América do Sul luta e resiste

Depois dos revezes derivados da ofensiva do imperialismo e de processos internos da luta de classes, vai emergindo na América do Sul, frutos da luta e resistência do povo e das forças progressistas, uma nova realidade. Nesses acontecimentos, é possível observar o aspecto comum das manifestações de contrariedade ao velho modelo de dominação colonial e neocolonial, liberal e neoliberal. Com diferentes características, essa tem sido a marca da região.

Agora, o que se passa é a rápida percepção de importantes parcelas da população de que a restauração da velha ordem é também a volta das mazelas sociais que historicamente castigaram a região. As eleições indicam que os movimentos que se opõem a esse modelo de dominação estão na frente com a reeleição de Evo Morales na Bolívia e são favoritos com a tendência à reeleição da Frente Ampla no Uruguai e de eleição da chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner na Argentina. E há ainda a resistência da Venezuela, que enfrenta com brio o violento cerco estadunidense.

Essa tomada de posição de contestação à aplicação do modelo neoliberal num período de tempo curto se deve aos seus resultados agora ainda mais devastadores. Ele chegou por aqui para ser aplicado primeiro no Chile da ditadura do general Augusto Pinochet e se consolidou na década de 1990, provocando, além da destruição das soberanias na região e mazelas socias, graves crises políticas.

Superado pelo ciclo democrático e progressista, ele foi restaurado com feição ultraliberal e mais neocolonial por meio de uma cadeia de golpes e de manipulações políticas-ideológicas. O resultado não tardou, traduzido por alarmantes indicadores de desigualdades sociais — no Brasil, mostrado pelas estatísticas de desemprego e outros dados da recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada em 2018.

O contraste com os avanços obtidos nas últimas décadas, quando quase todos os países da América do Sul e alguns do Caribe tiveram governos democráticos e populares – além de conquistas sociais importantes houve a integração política, econômica e cultural – é flagrante. A resposta no primeiro período da crise global deflagrada em 2007-2008 mostrou que é possível, com o Estado fomentando políticas públicas, enfrentar os seus efeitos.

O acúmulo de contradições nesse curto espaço de tempo permite a leitura clara desse cenário. Ele se relaciona com a crise do capitalismo e a quebra do cassino global, uma conjuntura ainda mais explosiva do que aquela que marcou o ciclo neoliberal dos anos 1980-1990. Naquele tempo havia o alto endividamento externo como causa principal da crise. Hoje, o modelo ultraliberal e neocolonial captura os orçamentos públicos, fazendo do Estado um zumbi a seu serviço, destruindo soberanias e expurgando dele as políticas sociais.

As cenas daqueles tempos marcadas pelos técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) com suas maletas portadoras de “cartas de intenção” – verdadeiros tratados de rendição dos governos locais – estão de volta para assumir o papel que deveria ser do Estado. Com suas “cartas”, eles determinam como o dinheiro púbico deve ser gasto, reservando, evidentemente, a maior parte para quem eles representam – a banca internacional, o cassino global.

Só uma política de fortalecimento dos Estados nacionais pode controlar efetivamente o movimento do sistema financeiro. Isso significa construir bases nacionais — indústrias, empresas, institutos tecnológicos etc. — como instrumentos decisivos para o desenvolvimento. Mas essa é ainda uma demanda pendente, em construção. Esses movimentos de resistência assumem configurações diversificadas, mas vão mostrando que o caminho é do ampla unidade nacional, da mobilização do povo, da resistência e da luta.