O governo Bolsonaro como capacho da Casa Branca

A política externa de um país diz muito sobre o seu caráter. No caso em que o governo se dispôs a abrir mão de prerrogativas soberanas na esperança de que os Estados Unidos apoiassem a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ficou patente, mais uma vez, sua opção pelo servilismo.

Há um jogo de xadrez na geopolítica, que traduz, antes de tudo, grandes interesses econômicos. Ao abrir mão da sua soberania em favor dos interesses da Casa Branca, o governo Bolsonaro entrega os destinos econômicos do Brasil nas mãos dos seus algozes.

É preciso considerar que no capitalismo — sobretudo nas condições atuais — não há mocinhos. O sistema é gerido por leis integradas de poderes político, econômico e militar. Isso explica por que os escândalos pipocam e a Justiça não é chamada a intervir efetivamente. Tampouco a polícia. Uma intervenção assim quebraria sua intrincada teia de relações, lançaria luz em trevas intocadas e romperia com o rito que seus integrantes professam. É um mundo territorializado pela matilha de Wall Street.

A simbiose do poder político com os conglomerados econômicos, movidos a capital fictício destituído de valor e alimentado por receitas fiscais, exige firmeza de qualquer governo que não deseja ser mero figurante na arena internacional. Esse mundo financeiro vive em outra galáxia, distante daquela habitada pelos mortais comuns. O presidente norte-americano Donald Trump é um legítimo representante dessa galáxia.

Ele não está envolvido em guerras comerciais e tecnológicas com a China e mesmo com a União Europeia — parceira histórica dos Estados Unidos — por bom mocismo. A luta é para estabelecer quem é o gatilho mais rápido do Oeste e do Leste, do Ocidente e do Oriente. Cada país ou bloco comercial que cuide do seu quintal. O mundo moldado pelo século XX tem lições importantíssimas nesse sentido. E o Brasil, a duras penas, aprendeu que abrir mão de sua soberania é um péssimo negócio.

Suas tradições de luta por independência e soberania se inserem num dos mais importantes capítulos da história mundial. Livrou-se do jugo colonial — condição importante para dar mais saltos civilizatórios —, manteve sua integridade territorial e ingressou na era republicana com a determinação de ser uma nação protagonista. A outra face da moeda mostra que quando o país não prezou a sua independência e soberania, o resultado foi trágico, com explosões de crises econômicas e sociais.

Nesse percurso, após a pasmaceira da República Velha caiu em mãos rapaces algumas vezes — sobretudo nos governos do general Eurico Gaspar Dutra e da ditadura militar — e chegou ao período neoliberal, marcado por uma política externa escancaradamente entreguista, agora ressurgida no governo Bolsonaro ainda mais radicalizada. Depois dessa fase, houve a interrupção dos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que resgataram a tradição soberana da política externa brasileira.

Foram memoráveis as batalhas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a famosa Rodada do Milênio, que contaram com o Brasil na liderança. Nesse embate, pesaram muito as articulações no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que por sua fez tinha a força da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Os países centrais — especialmente Estados Unidos e União Europeia, os mandas-chuvas da OCDE — queriam queda das tarifas, das barreiras não-tarifárias e dos subsídios à exportação de bens industriais e se recusavam a baixar tarifas, barreiras não-tarifárias e subsídios à exportação agrícola. O que mudou desde então? Rigorosamente nada. Um mínimo de cognição leva à conclusão de que, nesse jogo, o governo Bolsonaro está fazendo papel de mero capacho da Casa Branca.