“Pátria de chuteiras”

Foi o dramaturgo Nelson Rodrigues, que foi um grande cronista esportivo e um fino criador de frases, que criou a expressão “a pátria de chuteiras” para descrever a mobilização e a expectativa que as copas do mundo criam em nosso país. A frase, escrita depois da conquista da primeira copa do mundo, em 1958, é cada vez mais atual e sua força se renova de quatro em quatro anos, a cada vez que ocorre o campeonato mundial de futebol. Principalmente porque o Brasil é o único país que conquistou cinco vezes aquele título – foi penta em 2002 – e este ano tentará o feito inédito de tornar-se dono de seis vitórias, tornando-se hexa campeão mundial.

 

Da bonita solenidade de abertura dessa Copa, há que se destacar  a exaltação feita à amizade entre o países e à diversidade  cultural, além de uma mensagem contra o racismo. Nos “ tempos tenebrosos” em que vive a humanidade tais mensagens, num evento assistido por milhões de pessoas em todo Planeta, há que serem sublinhadas como auspiciosas. Foi, bonito, também ver os 158 veteranos jogadores das seleções vencedoras de outras copas, em desfile, com o   o “rei” Pelé à frente, ladeado pela modelo alemã Claudia Shiffer, conduzindo a taça Fifa.

 

O futebol mudou muito desde 1958, tornando-se cada vez mais profissional e envolvendo volumes de dinheiro cada vez maiores. Daí o encanto despertado quando surgem seleções que, como por exemplo a dos Camarões, em copas recentes, sem tantos compromissos financeiros ainda conseguem exercer um futebol arte que lembra os tempos heróicos do futebol brasileiro.

 

Mas, cada vez mais, são exceções. A copa do mundo de futebol tem hoje a participação de seleções de 32 países, de todos os continentes. O futebol tornou-se  talvez o primeiro esporte global – o outro, quase tão popular quanto, é o automobilismo – e é exercido em todos os lugares onde meninos pobres possam reunir-se em um terreno vazio e disputar em torno de uma bola. Deixou de ser exclusividade apenas de europeus e sul-americanos.

 

Futebol que  fundamenta negócios prósperos que envolvem, em todo o mundo, valores que ultrapassam a astronômica cifra de 200 bilhões de dólares, resultado de atividades que envolvem o espetáculo, a compra e venda dos passes dos jogadores e técnicos, e os valores de seus contratos, e também volumes cada vez maiores de mercadorias. É na época de copas do mundo, por exemplo, que as vendas de televisores conhecem seus auges, como ocorre hoje com a comercialização de aparelhos modernos, com telas de plasma ou de cristal líquido. Outro item cuja venda cresce é formado pelas marcas de material esportivo (bola, chuteiras e uniformes) como as alemãs Puma e Adidas, e a norte-americana Nike que, em 2006, esperam lucrar U$ 2 bilhões.

 

No Brasil, os recursos financeiros envolvidos com o futebol também são gigantescos. A revista inglesa Marketing, por exemplo, avaliou seleção brasileira em 30,8 milhões de dólares, considerando apenas as chances de propaganda com a marca do Brasil. É a quarta posição, compartilhada com o Japão. O primeiro lugar é da Inglaterra (91,5 milhões), seguida pela Itália (55,5 milhões) e França (47,6 milhões). A dimensão desses valores pode ser medida também pela estimativa, feita pela empresa alemã de consultoria BBDO, de que somente alguns jogadores brasileiros mobilizam recursos de tamanho parecido: somente em propaganda, Ronaldinho Gaúcho está no centro de negócios na casa dos 56,4 milhões de dólares; Ronaldo, por sua vez, atrai outros US$ 35,3 milhões.
E os resultados parecem seguros, como avalia Ingo Ostrovski, diretor de comunicação da Nike. “Desde que assinamos contrato com o Brasil, a imagem global da Nike não pára de crescer”, garante. A empresa renovou seu contrato de patrocínio com a Seleção Brasileira que, desde 1996, já envolveu 200 milhões de dólares. O novo acordo com a CBF vai até 2018, e a empresa vai desembolsar 12 milhões dólares por ano, e mais 6 milhões a cada novo título conquistado.

 

São grandes negócios, que destacam o futebol entre os exportadores brasileiros. Em 2005, diz o Banco Central, o futebol rendeu 158 milhões de dólares nesse item, basicamente com a venda de atletas – valor que representa 2,5% dos 6 bilhões de dólares de serviços empresariais e técnicos exportados pelo Brasil naquele ano.

 

Mas não é apenas como esse negócio promissor que o futebol é valorizado pelos brasileiros – que, aliás, nem sempre tem a consciência dessa dimensão financeira da “paixão nacional”. Neste particular, outra frase de Nelson Rodrigues ajuda a compreender a importância simbólica que o futebol – e principalmente a Seleção Brasileira – tem para nosso povo. Os brasileiros “tem complexo de vira latas”, escreveu ele certa vez criticando a posição subalterna em que se colocavam em relação aos estrangeiros, submissão que ele recriminava.

 

 Neste meio século que nos separam da primeira conquista da Copa do Mundo, o futebol e o sucesso da Seleção Brasileira foram fatores importantes de afirmação do orgulho nacional e, assim, de superação daquele complexo de inferioridade que caracterizava a muitos, principalmente entre membros da elite brasileira.

 

Orgulho reafirmado com as conquistas de campeonatos mundiais em 1966, 1970, 1994 e 2002. “A taça do mundo é nossa / com brasileiro não há quem possa”, dizia o hino comemorativo da conquista de 1958. E que transformou o futebol numa espécie de catalisador da consciência nacional, da idéia de que todos fazemos parte de um povo só, colorido de verde e amarelo e torcendo pela vitória de nossa seleção – experiência cuja repetição se inicia hoje, 9 de junho de 2006, quando o Brasil quase pára torcendo por mais um feito futebolístico—a conquista do hexa.