Para onde vai Fernando Henrique Cardoso?

O ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso quis escrever um manifesto, mas saiu como uma lamúria. Mas seu texto publicado no último domingo (dia 1) tem a vantagem de expor um programa explícito da oposição de direita ao governo do presidente Lula e das forças que o apoiam.

O texto é pedestre, qualidade comum aos panfletos. Mas alinha um conjunto significativo de queixas da direita. Reclama da mudança na legislação do petróleo feita para defender o pré-sal para os brasileiros, e não para a iniciativa privada, como quer o dogma tucano. Ataca a preferência presidencial, pública e transparente, pela compra de caças franceses para a FAB – logo ele, FHC, que foi acusado de interferir diretamente, e de costas para a opinião pública, na privatização da Telebrás em favor de um grupo estrangeiro, em 1998. Escandaliza-se pela insistência do governo Lula para que a Cia Vale do Rio Doce (privatizada por FHC, mas da qual o governo ainda é um sócio importante) invista no Brasil parte de seus lucros, para exportar não o minério bruto mas industrializado, transformado em aço. Acusa o governo de antecipar a campanha de 2010 por fiscalizar obras públicas de sua responsabilidade. Revela um renitente americanismo ao acusar o governo de "fazer mesuras" ao governo do Irã, cujo presidente Mahmoud Ahmadinejad visitará o Brasil em breve. (Por falar em mesuras, será preciso lembrar que o ministro de Relações Exteriores de FHC, o diplomata Celso Lafer, submeteu-se à humilhação de tirar os sapatos no aeroporto em Washington para ser revistado?)

Este rosário de lamúrias seria compreensível num embate eleitoral, tendo a virtude de opor programa contra programa – o cardápio privatizante, americanista e anti-popular dos tucanos contra as medidas nacionalistas, democráticas e populares do governo.

Mas a tentativa de manifesto de FHC vai além e registra, com todas as letras, o velho e anti-popular autoritarismo da classe dominante mais conservadora. As mesmas idéias que, em 1945, levaram à deposição (pela direita militar com apoio explícito da embaixada dos EUA) do presidente Getúlio Vargas, justamente quando ele se aliava às forças democráticas e nacionalistas contra as forças do atraso, aliadas da subordinação do Brasil às potências imperialistas, particularmente os EUA, da permanência do latifúndio e da "vocação agrícola" do Brasil, forças que resistiam historicamente contra a industrialização de nosso país. Este mesmo programa foi colocado em prática em 1954, levando ao suicídio de Vargas e, depois, em 1964, quando o presidente João Goulart foi deposto e a ditadura militar teve início.

São idéias que se repetem, sem criatividade ou pudor. Hoje, falam em "autoritarismo popular", com o mesmo conteúdo de sempre: "Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária"; "república sindicalista", como se dizia há meio século – hoje fala em Estado, sindicatos, e movimentos sociais “cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro", "burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, na força dos fundos de pensão”, gerando um "um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários".

Para onde vamos?, pergunta o ex-presidente. Com certeza caminham para a derrota, em 2010, das forças que ele representa e defende. Fernando Henrique Cardoso vai definindo, em textos como o deste domingo, o programa contra a qual as forças da democracia, da defesa da nação, do progresso social vão contrapor-se na sucessão de Lula. Escritos como estes têm a vantagem de definir os termos de um embate que poderá ter caráter plebiscitário, opondo programa contra programa. Nação contra anti-nação, papel do Estado em defesa do desenvolvimento contra privatização e favorecimento aos ricos, soberania nacional contra subordinação ao imperialismo, democracia para o povo contra defesa dos privilégios da elite. Será um embate que o povo entende e no qual tem um lado muito definido, como já manifestou amplamente, para desespero da oposição neoliberal.