Argentina mostra valor na defesa da soberania

A descoberta da tentativa de introdução ilegal, na Argentina, de armas e equipamentos para “treinar” a polícia de Buenos Aires escancarou, desde o dia 10 de fevereiro, um dos segredos mais bem guardados daquilo que se pode chamar, na falta de outro nome, da “diplomacia da segurança” que envolve os EUA e setores importantes do conservadorismo latino-americano.
No dia 10 de fevereiro, funcionários da alfândega descobriram, no Aeroporto de Ezeiza (Buenos Aires) uma carga ilegal em um avião militar dos EUA que trazia, para território argentino, instrutores para a polícia de Buenos Aires.

A carga – que envolve equipamentos de espionagem, transmissão de dados e escuta clandestina; fuzis e metralhadoras; medicamentos vencidos; drogas (incluindo morfinas); aparelhos de alta tecnologia com códigos e assinalados como secretos; GPS de alta sofisticação, etc. – foi apreendida e o avião só foi liberado mais de uma semana depois, sem a carga ilegal, que ficou retida.

Com o cinismo costumeiro, as autoridades de Departamento de Estado dos EUA tentaram diminuir o alcance do episódio, alegaram sua normalidade e exigiram a devolução do material apreendido.

Mas os tempos são outros na América Latina e, confirmando mais uma vez esta mudança, aquelas autoridades confrontaram-se com a firme defesa da soberania nacional pelo governo da presidente Cristina Kirchner, que repudiou as pretensões de Washington, exigiu explicações e desculpas formais do governo de Barack Obama, cancelou todos os treinamentos de policiais argentinos por congêneres de outros países – vale dizer, dos EUA. E ameaça incinerar os materiais apreendidos.

No território do país, a lei argentina deve ser cumprida por todos, que também devem defender a soberania do país, declarou oficialmente o governo da presidente Kirchner.
O episódio é repleto de significados. O treinamento de polícias de países sul americanos por agentes dos EUA evoca uma memória cruel e nefasta, retratada num currículo pleno de ilegalidades que vão desde a espionagem pura e simples até a tortura e assassinato, como ocorreu principalmente durante as ditaduras militares na região. É nesse passado que os norte-americanos escoram-se quando se referem, como alegou o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Philip Crowley, ao que chamou de “uma longa história de cooperação estreita com a Argentina”.

Uma colaboração repudiada pelos democratas e patriotas e que pode estar perto do fim. Os cursos envolvidos nesta tentativa de violar a soberania nacional argentina seriam ministrados pelos “professores” do Departamento de Estado para a polícia metropolitana de Buenos Aires, subordinada ao prefeito direitista Maurício Macri. Ele é um dos principais líderes da oposição a Cristina Kirchner e notório interlocutor da embaixada dos EUA no país, onde costumeiramente busca apoio político – ele pretende se candidatar à sucessão presidencial na eleição deste ano e quer a benção norte-americana para sua campanha. A polícia dirigida por Macri é suspeita de ter recebido, dos norte-americanos, cursos que incluem tortura e técnicas golpistas numa escola em El Salvador.

A América do Sul não é quintal dos EUA. Este é o principal recado que o governo de Buenos Aires transmite para as autoridades de Washington. É uma mensagem que os norte-americanos precisam se acostumar a ouvir – os países são soberanos. Este é o mundo de relações internacionais que as nações sul americanas estão construindo com sua integração, e ele se constitui num caminho sem volta na defesa contra o imperialismo e as oligarquias conservadoras aliadas a ele, muitas vezes fortemente enraizadas num aparato repressivo caduco e ultrapassado.