou ao Partido Comunista do Brasil em 1931, quando tinha 19 anos de idade; militou na Aliança Nacional Libertadora, lutou contra o Estado Novo, foi um dos esteios da reorganização do Partido na Conferência da Mantiqueira, em 1943. Foi um deputado constituinte extremamente ativo na Assembleia de 1946, onde se destacou na defesa dos trabalhadores, da democracia e do Brasil. Na segunda metade da década de 1950, esteve entre os líderes da resistência revolucionária contra o revisionismo e o oportunismo de direita que passavam a prevalecer nas fileiras comunistas, tendo sido um dos principais dirigentes da Conferência de 1962 que reorganizou o Partido e manteve o nome, os princípios marxistas-leninistas e símbolos da agremiação fundada em 1922.

Mas não era de seu feitio dormir sobre os louros alcançados e, no final da década de 1960, quando o Partido tomou a decisão de iniciar o trabalho de organização entre o povo pobre da região do Araguaia, não vacilou em acatar a tarefa indicada para ele, de ser o comandante militar da guerrilha.

São as credenciais de um líder e dirigente, que podem ser percebidas no texto muitas vezes tenso mas elegante e quase sempre bem humorado do diário que deixou. É o registro, feito por um herói do povo brasileiro, de seus feitos e dos feitos de seus comandados. Lições de amor ao povo, vontade de vencer e confiança no socialismo. É o relato da saga do enfrentamento de elementos hostis, como a floresta inóspita onde a luta ocorria, ou ferozes, como a repressão enviada para esmagar a resistência. Descreveu, naquele diário, a luta desde o primeiro ataque das Forças Armadas, em 12 de abril de 1972, até momentos antes de sua execução pelos soldados da repressão, no natal de 1973.

A revelação do diário de Grabois na citada revista foi feita, porém, de maneira incompreensivelmente canhestra para um veículo que, distinguindo-se no cipoal de mediocridades que prevalece entre as revistas semanais brasileiras, igualou-se a elas no tratamento indigno dado por seu repórter ao grande brasileiro cuja história foi contada ali. O mau jornalista descreve Grabois como um homem parcial, visionário, despreparado e mesmo crédulo, embora exigente com seus subordinados – alegações que são desfeitas, uma a uma, pela leitura do diário.

Grabois enfrentou adversários ferozes e morreu nas mãos deles. Sua memória não será manchada pela miopia e o julgamento raso de um repórter, que de resto se revelou mais sensível para com as razões dos militares que esmagaram a guerrilha no quadro da guerra que naquela altura as Forças Armadas empreendiam contra o povo.