Eleições e manifestações enfrentam projeto neoliberal

As reviravoltas que começam a se configurar na vizinhança do Brasil têm causas bem definidas. Essa mescla de vitórias progressistas nas eleições na Bolívia e na Argentina, e a possibilidade de acontecer também no Uruguai, com vigorosas manifestações populares como as do Chile e do Equador resulta de dois fatores básicos e fundamentais.

O primeiro diz respeito à conhecida fórmula de arrancar do couro do povo as compensações das perdas econômicas decorrentes da crise sistêmica desse modo de produção capitalista, comprovadamente incapaz de girar suas próprias engrenagens, especialmente nos seus solavancos mais agudos. Desde que ela emitiu os primeiros sinais de que se agravaria, no final da década de 1970, esse modelo econômico tem gerado crises cada vez mais catastróficas e sucessivas.

Como depois do pico da crise de 1929, seria necessário entrar em ação políticas de Estado para mitigar suas mazelas e preparar as condições para um novo impulso da retomada do crescimento. Isso só foi possível com governos que priorizaram investimentos antes dos lucros. Nesse período mais recente, com o ciclo de governos democráticos e progressistas que assumiram o leme do Estado na América Latina, aconteceu algo semelhante, embora numa escala menor.

A força política que impulsionou esse ciclo não foi suficiente — além de suas limitações, obviamente — para consolidar um processo duradouro. A reação imperialista criou um efeito dominó na região, mas permaneceram importantes pontos de resistência, como a Bolívia, o Uruguai e a Venezuela — esta sobrevivendo sob um brutal cerco estadunidense, apoiado por grupos e governos serviçais dos interesses da Casa Branca.

É o caso do governo brasileiro, com o presidente Jair Bolsonaro lançando provocações contra esses países. No caso da Argentina, ele reagiu atacando o pronunciamento do presidente eleito, Alberto Fernández, que defendeu a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa mesma linha foi a vice eleita e ex-presidenta Cristina Kirchner, que se referiu ao presidente da Bolívia, Evo Morales, como parte do que ela proclamou como "neoliberalismo nunca mais”.

O segundo fator básico e fundamental para essa reconfiguração inicial de uma novo cenário na região é a resistência popular. As organizações do povo, que mesmo sob ataques mantiveram a combatividade, forjaram as condições para que, à medida em que as mazelas provocadas pelos neoliberais se agravassem — e isso aconteceu rapidamente —, forças políticas emergissem para contestar esse modelo de governo.

Esse traço comum pode ser observado em todas as manifestações de rua. Basta olhar para as bandeiras que são levantadas nos países em que o neoliberalismo reapareceu como furacão devastador. É evidente que as particularidades de cada um contam muito, mas a causa é a mesma. O Brasil, por exemplo, certamente será influenciado por esses acontecimentos.

Começam a surgir por aqui formações que dão sentido combativo à resistência ao projeto ultraliberal e neocolonial do governo Bolsonaro. Não é possível olhar para o futuro próximo e enxergar um cenário de tranquilidade.

As mazelas neoliberais já aparecem por todos os lados, formando uma realidade objetiva que exige sagacidade política e convicção de que o Brasil não pode seguir nesse rumo. O desafio é chegar a uma síntese para dar forma à resistência, que começa pela união de todas as forças políticas para garantir o primeiro passo dessa luta: a defesa da democracia.