A ideologia da violência em Paraisópolis

 

Não existe explicação para o massacre policial que resultou em nove mortes em Paraisópolis, na cidade de São Paulo, fora da ideologia da violência. Com a extrema direita ganhando espaço no país, a tese da violência para combater a violência se espalhou. É a exacerbação do desrespeito aos direitos civis, legado da ditadura militar que sobreviveu em muitas delegacias e em muitos quarteis.

Essa metodologia de política de segurança pública ao invés de garantir a ordem e o equilíbrio social, movimenta-se à margem da lei. É fator de desestabilização, ao insuflar o uso indiscriminado da violência e reforçar elementos incivilizados nas relações sociais, além de ser ineficiente no combate à criminalidade. É um caso típico de concretização da máxima de que violência gera violência.

O governo da extrema direita dissemina, propagandeia uma política da morte, tenta instituir a licença para matar, cujo alvo, seletivo, é a população da periferia, das comunidades. É o povo pobre que anseia pelo direito de viver em paz, com segurança. E que chora pela morte de seus filhos alvejados justamente por quem deveria protegê-los.

O episódio ainda aguarda apuração detalhada, mas, pelas informações disponíveis, é possível afirmar que a polícia agiu movida por essa ideologia. O que se sabe é que na origem da ocorrência houve uma perseguição policial, que ignorou o risco que aquela quantidade de pessoas – predominantemente jovens – corria ao se ver entre os dois lados da violência.

Prevaleceu a equação de que aquelas vidas valiam tanto quanto as de quem supostamente delinquiu. E o mandamento de que vale mais a propriedade de quem é roubado do que a vida de quem está no caminho da polícia. O importante é chegar ao “marginal”, uma “chaga” da sociedade que precisa ser eliminada a qualquer preço.

Não há, nessa lógica, nenhuma eficiência no combate ao crime, questão que deve ser tratada como prioridade por qualquer governo em sintonia com as demandas sociais. O problema crescente da falta de segurança exige muito mais do que esse artificialismo, a brutalização da ação policial à base do entendimento de que bandido bom é bandido morto, sem mediações e considerações de qualquer ordem.

Essa bandeira perdera terreno em uma grande porção da sociedade com os resultados da sua aplicação na ditadura militar. Percebeu-se a sua ineficiência e as consequências, como essa de Paraisópolis, à medida em que a crise econômica avançou e, com ela, as mazelas sociais.

Era claro que se tratava de coisa de gente truculenta, que desconsiderava a sua raiz e o terreno em que ela vicejava. Mas, com o avanço da extrema direita e seu obscutantismo, essa prática voltou com força. Cada vez mais, a causa social passou a ser desconsiderada e a violência como método único de combate à violência tomou o seu lugar, abrindo um amplo terreno para o discurso que consolida a polícia como uma força que não investiga para prender e, não raro, executa sumariamente.

Não passa de falácia jogar sobre os pobres a responsabilidade pelo caos no país. Mas, para essa linha de pensamento, um sistema de repressão que, sob o pretexto de combater o crime, adota o crime como método, é a resposta para os excluídos até da discussão sobre a exclusão social. Não conta, para esse ponto de vista, o processo econômico e político que tira de milhões de brasileiros a condição de cidadãos para transformá-los em desclassados, à margem da sociedade organizada e sem poder aquisitivo.

O Brasil volta a concentrar renda de forma acelerada. Consequentemente, volta a se consolidar a categoria dos excluídos, um cenário que tende a se desdobrar em explosões sociais como as que ocorreram em vários países da região. O ato policial bárbaro em Paraisópolis pode ser contabilizado como uma ação de repressão do mesmo rol das que causaram tantas vítimas no Equador, no Chile, na Colômbia e na Bolívia.