França e Itália, duas suadas vitórias

No Velho Mundo, a semana começou com duas vitórias de longo alcance para as
forças do progresso. Ali onde tudo parece mais civilizado, e nos asseveram
que a luta de classes pertence a um passado distante, eis que as forças do
trabalho confrontam à luz do dia as do grande capital. E vencem, na França e
na Itália: duas vitórias suadas, contestadas e por isto mesmo com um sabor
especial.

Na Itália, o cenário da luta foi eleitoral —uma eleição parlamentar
altamente polarizada. De um lado, uma coalizão das direitas (que inclui até
uma neta do fundador do fascismo), no governo com Silvio Berlusconi. De
outro, uma frente plural de centro-esquerda, integrada pelos ex-comunistas
Democráticos de Esquerda e também pela Refundação Comunista e o Partido dos
Comunistas Italianos.

Para Fausto Bertinotti, secretário-geral da Refundação, "na verdade foram
duas campanhas eleitorais: uma travada na 'mass media' e outra no país real,
a primeira muito contaminada e contaminante, a segunda muito intensa". Os
brasileiros hão de compreender perfeitamente do que fala Bertinotti.

O resultado foi apertadíssimo. Na Câmara, a centro-esquerda venceu por 0,07%
(!). No Senado, obteve três cadeiras de vantagem graças aos votos dos
italianos residentes no exterior — que votaram pela primeira vez e que a
direita acreditava serem seus eleitores. Entre eles, os 75 mil votantes
ítalo-brasileiros tiveram o seu papel.

Já na França não houve eleição —a próxima será em 12 meses. A direita tem
o presidente da República e o primeiro ministro, maiorias de mais de dois
terços na Câmara e Senado (graças às deformações do voto distrital). A
batalha que derrubou a lei ultraliberal do CPE (que permitia a demissão de
jovens trabalhadores por justa causa) foi decidida nas ruas.

Foram dois meses de mobilização e cinco "jornadas nacionais" —a última
delas com 3 milhões de pessoas em 150 passeatas espalhadas pelo país. Por
fim, nesta segunda-feira (10), o presidente Jacques Chirac deu por morta a
lei infeliz.

Foi um exemplo quase clássico de como a mobilização de massas pode
interferir na vida política e reverter correlações de forças aparentemente
intransponíveis. Trabalhadores e estudantes, sindicatos e entidades
estudantis, souberam construir sua unidade, blindá-la face ao diversionismo
governista, atrair a opinião pública, combinar firmeza com flexibilidade,
negociação com mobilização. Lograram, ainda, explorar e aprofundar brechas
no campo adversário, dividi-lo, constrangê-lo à defensiva.

O sinal de que ao CPE perdera o braço de ferro foi dado pela poderosíssima
confederação patronal francesa, Medef: "Está na hora de parar com essa
gigantesca perturbação", disse a sua presidente, na sexta-feira. Na segunda,
o governo obedeceu.

Tanto no caso italiano como no francês, a suada vitória não significa uma
trégua. O conservadorismo esperneia, revida, busca a revanche pelos meios ao
seu alcance. Mas em ambos existem os melhores motivos para comemorar. E os
dois estão repletos de lições para outros povos que, em outras latitudes,
combatem no fundo o mesmo inimigo.