As diferenças entre Chile e Brasil

A vitória da direita no segundo turno da eleição presidencial chilena assanhou a direita e os neoliberais brasileiros, e seus ventríloquos da mídia, que comemoram a eleição de Sebastián Piñera como a comprovação da tese de que o prestígio do presidente não se transfere para seu candidato. Lá, a presidenta Michelle Bachelet também tinha aprovação popular na casa dos 80%, mas seu candidato, o democrata cristão Eduardo Frei, ficou com apenas 48,4% dos votos, contra 51,6% dos obtidos pelo candidato da direita.

Aquele resultado é desfavorável aos novos ventos que sopram na América do Sul, e ainda vai repercutir muito. Como reconheceu o presidente do Partido Comunista do Chile, Gullermo Teillier, a vitória de Piñera "é, sem dúvida, uma má notícia para o Chile e a América Latina".

A repercussão dessa má notícia precisa ser avaliada com critério. Para o Chile, ela pode significar o retrocesso mesmo nos tímidos avanços sociais e políticos dos vinte anos de governos da Concertación. Foi um período de transição do fascismo pinhochetista para uma democracia severamente limitada pela Constituição imposta pelo ditador. Lá, a luta dos trabalhadores é manietada por um Código do Trabalho de 1980 (elaborado sob Pinochet, portanto), que dificulta as greves e impede a negociação de acordos coletivos. O sistema eleitoral, binominal, que favorece os grandes partidos e praticamente impede a eleição de representantes dos pequenos, dificilmente será modificado. Além disso, a punição dos crimes contra os direitos humanos cometidos contra a ditadura (prisões ilegais, tortura e assassinatos políticos) vai enfrentar grandes obstáculos, o povo mapuche (cuja luta constitui um dos grandes movimentos sociais no Chile) continuará sendo oprimido, a empresa estatal Codelco, do cobre, fica agora sob ameaça de privatização, e por aí vai.

No contexto sul americano, um governo de direita no Chile vai fortalecer os aliados dos EUA (Colômbia e Peru), dando alento à ofensiva conservadora e imperialista na região. A perspectiva do governo da coalizão neopinochetista alinhada em torno de Piñera é o aprofundamento do modelo neoliberal, levando o Chile a se afastar do rumo indicado por países como o Brasil, a Venezuela e a Bolívia, e isso com certeza terá impactos negativos no esforço de integração da América do Sul.

Tudo isso é verdade e faz parte do que virá no novo contexto criado pela vitória da direita. Mas daí até retirar conclusões, apressadas, sobre a eleição brasileira vai uma distância enorme. As diferenças são fundamentais, como lembrou Renato Rabelo, presidente do Partido Comunista do Brasil. No Chile os presidentes em exercício não se envolvem nas campanhas eleitorais, ao contrário dos costumes políticos brasileiros. E todos sabem que a candidata de Lula à sua sucessão tem nome e sobrenome – Dilma Roussef. Depois, lá o voto é facultativo; só votaram pouco mais da metade dos eleitores (51% do total – isso significa que Piñera foi eleito com apenas 25% do total de eleitores). Mais de três milhões de jovens nem se deram ao trabalho de se inscrever para votar!

Outra diferença, fundamental, é o esgotamento do projeto político da Concertación após vinte anos de governos. Esse desgaste pode estar na base da compreensão do eleitor chileno de que os projetos em disputa não se diferenciam, percepção que prevalece num ambiente despolitizado.

No Brasil ocorre o contrário. O povo percebeu, nestes sete anos de mudanças sob o governo Lula, que elas são reais e concretas, embora lentas. E que há uma diferença substantiva entre os dois programas que vão disputar a sucessão de Lula, o programa da continuidade e avanço nas mudanças representado por Dilma Roussef, e o programa neoliberal e retrógrado defendido pelo tucano José Serra.

Ao contrário do que ocorreu no Chile, onde a disputa ficou personalizada, aqui a polarização vai opor programas, com a comparação do desempenho dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luís Inácio Lula da Silva. Esta é uma diferença considerável e que vai além da expectativa de transferência de votos de um presidente excelentemente avaliado pelo povo para sua candidata.