O mapa da fome e a violência urbana

A pesquisa sobre segurança alimentar, divulgada ontem pelo IBGE, é um elemento decisivo para entender a guerra urbana travada em São Paulo nesta semana. Sem minimizar a urgência das medidas de segurança eficazes de proteção à sociedade, ela ajuda a decifrar as causas mais profundas do aumento da violência no país. Evita o senso comum de que a barbárie é inerente ao ser humano, o que dá brechas às pregações direitistas da "tolerância zero". Desmascara ainda os tucanos que alardearam a construção de presídios e Febems, mas foram os maiores culpados pela explosão do desemprego e da miséria no Brasil – criando o que o próprio filósofo Helio Jaguaribe chamou de "exército de reserva do narcotráfico e da violência".

A pesquisa revela que quase 14 milhões de brasileiros (7,7% da população) conviveram com a fome em 2004, num contingente total de 72 milhões de pessoas classificadas em situação de insegurança alimentar. Ela também confirma o dado deprimente de que a fome atinge principalmente as crianças. Em todas as regiões, a prevalência da insegurança alimentar foi maior nos domicílios com pessoas menores de 18 anos de idade (41,9%), em comparação com as residências habitadas apenas por adultos (24,26%). Por último, ela mostra a relação direta entre fome e pobreza – decorrente do desemprego, da informalidade e da baixa renda. Perto de 6 milhões de pessoas que passaram fome possuíam rendimento inferior a R$ 65 mensais!

Diante deste cenário preocupante, é visível a diferença de comportamento entre os governos Lula e FHC – apenas os míopes não enxergam. Até por sua origem na miséria, Lula é muito mais sensível aos dramas sociais. As políticas públicas de inclusão social e combate à fome hoje são mais ativas. Só com o Bolsa Família o governo atingirá 11,1 milhões de domicílios até o final deste ano – hoje, 9,1 milhões de famílias recebem o benefício; em 2004, eram 6,7 milhões. Este e outros programas, de caráter emergencial, é que explicam a redução da miséria na fase recente, conforme atestou a própria ONU. O recente aumento real do salário mínimo e das aposentadorias também procuram superar a dívida social confirmada pelo IBGE.

Todavia, tais programas de socorro aos brasileiros que passam fome são necessários porém insuficientes.Impõe-se realizar mudanças estruturais no país que combatam a concentração de renda e riqueza. Para tal é preciso que o Brasil adentre-se a um novo ciclo de desenvolvimento com índices e ritmos consoantes às necessidades e potencialidades do país. E mais: que a riqueza produzida seja destinada a elevação da qualidade de vida do povo, com distribuição de valorização do trabalho.

O nosso país precisa se libertar da abjeta situação em que 20 mil famílias especulam com 85% dos títulos da dívida pública e esbanjam opulência, enquanto 14 milhões de brasileiros passam fome. Sem alterar essa lógica destrutiva, que beneficia a oligarquia financeira, não será possível garantir, nem ao menos, a segurança alimentar do nosso povo. Os programas sociais terão a função de "secar gelo"; o que eles incluem, o desemprego e a baixa renda excluirão em dobro! É imperativo que se dê continuidade —cada vez com mais ousadia— os passos necessários para superar os entraves maléficos da ditadura financeira. Do contrário, o crime continuará tendo no leito da miséria e da fome o seu terreno fértil para se fortalecer.